A Escola EB 2/3 António Alves Amorim, de Santa Maria da Feira, proibiu em 2017 o uso de telemóveis em todo o recinto, levando a que os alunos socializem mais entre si e evitem situações de ‘bullying’ na internet
É
por isso que a diretora desse estabelecimento de ensino, Mónica Almeida, não
tem dúvidas em afirmar que restringir o uso dos referidos aparelhos ao contexto
pedagógico, quando solicitado por um professor, foi “a melhor coisa” que aí se
fez.
Situada
na freguesia de Lourosa e frequentada por 630 alunos dessa região do distrito
de Aveiro, a EB 2/3 em causa é apontada como exemplo na petição pública “Viver
o recreio escolar sem ecrãs de smartphones”, que reúne mais de 3400 assinaturas
apelando a que, a partir do 2.º ciclo, crianças e jovens sejam impedidos de
usar telemóveis em ambiente escolar.
Os
peticionários defendem que a proibição ajudará os alunos a desenvolverem as
suas capacidades de socialização e comunicação oral, e também fará diminuir o ‘bullying’
‘online’ e a difusão ilegal de imagens e vídeos com menores.
Mónica
Almeida concorda. Diz que isso está demonstrado pelos últimos seis anos de
experiência da escola e pela animação que se nota no recreio durante os
intervalos: há grupos de alunos em altas gargalhadas, miúdas a caminhar juntas
em torno de jardins bem cuidados, rapazes a jogar bola no relvado sintético e
até pares românticos a beber sumo na esplanada do bar, sob as árvores.
“Implementámos
esta medida há seis anos e o principal objetivo era que os nossos alunos
pudessem socializar uns com os outros sem recurso ao telemóvel, porque
achávamos que nestas idades, de formação do seu caráter, é muito importante a
interação de uns com os outros e não por via dos ecrãs”, explica Mónica
Almeida.
Embora
já em 2017 fosse tida como arriscada, a medida foi aprovada sem dificuldade no
conselho pedagógico, pelos docentes, e depois validada também pelo conselho
geral, em que pais e encarregados de educação também se mostraram “muito a
favor” da mudança.
“O
mais difícil foi implementá-la nos alunos que já cá estavam há algum tempo,
nomeadamente aqueles que usavam de forma sistemática o telemóvel. Mas depois,
em reuniões de delegados [de turma], eles foram os primeiros a assumir que foi
uma boa medida, porque passaram a conhecer os seus colegas muito melhor”,
recorda a diretora.
Em
termos práticos, os alunos da EB 2/3 de Lourosa podem levar o telemóvel para a
escola, mas, na primeira aula, entregam os aparelhos ao professor, que os
deposita numa caixa específica para cada turma, guardada num armário próprio da
receção do edifício. Depois, independentemente da carga horária letiva de cada
dia, só na última aula é que o professor em funções acede novamente à caixa,
para devolver os telefones a seu dono.
Os
estudantes mais cumpridores podem manter o telemóvel consigo, desde que esse
nunca seja consultado. À primeira infração há um aviso; à segunda o aluno fica
suspenso três dias – “ou mais”, como aconteceu durante uma semana com o
estudante que gravou um professor e partilhou o vídeo nas redes sociais.
Urgências
estão previstas: “Sempre que queiram dar um recado aos seus educandos, os pais
ligam para a escola e nós fazemo-lo chegar ao aluno. Quando o educando quiser
uma chamada para os encarregados de educação, pode sempre fazê-lo, sem nenhum
custo”.
É
por isso que Inês Santos, que tem 11 anos e frequenta o 5.º C, nem leva o
telefone para a escola. Está habituada a prescindir dele desde a escola
primária e não tem reclamações sobre a medida: “Assim temos mais tempo nos
intervalos para conviver uns com os outros. Dou voltas à escola com as minhas
amigas, a caminhar; falamos de como correram os testes, das coisas que fazemos
ao fim-de-semana”.
Já
com 14 anos, Frederico Ferreira acrescenta jogos de futebol, ténis de mesa e
matrecos à lista de atividades com que substitui os ecrãs. Lamentando que
noutras escolas haja “muita gente parada ao telemóvel a mandar mensagens em vez
de falar com os colegas”, esse aluno do 9.º F aprecia a política da EB 2/3
António Alves Amorim e diz que os pais até tiveram nela um dos principais
fatores que os levaram a matriculá-lo aí.
Quando
explica essa proibição a amigos de outros estabelecimentos de ensino é que a
situação se complica: “As pessoas acham um bocado estranho e a primeira reação
é que ficam espantadas. ‘Como é possível uma pessoa nesta idade ‘viver’ sem o
telemóvel?’. Porque, efetivamente, isto é uma realidade muito diferente da do
resto das escolas”.
A
confirmá-lo está Camila Oliveira, professora de Matemática e Ciências que,
lecionando na EB 2/3 de Lourosa apenas há cinco anos, mal conseguiu conter o
entusiasmo ao saber que a proibição de uso de telemóveis nesse estabelecimento
de ensino ia ser tema de notícia e dar-lhe oportunidade de traçar a comparação
com o local onde trabalhava antes.
“Venho
de uma escola onde os miúdos, mal saíam das aulas, escorregavam pela parede
abaixo com o telemóvel e ficavam ali agarrados àquilo. Não havia convívio como
há aqui e por isso é que achei isto magnífico. Todas as escolas deviam seguir
este exemplo”, declara.
Realçando
“a coragem da direção” ao decidir que os telemóveis seriam proibidos em todo o
recinto escolar e não apenas nas salas de aulas (como estipula o Estatuto do
Aluno, ao proibir aparelhos informáticos “nos locais onde decorram aulas ou
outras atividades formativas”), Camila Oliveira acrescenta: “Estamos na era das
comunicações, mas a nossa sociedade está a ficar doente por causa da falta de
comunicação física, presencial. Acho esta medida importantíssima, pela saúde
dos nossos filhos – principalmente a mental”.
Maior
capacidade de socialização, desenvoltura argumentativa, segurança no discurso
em público e empatia são algumas das competências que as duas professoras dizem
favorecidas pelo menor contacto com telemóveis. Além disso, a proibição liberta
a escola de “um sem-número de problemas, nomeadamente alguns crimes que se
cometem nos estabelecimentos de ensino sem que os alunos tenham sequer
consciência disso”, refere.
Mónica
Almeida dá apenas dois exemplos, entre os mais frequentes: a captação ilegal de
imagens de alunos, na maioria dos casos em circunstâncias normais de
socialização, mas, às vezes, também em situações de ‘bullying’, ‘body
shaming’ e exposição sexual; e a filmagem de professores em contexto da
sala de aula, num crime agravado pela difusão desses conteúdos nas redes
sociais.
“Esses
comportamentos são da responsabilidade dos pais e nós aqui não temos esse
problema. Não usando telemóveis, não compete à escola supervisionar essas
questões”, conclui. In “Bom dia Europa” - Luxemburgo
Sem comentários:
Enviar um comentário