Depois
de um século e meio, Bocage, o perfil perdido (São Paulo, Imprensa
Oficial do Estado de São Paulo, 2021), de Adelto Gonçalves, desvenda uma farsa:
o poeta Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805) não nasceu na casa da rua de
São Domingos, atual rua de Edmond Bartissol, em Setúbal, como afiança uma placa
afixada lá no século XIX, mas numa morada ao largo de Santa Maria com a rua de
Antônio Joaquim Granjo, antiga rua das Canas Verdes, também em Setúbal, lugar
mais nobre, que marca o início do burgo. O livro, que saiu em 2003 pela
Editorial Caminho, de Lisboa, ganha agora a sua edição brasileira.
Resultado
de um ano de pesquisas em arquivos portugueses, com apoio de bolsa de
pós-doutoramento da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo
(Fapesp), a biografia recua ao avô de Bocage e apresenta a árvore genealógica
da família a partir de seus avós e bisavós, abrangendo toda a vida do poeta –
sua infância, a adolescência e a entrada
no regimento de Setúbal, a ida para a Marinha, a passagem pelo Rio de
Janeiro e pela ilha de Moçambique, a presença na Índia portuguesa, o retorno a
Lisboa, a entrada e expulsão da Nova Arcádia, a participação na maçonaria, a
atuação como revisor e tradutor na Tipografia do Arco do Cego, as contendas com
os censores da Comissão Geral sobre o Exame e Censura de Livros, os seus livros
publicados, os seus derradeiros e a morte a 21 de dezembro de 1805.
O
livro, porém, vai mais além, reconstituindo os embates havidos pela memória do
poeta entre elmanistas, adeptos de Bocage, e José Agostinho de Macedo, seu
feroz opositor, e recupera, inclusive, cartas inéditas deixadas por sua irmã
Maria Francisca, mostrando-a ludibriada por “falsos amigos”. A biografia
apresenta descobertas como a prisão do pai do poeta na cadeia do Limoeiro, de
1771 a 1777, acusado de como ouvidor de Beja ter desviado a arrecadação da
décima referente ao ano de 1769.
Outra
informação importante é que o poeta, preso em 1797 por agentes do
intendente-geral de Polícia, Pina Manique, permaneceu detido mais tempo do que
se sabia, até o último dia de 1798, quando saiu do Real Hospício de Nossa
Senhora das Necessidades; O livro mostra ainda que a Nova Arcádia, apesar das
desavenças entre Bocage e muitos de seus sócios em 1794, sobreviveu até 1801
por empenho do intendente-geral de Polícia, Pina Manique.
Currículo
– Adelto Gonçalves (1951), nascido em Santos-SP, é jornalista desde 1972,
quando começou a trabalhar no extinto jornal Cidade de Santos, do grupo
Folhas. Tem passagens pelos jornais A Tribuna, de Santos, O Estado de
S. Paulo e Folha da Tarde e pelas editoras Abril e Globo. Em
Portugal, é colaborador do quinzenário As Artes Entre as Letras, do
Porto, e das revistas Vértice e Colóquio/Letras, de Lisboa. É
também colaborador do Jornal Opção, de Goiânia, do Diário do Nordeste,
de Fortaleza, e da revista digital VuJonga, de Lisboa, dedicada aos
povos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), entre outros sites
do Brasil e Portugal.
Doutor
em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP),
é mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana pela
mesma instituição. Seu trabalho de doutorado Gonzaga, um Poeta do Iluminismo,
sobre o poeta Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), foi publicado em 1999 pela
Editora Nova Fronteira, do Rio de Janeiro, com prefácio do poeta Alberto da
Costa e Silva, ex-presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL).
Foi
professor titular da Universidade Santa Cecília (Unisanta) e Universidade São
Judas-Unimonte, nos cursos de Jornalismo, e da Universidade Paulista (Unip),
nos cursos de Direito e Pedagogia, em Santos. É autor ainda de Mariela morta,
contos (Ourinhos, Complemento, 1977), Os vira-latas da madrugada, romance
(Rio de Janeiro, José Olympio, 1981; Taubaté-SP, Editora Letra Selvagem, 2015),
Barcelona brasileira, romance (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo,
Publisher Brasil, 2003), Fernando Pessoa: a voz de Deus, artigos e
ensaios (Santos, Editora da Unisanta, 1997); Tomás Antônio Gonzaga,
estudo biográfico-crítico (Rio de Janeiro/São Paulo, ABL/Imesp, 2012); e Direito
e Justiça em terras d´el-rei na São Paulo colonial - 1709-1822, ensaio
histórico (São Paulo, Imesp, 2015). Em 2019, publicou também pela Imesp o livro
O reino, a colônia e o poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo –
1788-1797, ensaio histórico.
Ganhou
os prêmios José Lins do Rego de Romance (1980) da Livraria José Olympio
Editora, do Rio de Janeiro; Fernando Pessoa (1986) da Fundação Cultural
Brasil-Portugal, do Rio de Janeiro; Assis Chateaubriand (1987) e Aníbal Freire
(1994) da Academia Brasileira de Letras, e Ivan Lins de Ensaios (2000) da União
Brasileira de Escritores e Academia Carioca de Letras.
Na
contracapa do seu livro, a editora diz que essa é uma biografia exaustiva e
rigorosamente documentada. O que o levou a desconfiar de que havia ainda muito
a descobrir da vida do poeta?
Adelto
Gonçalves – A minha tese de doutoramento em Literatura
Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), Gonzaga, um poeta do
Iluminismo, abordou a vida e a época do poeta Tomás Antônio Gonzaga
(1744-1810) e foi defendida em 1997 e publicada em 1999 pela Editora Nova
Fronteira, do Rio de Janeiro. Para fazer esse trabalho, em, 1994 fiquei seis
meses em Portugal com bolsas da Fundação Calouste Gulbenkian e do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Brasil.
Diziam-me à época que não teria muito mais a descobrir sobre Gonzaga além do
que o professor M. Rodrigues Lapa havia levantado. No entanto, desfiz muitas lendas que existiam
acerca do poeta, inclusive levantando sua vida no desterro na ilha de Moçambique.
Mostrei, por exemplo, que a sua mulher não era filha de um grande traficante
negreiro, como o professor Rodrigues Lapa supôs. Claro, se ninguém tivesse tido
a coragem de discordar de Aristóteles, o pensamento não teria evoluído. E eu
percebi logo que o professor M. Rodrigues Lapa não havia avançado muito nas
pesquisas sobre Gonzaga na documentação do Arquivo Histórico Ultramarino (AHU),
talvez porque à época a documentação não estivesse devidamente tratada e
ordenada. Depois, com o conhecimento do século XVIII português que adquiri, entendi
que estava preparado para pesquisar a vida de Bocage. Já sabia que Teófilo
Braga, seu principal biógrafo, não fora um pesquisador rigoroso. Sabia que iria
fazer descobertas importantes e que, portanto, havia espaço para uma nova
biografia de Bocage, realizada dentro das normas atuais da historiografia. As
demais biografias que existem são demasiadamente empíricas, influenciadas pelo
Romantismo do século XIX. Com a bolsa de pós-doutoramento que recebi da
Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (Fapesp), pude passar um
ano em Portugal entre 1999 e 2000, indo aos arquivos todos os dias, inclusive
aos sábados, quando comparecia à Biblioteca Nacional. Foi um trabalho de
persistência. Só assim é possível fazer descobertas. Com muita vontade, boa memória
e um pouco de sorte.
Quando
começou a perceber que aquela história da casa onde havia nascido Bocage na rua
de São Domingos (atual rua de Edmond de Bartissol), em Setúbal, não passava de
uma farsa?
AG
– No começo, não imaginava. Só comecei a desconfiar
depois de pesquisar a documentação na Torre do Tombo, quando constatei que a
família de Bocage tivera uma propriedade sequestrada pelo Estado. E que essa
propriedade não ficava na rua de São Domingos, mas no largo de Santa Maria.
Depois, confirmei na documentação da décima de prédios urbanos de Setúbal, na
Torre do Tombo, que, na rua de São Domingos, na metade final do século XVIII,
não havia morado nenhuma família Bocage. Havia, sim, na casa onde diziam ter
nascido Bocage um morador chamado Manuel Gomes Borralho. A semelhança no nome
talvez tenha contribuído para a crença de que Bocage tivera nascido naquela
casa que, afinal, ficava muito próxima à igreja onde ele havia sido batizado.
Isso descobri depois de quase seis meses de pesquisas nos arquivos. Encontrei,
certa vez, na BNL o escritor setubalense Daniel Pires, já meu amigo de
pesquisas, e lhe perguntei: “Em que documento está que Bocage nasceu naquela
casa da rua de Edmond Bartissol?” E ele me olhou assustado: estava claro que
nunca ninguém lhe havia perguntado isso. E ele é um bocagiano, pesquisador
sério, que havia preparado um livro sobre Bocage para a Câmara Municipal de
Setúbal em 1995. O professor Fernando Cristóvão, da Universidade de Lisboa,
setubalense, que havia sido meu orientador em Portugal no doutoramento e me
apoiou no pós-doutoramento, havia me indicado o pesquisador Rogério Claro, de
Setúbal. Por telefone, ele me disse que estava muito idoso para essas coisas e
me indicou o Daniel Pires, que eu já conhecia da BNL. O Daniel me disse: “Ah,
isso da casa de Bocage é uma tradição, as pessoas sempre disseram que ele
nascera lá. Nunca se discutiu isso”. E eu me calei. Penso que, naquele dia, ele
ficou meio desconfiado, mas ainda me deu uma sugestão fundamental. Disse-me que
fosse ao Arquivo Distrital de Setúbal revirar os papéis do historiador João
Carlos de Almeida Carvalho. E foi nesse arquivo que acabei por montar o
quebra-cabeça, descobrindo que tudo não passara de uma farsa montada pelo poeta
setubalense Manuel Maria Portela, com o apoio dos irmãos Castilhos – Antônio e
José Feliciano de Castilho.
Como
explica o fato de um pesquisador brasileiro descobrir fatos relevantes de um
poeta tão importante em Portugal?
AG
– Isso acontece. Muitos pesquisadores estrangeiros, os chamados brazilianists,
já descobriram fatos importantes da História do Brasil. Além disso, penso que
alguém que vem de fora sempre vê melhor do que aqueles que nasceram no lugar.
Quem é de fora tem uma visão mais ampla, sem preconceitos ou ideias
preconcebidas. É possível que eu tenha cometido algum erro ou tenha deixado
escapar algum detalhe que um historiador português certamente não cometeria,
mas tenho certeza de que foi exatamente o fato de ser um pesquisador de fora
que me levou a fazer descobertas. Além disso, não podemos esquecer que estamos
tratando do século XVIII. E no século XVIII todos éramos portugueses.
Como
foi a farsa montada por Manuel Maria Portela?
AG
– Foi nos papéis do historiador João Carlos de Almeida Carvalho, no Arquivo
Distrital de Setúbal, que encontrei a farsa já denunciada. Carvalho pretendia
escrever uma biografia de Bocage. Fez algumas pesquisas, conversou com
descendentes da família do poeta e deixou muitas anotações. Não escreveu a
biografia, mas a sua família se lembrou de encaminhar esses documentos para o
Arquivo Distrital de Setúbal. Ainda bem. Alguém, um dia, haveria de ler com
atenção aqueles papéis. Não sei se fui o primeiro, mas com as informações que
já carregava na cabeça foi fácil perceber tudo. Carvalho era contemporâneo de Portela
e sabia que não havia nenhum fundamento na sua afirmação segundo a qual Bocage
teria nascido numa casa da rua de São Domingos. Em 1863, descobriu-se alguns
arabescos no teto de uma casa daquela rua que a alguém pareceu brasão de uma
família. Disseram que na família de Bocage alguém fora representante do
Vaticano e aquilo seria brasão de armas do papa, de algum bispo ou coisa que
valha. Mas nada daquilo era provado. Um bisavô paterno de Bocage tinha o
sobrenome de Bispo, mas nada mais que isso. Talvez tenha surgido daí a
confusão. Mesmo assim, Portela, que era funcionário da Câmara e redator do
jornal A Voz do Progresso, achou de levar adiante a ideia. De repente,
aquilo se tornou algo muito importante para Setúbal. Portela conseguiu recursos
financeiros e mandou colocar uma lápide na morada, sem o apoio da Câmara. Ele e
outros setubalenses convenceram o industrial francês Edmond de Bartissol,
grande proprietário de terras em Alcácer do Sal e produtor de vinhos, a comprar
a propriedade para oferecê-la, em seguida, à Câmara com o objetivo de tornar o
local uma casa de cultura. Em troca, a Câmara deu nome dele à rua. Os irmãos
Castilhos apoiaram a ideia e, quando eles entravam no páreo, era para ganhar.
Formavam uma espécie de máfia literária, um em Lisboa e outro no Rio de
Janeiro. Faziam e desfaziam reputações. No Rio, José Feliciano movimentou a
comunidade portuguesa e arrecadou fundos para mandar levantar uma estátua de
Bocage e colocá-la em Setúbal. Diante desse movimento todo, Carvalho recuou:
mesmo que falasse alto que não havia nenhum documento provando que Bocage
nascera naquela morada, ninguém lhe daria ouvidos. Preferiu anotar tudo e
deixar seus papéis para a posteridade. Fui aos jornais da época e reconstituí a
festa de inauguração da estátua na Praça do Sapal, hoje Praça Bocage.
Outra
descoberta importante de seu livro é a prisão do pai do poeta. Como foi isso?
AG
– Há um dossier na Torre do Tombo que conta toda essa história. O pai de
Bocage, José Luís Soares de Barbosa, era ouvidor em Beja quando foi acusado de
desviar dinheiro da arrecadação da décima de 1769. Ele era ligado por compadrio
a Antônio da Silva e Sousa, juiz-geral do Tombo da Sereníssima Casa do
Infantado e um dos homens mais beneficiados do rei dom Pedro III, então
infante. Era a quem o ouvidor dizia que remetia todos os dinheiros da décima.
Acontece que esse Silva e Sousa era ligado à corrente política da princesa dona
Maria e dom Pedro III, seu marido, que eram contrários ao marquês de Pombal.
Por causa de uma daquelas intrigas palacianas, Silva e Sousa foi deportado para
o presídio das Pedras Negras, na África, e José Luís foi obrigado a prestar contas.
Em 1771, a morada do largo de Santa Maria, com a rua das Canas Verdes (atual
rua de Antônio Joaquim Granjo), foi sequestrada pela Coroa, bem como seus bens
móveis. E José Luís encaminhado para a cadeia do Limoeiro, onde ficou até 1777,
quando veio a Viradeira e ele pôde sair da prisão. A culpa lhe foi
perdoada pela rainha dona Maria, mas ele não teve seus direitos reintegrados
nem voltou à magistratura. A família dele continuou a morar na casa, mas teria
agora de pagar aluguel ao Estado, o que nunca foi feito. O processo do confisco
rolou na Justiça quase trinta anos até que, em 1800, a casa foi à arrematação.
Os descendentes de José Luís, liderados por Gil Francisco, o primogênito,
tentaram obstar o confisco, alegando que a casa pertencia à avó deles. Várias
testemunhas afiançaram que José Luís Soares de Barbosa, ao se casar com Mariana
Joaquina du Bocage. Fora morar na casa da sogra e não levara para o matrimônio
mais que o orçamento de seu corpo. A casa era herança da mãe de Bocage. Na BNL,
constatei que fora comprada em 1693 por Leonardo Lustoff, abastado comerciante
que exercera também as funções de cônsul da Holanda, em Setúbal, falecido em
1701. Leonardo era pai de Clara Francisca, que se casaria em 1720 com o francês
Gil l´Hedois du Bocage, coronel da Armada Real. O francês estava perto dos 70
anos e ela tinha pouco mais de 20 anos. Tiveram duas filhas: uma delas, Mariana
Joaquina, seria a mãe do poeta Bocage.
Em
seu livro, o senhor também garante que a Nova Arcádia não acabou em 1794, como
se supunha até aqui...
AG
– É verdade. O que se sabia é que a Academia das Belas Artes, a Nova Arcádia,
reunia-se na casa do conde de Pombeiro, onde hoje funciona a Embaixada da
Itália. E que, em 1794, depois de uma troca de versos desaforados entre Bocage
e alguns membros da Arcádia, a instituição desaparecera. O conde teria ficado
irritado com os ataques de Bocage ao padre brasileiro Joaquim Caldas Barbosa e
acabado com a mordomia que oferecia aos membros da Arcádia. Mas, lendo a Gazeta
de Lisboa e outras fontes, constatei que para a Nova Arcádia, depois que
foram fechadas as portas da mansão do conde de Pombeiro, abriram-se portões
ainda mais amplos. O intendente-geral de Polícia, Pina Manique, passou a
convidar os integrantes da Nova Arcádia para que se reunissem no castelo de São
Jorge no dia do aniversário da rainha. Fazia isso porque queria ter do lado da
sua trincheira aqueles intelectuais que eram afinados com o absolutismo
monárquico, preocupado que estava com a Academia das Ciências de Lisboa, que era
dirigida pelo abade Correia da Serra e protegida pelo duque de Lafões. Para
Pina Manique, esses dois não passavam de “botafogos”, ou seja, gente que
defendia a ideias liberais que vinham da França. Ele só não colocava o duque da
Lafões na cadeia porque temia desagradar à rainha. E também porque, nos últimos
anos de seu mandato à frente da Intendência, já não dispunha de tanto prestígio
e poder. As reuniões da Nova Arcádia sob a proteção de Pina Manique duraram até
1801, quando o ministro dom Rodrigo de Sousa Coutinho mandou suspender aqueles
gastos, em razão da penúria dos cofres régios. Depois que saiu da prisão,
Bocage chegou a participar de uma dessas sessões.
Para
escrever a biografia, o senhor também levantou a passagem de Bocage na Índia.
Como foi?
AG
– Fui ao Arquivo Histórico Ultramarino e li documentação de um século, embora
Bocage tenha ficado na Índia apenas de 1786 a 1790. É que a documentação não
estava em ordem. Levantei os problemas que o governo português em Goa
enfrentava àquela época. E acabei dando com uma carta de um comerciante em que
há uma referência ao furor que causou na feitoria de Surrate a chegada de
madame Manteigui, que foi celebrada em versos obscenos por Bocage. No Arquivo
Nacional do Rio de Janeiro, levantei também a passagem pela cidade da nau Nossa
Senhora da Vida, Santo Antônio e Madalena, que levou Bocage para Goa.
O
livro não acaba com a morte de Bocage?
AG – Vai além. Reconstitui as desavenças entre Pato Moniz e o padre José Agostinho de Macedo que atravessaram mais de uma década. Ainda que inexistam provas cabais de que Macedo tenha destruído manuscritos de Bocage, não há dúvidas que o padre sempre alimentou um rancor desmedido contra o rival. Era um mau caráter. Li também no Arquivo Distrital de Setúbal as cartas deixadas por Maria Francisca, a irmã de Bocage. Ela se mostra desiludida com Macedo, José Pedro das Luminárias e outros antigos amigos de seu irmão. Ela sempre foi ludibriada pelos editores e não viu um tostão dos livros que saíram depois da morte do irmão. Em carta de 13 de fevereiro de 1816 a Manuel José Moreira Pinto Batista, antigo amigo e Bocage que fora administrador da Gazeta de Lisboa e, depois, teve uma loja de livros no Terreiro do Paço, Maria Francisca contou que uma determinada pessoa, a quem também tentara recorrer, dissera-lhe que se admirava muito que estivesse nas tristes circunstâncias que dizia estar carecendo até de ter com o que pagar o aluguel da casa. Para aquela pessoa, que Maria Francisca não identificou, era impensável que ela passasse por tão constrangedora situação, quando a seu favor se tinha feito a impressão de dois volumes das obras de seu irmão, como constava dos avisos da Gazeta que ele tinha visto e a todos constava. Dizia mais Maria Francisca: “Já são duas pessoas que me falam em ganhar e eu, depois que morreu o meu irmão, nunca mais tive senão perdas”. Amargurada, confessava que não tinha ânimo para escrever a mais ninguém. De Maria Francisca, o que se sabe é que, depois de viver com irmã, cunhado e sobrinhos num segundo andar da rua da Madre de Deus, junto à praça das Flores, em Lisboa, voltou para Setúbal. Morreu na pobreza. Rivaldo Chinem - Brasil
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Bocage, o perfil perdido, de Adelto Gonçalves, com prefácio de Fernando Cristóvão. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo (Imesp), 520 págs., 2021, R$ 85,00. O exemplar pode ser adquirido por meio do site da Imesp: https://livraria.imprensaoficial.com.br/bocage-o-perfil-perdido.html
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Rivaldo
Chinem,
jornalista, é autor, entre outros livros, de Terror policial (São Paulo,
Global, 1980), em co-autoria com Tim Lopes, Imprensa alternativa (São
Paulo, Ática, 1997), Marketing e divulgação da pequena empresa (São
Paulo, Senac, 2002), Assessoria de imprensa – como fazer (São Paulo,
Summus, 2003) e Introdução à Comunicação Empresarial (São Paulo, Saraiva
Educação, 2017), entre outros. E-mail: rivaldochinem@terra.com.br
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