O pianista brasileiro José Eduardo Martins encerra a carreira em Lisboa, na próxima terça-feira, com um concerto dedicado a compositores de Portugal e do Brasil, a realizar no Museu Nacional da Música, anunciou esta instituição
“Pianista
perfeito”, como a crítica francesa o definiu, professor, investigador,
divulgador, José Eduardo Martins escolheu para o seu derradeiro programa os
compositores brasileiros Henrique Oswald, Francisco Mignone e Gilberto Mendes,
a par dos portugueses Carlos Seixas, Francisco de Lacerda, Fernando Lopes-Graça
e Eurico Carrapatoso, abrindo com uma ‘suite’ de Jean-Philippe Rameau.
Segundo
testemunho do pianista, citado pelo Museu Nacional da Música, o programa foi
escolhido tendo em conta a sua ligação afetiva a Portugal, e recorda episódios
marcantes do seu percurso, como as Sonatas de Carlos Seixas que apresentou no
seu primeiro recital em Lisboa, em 1959, na Academia de Amadores de Música,
feito a convite do compositor português Fernando Lopes-Graça.
A
última atuação ao vivo do pianista brasileiro acontece perto de 70 anos após a
sua estreia em 1953, num recital em São Paulo.
José
Eduardo Martins nasceu nesta cidade brasileira, em 1938, onde iniciou estudos
de piano com o professor russo José Kliass. Seguir-se-iam os anos de trabalho
em Paris, no final da década de 1950, com os mestres do Conservatório da
capital francesa: Marguerite Long, a intérprete privilegiada de Maurice Ravel,
Jean Doyen, que viria a dirigir a classe de piano, e Louis Saguer, o professor
de Teoria Musical, que fora aluno de Darius Milhaud, Arthur Honegger e Paul
Hindemith.
Saguer
viria a revelar-se determinante no percurso de José Eduardo Martins e nas suas
escolhas, como o próprio pianista sublinhou mais tarde: por um lado, era um
crítico do virtuosismo vão, da repetição de repertório e “das programações
massificadas, sem interesse musical e social”; ao mesmo tempo, era um
conhecedor profundo da música portuguesa, desde o Renascimento de Manuel
Rodrigues Coelho, ao Século XX de Fernando Lopes-Graça, de quem era amigo.
“A
influência de Louis Saguer […] foi duradoura”, escreveu José Eduardo Martins em
2009, sobre o seu antigo professor. “Os princípios do mestre permaneceram como
farol, e muitos dos conceitos depositados em seus textos fazem parte daquilo
que foi assimilado [por este seu] discípulo.”
Desde
o início da carreira, a música francesa esteve presente no repertório de José
Eduardo Martins. Interpretou Gabriel Fauré, Ravel, fez ciclos integrais de
Rameau e Claude Debussy, mas também abordou Mussorgsky e Alexander Scriabin,
sobre o qual escreveu.
Numa
discografia com 25 títulos, feita sobretudo na Europa, para ‘selos’ como
Portugaler e Portugal/Som, Esolem (França) e De Rode Pomp (Bélgica), dedicou
seis álbuns à música portuguesa.
Gravou
a integral de Francisco de Lacerda, incluindo a versão para piano das
“Trente-six histoires pour amuser les enfants d'un artiste”, fez a primeira
gravação integral das “Viagens na Minha Terra”, de Lopes-Graça, que considerou
“um dos mais destacados músicos do seu tempo”, dedicou dois álbuns às Sonatas
de Carlos Seixas, defendendo que, “enquanto não estiver justamente conhecido e
interpretado nas principais salas de concerto do mundo, uma falta irreparável
estará a ser perpetrada.”
Do
compositor romântico brasileiro Henrique Oswald, empreendeu o resgate de uma
obra esquecida, tendo gravado a integral da sua música para violino e piano
(com Paul Klinck), violoncelo e piano (com Antônio Del Claro) e o Quarteto com
piano, além de uma grande parte da sua obra para piano solo, como Valsas,
Noturnos e a Sonata em Mi maior.
Ao
compositor do Rio de Janeiro, que se fixaria em Itália, dedicou também o livro
“Henrique Oswald, Personagem de Uma Saga Romântica”.
O
repertório de José Eduardo Martins é extenso. Remonta ao Barroco, com Kuhnau,
Bach, e estende-se por mais de três séculos de música, pelos universos de
Mozart, Tchaikovsky, Rachmaninov, sem esquecer compositores do Brasil e de
Portugal, como Villa-Lobos, Cláudio Santoro, Gilberto Mendes e Jorge Peixinho,
nem novas expressões europeias, como os belgas como Lucien Posman, Hans
Cafmeyer, Frederick Devreese e Raoul De Smet.
A
par da carreira de pianista, José Eduardo Martins foi professor da Universidade
de São Paulo, desde o início da década de 1980 a 2007, tendo dirigido o
departamento de música.
A
sua obra teórica, em artigos, ensaios, monografias, inclui títulos como “A
Música na Estratégia Colonial Iluminista”, “O Fado: Da Dança Afro-Brasileira à
Saudade Portuguesa”, “O Descompromisso do Estado e a Ascensão da Cultura de
Alto Consumo”, “Impressões Sobre a Música Portuguesa – Panorama, Criação,
Interpretação, Esperanças” e “História Breve da Música Ocidental”, estando
editada pela Imprensa da Universidade de Coimbra, a Université Paris-Sorbonne e
a Universidade de São Paulo, entre outras instituições.
Em
Portugal, depois do concerto no Museu Nacional da Música, José Eduardo Martins
fará duas conferências em Évora e Coimbra.
A
sua carreira foi distinguida com a ‘Ordre de La Couronne’, da Bélgica, a Ordem
do Rio Branco do Brasil, diplomas de Gratidão e de Honra ao Mérito de São
Paulo. Recebeu o doutoramento ‘honoris causa’ da Universidade Constantin
Brancusi, é membro honorário da Academia Brasileira de Música e da Academia
Fernando Lopes-Graça de Lisboa.
“José
Eduardo [Martins] é um intérprete excecional, com uma discografia exemplar”,
escreveu o compositor e crítico francês François Servenière, num longo ensaio
sobre o pianista brasileiro, publicado em 2011. “Martins é perfeito”, garante
Servenière. "A música […] flui como uma corrente, nada a dispersa nem
constrange. Poder-se-ia ouvir [os seus discos] sem parar, como uma antecâmara
do paraíso.” In “Sapo Mag” – Portugal com “Lusa”
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