Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quarta-feira, 7 de julho de 2021

Daniel Blume: poesia para além do terno e da gravata

                                                              I

Daniel Blume (1977), advogado, jurista e procurador do Estado do Maranhão, autor de uma obra de Direito e coautor de outras duas, começa a traçar paralelamente uma carreira de sucesso como poeta, já acumulando quatro livros na área. Começou com Inicial, em 2009, que foi seguido por Penal (2015), Resposta ao terno, em 2018, e Delações, em 2020. Mas a obra que se vai procurar analisar aqui é Resposta ao terno, que já foi traduzida para o italiano e para o francês e apresentada em 2019 no Salão do Livro em Genebra.

Com um estilo maduro, Blume faz, neste livro, registros poéticos sobre a vida cotidiana e a carreira jurídica, sem deixar de ressaltar a necessidade da poesia nestes tempos tão difíceis que vivemos. Como se depreende do título escolhido para a obra, o autor procura, a partir da formalidade imposta pelo uso do terno e de gravata a quem se dedica à profissão ligada ao Direito, dar respostas, em linguagem poética, aos desafios da modernidade.  

Se poesia é expressão do “eu” poético por meio de metáforas, o autor “assume uma máscara de um terceiro que narra, como verdadeira, uma história que ele (escritor) sabe fingida”, como observou o professor Massaud Moisés (1928-2018) em A criação literária. Poesia (São Paulo, Cultrix, 2003, pág. 135). E assim age o poeta Blume, pois se o Fernando Pessoa-cidadão português, “correspondente-estrangeiro-em-casas-comerciais”, é uma face bem diferente do “Fernando Pessoa-criador-dos-heterônimos” (pág. 136), bem diverso é o Blume poeta do Blume jurista. Afinal, na poesia quem fala é um alter ego, ainda que aqui e ali se possa relacionar alguma referência com a atividade profissional do poeta.

Portanto, como ensinava Massaud, podemos inferir que, na medida em que o poeta se distingue do cidadão, a voz dos poemas equivale à do poeta (pág. 137), mas não se pode deixar de concluir também que o poeta faz seus versos a partir das vivências da pessoa física que o carrega, ou seja, daquilo que viu ou vê no dia a dia de suas atividades profissionais ou não. É o que se vê, por exemplo, no poema “O miserável”:

          Falo de um verme / a se esgueirar bem debaixo / de sua timidez. /Falo do gago fraco / a celebrar o mal / dos conchavos e traições / que lhe aprazem. / Falo do dono / dos olhos miúdos / intranquilos, fugidios / dos covardes. / Falo do rato magro / de pelos ralos / meio ruivos mal pintados. / Falo do tal corvo, parvo, zote, biltre e néscio: o Comendador Pitanga. / O dono da suja essência / que escorre em sua própria aparência / sem vergonha da repugnância. / De terno e gravata, medalha no peito, livros não lidos nas mãos, / jamais se viu alguém tão vil. / Pior é que esse pachola / medíocre maledicente salafrário, após suas maldades de praxe, para às 19 horas / para uma sopa, pois diz cultivar / uma vida leve.

 

                                                             II

Como bem observa o poeta Bioque Mesito na apresentação que escreveu para este livro, o autor também não deixa de praticar o pastiche que, como se sabe, é a arte de se imitar abertamente o estilo de outros escritores, pintores ou músicos, o que, na poesia, pode ser visto como uma espécie de colagem de outros textos, sem procurar satirizar ou menosprezar o estilo imitado. Pelo contrário, antes a colagem pode assumir-se como uma homenagem a personagens consagrados na história da Literatura, a partir do momento em que se torna eco de outros autores. É o que se pode ver no poema “Capitu”, que, obviamente, remete à famosa personagem de Dom Casmurro (1899), de Machado de Assis (1839-1908):

          (...) Desejo nadar de peito, / no leito, das tuas perigosas / e quentes águas amazônicas. / Pretendo a poesia dos teus tons e sons, / nem penso em pagar ou apagar, / mas apenas num lugar, / naquele oceano que não é mar / dos teus olhos de Capitu. / Busco então o abismo / da tua alma resiliente, / onde me abismo, esqueço / e mergulho.

Já no poema “Úrsula”, Blume procura homenagear a maranhense Maria Firmina dos Reis (1822-1917), considerada a primeira romancista negra brasileira, autora de Úrsula (1859), seu primeiro romance. Musicista, compositora e professora de primeiras letras, Maria Firmina constitui hoje um ícone da luta pela libertação feminina, pois, em toda a sua vida, sempre defendeu não só a causa abolicionista como o direito das meninas de aprender a ler e escrever tal como os meninos. Eis o      que diz o poema de Blume:

          Descendente ainda cativa, / ludovicense libertária / daquele brasileiro assunto / necessário / aqui mitigado. / Do negro ao branco, / Maria inovadora firmou / a dor interna / decorrente daquela / imposta odiosa / diáspora africana. / Firmina fundadora / do texto / aboli dor / do sujo porão / dos navios. / Ao escrever / da africana subcondição, / clamou solidariedade / dos Reis. /. Ao revelar racismo, evidenciou igualdade / Maria Firmina dos Reis. / Primeira voz em tinta / da trama do drama / chamado / escravidão. 

No prefácio Laura Amélia Damous, poeta e membro da Academia Maranhense de Letras, também destaca a sensibilidade do autor e seu estilo “forte, vigoroso e lúcido”, além de sua capacidade de dar respostas em linguagem poética, que “cumprem a sua finalidade que é a de causar emoção”. Veja-se alguns exemplos: A vida é uma cópia / de um poema onde tudo / nada. (Resposta ao Tempo); Não se atreva a mitigar / sua grandeza / sob pena de, / além de ódio, / exibir argumentos / filosóficos históricos matemáticos / acerca da verdadeira verdade (Resposta à Política).

Como se percebe, este livro já mostra um poeta com amplo domínio da linguagem, que pensa por imagens, e que, portanto, está maduro em seu ofício. Por isso, o leitor só terá a ganhar ao conhecer esta e outras obras deste poeta.

 

                                                            III

Titular da cadeira nº 15 da Academia Ludovicense de Letras, cujo patrono é o parnasiano Raimundo Correia (1859-1911), Daniel Blume, nascido em São Luís, filho da poeta e escritora Sônia Almeida, é também cronista, com muitas colaborações publicadas em revistas, jornais, coletâneas e antologias.

Ex-juiz eleitoral, é membro efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pela seccional do Maranhão. É professor da Escola Superior de Advocacia da OAB no Maranhão. Em 2018, recebeu a medalha do mérito judiciário Antônio Rodrigues Vellozo do Tribunal de Justiça do Maranhão e o título de cidadão honorário do município do Rio de Janeiro pela trajetória produtiva multidisciplinar.

Na área jurídica, é autor do livro Natureza jurídica das decisões dos Tribunais de Contas (2003) e coautor de Aspectos polêmicos do Direito Constitucional Luso-Brasileiro e de Aspectos polêmicos do Direito Penal Luso-Brasileiro. Adelto Gonçalves - Brasil

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Resposta ao terno, de Daniel Blume, com apresentação de Bioque Mesito e prefácio de Laura Amélia Damous. São Luís-MA: Editora Belas Artes, 202 págs., 2018. E-mail: danielblume@gmail.com

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Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Nova Fronteira, 1999), Barcelona brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; Publisher Brasil, 2002), Bocage – o perfil perdido (Lisboa, Editorial Caminho, 2003; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo-Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia Brasileira de Letras, 2012),  Direito e Justiça em terras d´el-rei na São Paulo colonial (Imesp, 2015), Os vira-latas da madrugada (José Olympio Editora, 1981; Letra Selvagem, 2015) e O reino, a colônia e o poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo 1788-1797 (Imesp, 2019), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br




1 comentário:

  1. Eu tenho a honra em dizer que ao ler resposta ao terno.Me identifiquei com todo o contexto, o escritor Daniel Blume deixa claro é visível toda sua essência e realidade

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