I
Daniel
Blume (1977), advogado, jurista e procurador do Estado do Maranhão, autor de
uma obra de Direito e coautor de outras duas, começa a traçar paralelamente uma
carreira de sucesso como poeta, já acumulando quatro livros na área. Começou
com Inicial, em 2009, que foi seguido por Penal (2015), Resposta
ao terno, em 2018, e Delações, em 2020. Mas a obra que se vai procurar
analisar aqui é Resposta ao terno, que já foi traduzida para o italiano
e para o francês e apresentada em 2019 no Salão do Livro em Genebra.
Com
um estilo maduro, Blume faz, neste livro, registros poéticos sobre a vida
cotidiana e a carreira jurídica, sem deixar de ressaltar a necessidade da
poesia nestes tempos tão difíceis que vivemos. Como se depreende do título
escolhido para a obra, o autor procura, a partir da formalidade imposta pelo
uso do terno e de gravata a quem se dedica à profissão ligada ao Direito, dar
respostas, em linguagem poética, aos desafios da modernidade.
Se
poesia é expressão do “eu” poético por meio de metáforas, o autor “assume uma
máscara de um terceiro que narra, como verdadeira, uma história que ele
(escritor) sabe fingida”, como observou o professor Massaud Moisés (1928-2018)
em A criação literária. Poesia (São Paulo, Cultrix, 2003, pág. 135). E
assim age o poeta Blume, pois se o Fernando Pessoa-cidadão português,
“correspondente-estrangeiro-em-casas-comerciais”, é uma face bem diferente do “Fernando
Pessoa-criador-dos-heterônimos” (pág. 136), bem diverso é o Blume poeta do
Blume jurista. Afinal, na poesia quem fala é um alter ego, ainda que
aqui e ali se possa relacionar alguma referência com a atividade profissional
do poeta.
Portanto,
como ensinava Massaud, podemos inferir que, na medida em que o poeta se
distingue do cidadão, a voz dos poemas equivale à do poeta (pág. 137), mas não
se pode deixar de concluir também que o poeta faz seus versos a partir das
vivências da pessoa física que o carrega, ou seja, daquilo que viu ou vê no dia
a dia de suas atividades profissionais ou não. É o que se vê, por exemplo, no
poema “O miserável”:
Falo de um verme / a se esgueirar bem
debaixo / de sua timidez. /Falo do gago fraco / a celebrar o mal / dos
conchavos e traições / que lhe aprazem. / Falo do dono / dos olhos miúdos /
intranquilos, fugidios / dos covardes. / Falo do rato magro / de pelos ralos /
meio ruivos mal pintados. / Falo do tal corvo, parvo, zote, biltre e néscio: o
Comendador Pitanga. / O dono da suja essência / que escorre em sua própria
aparência / sem vergonha da repugnância. / De terno e gravata, medalha no
peito, livros não lidos nas mãos, / jamais se viu alguém tão vil. / Pior é que
esse pachola / medíocre maledicente salafrário, após suas maldades de praxe,
para às 19 horas / para uma sopa, pois diz cultivar / uma vida leve.
II
Como
bem observa o poeta Bioque Mesito na apresentação que escreveu para este livro,
o autor também não deixa de praticar o pastiche que, como se sabe, é a arte de
se imitar abertamente o estilo de outros escritores, pintores ou músicos, o que,
na poesia, pode ser visto como uma espécie de colagem de outros textos, sem
procurar satirizar ou menosprezar o estilo imitado. Pelo contrário, antes a
colagem pode assumir-se como uma homenagem a personagens consagrados na
história da Literatura, a partir do momento em que se torna eco de outros
autores. É o que se pode ver no poema “Capitu”, que, obviamente, remete à
famosa personagem de Dom Casmurro (1899), de Machado de Assis
(1839-1908):
(...) Desejo nadar de peito, / no
leito, das tuas perigosas / e quentes águas amazônicas. / Pretendo a poesia dos
teus tons e sons, / nem penso em pagar ou apagar, / mas apenas num lugar, /
naquele oceano que não é mar / dos teus olhos de Capitu. / Busco então o abismo
/ da tua alma resiliente, / onde me abismo, esqueço / e mergulho.
Já
no poema “Úrsula”, Blume procura homenagear a maranhense Maria Firmina dos Reis
(1822-1917), considerada a primeira romancista negra brasileira, autora de Úrsula
(1859), seu primeiro romance. Musicista, compositora e professora de primeiras
letras, Maria Firmina constitui hoje um ícone da luta pela libertação feminina,
pois, em toda a sua vida, sempre defendeu não só a causa abolicionista como o
direito das meninas de aprender a ler e escrever tal como os meninos. Eis o que diz o poema de Blume:
Descendente ainda cativa, /
ludovicense libertária / daquele brasileiro assunto / necessário / aqui
mitigado. / Do negro ao branco, / Maria inovadora firmou / a dor interna /
decorrente daquela / imposta odiosa / diáspora africana. / Firmina fundadora /
do texto / aboli dor / do sujo porão / dos navios. / Ao escrever / da africana
subcondição, / clamou solidariedade / dos Reis. /. Ao revelar racismo,
evidenciou igualdade / Maria Firmina dos Reis. / Primeira voz em tinta / da
trama do drama / chamado / escravidão.
No
prefácio Laura Amélia Damous, poeta e membro da Academia Maranhense de Letras, também
destaca a sensibilidade do autor e seu estilo “forte, vigoroso e lúcido”, além
de sua capacidade de dar respostas em linguagem poética, que “cumprem a sua
finalidade que é a de causar emoção”. Veja-se alguns exemplos: A vida é uma
cópia / de um poema onde tudo / nada. (Resposta ao Tempo); Não se atreva
a mitigar / sua grandeza / sob pena de, / além de ódio, / exibir argumentos /
filosóficos históricos matemáticos / acerca da verdadeira verdade (Resposta
à Política).
Como
se percebe, este livro já mostra um poeta com amplo domínio da linguagem, que
pensa por imagens, e que, portanto, está maduro em seu ofício. Por isso, o
leitor só terá a ganhar ao conhecer esta e outras obras deste poeta.
III
Titular
da cadeira nº 15 da Academia Ludovicense de Letras, cujo patrono é o parnasiano
Raimundo Correia (1859-1911), Daniel Blume, nascido em São Luís, filho da poeta
e escritora Sônia Almeida, é também cronista, com muitas colaborações publicadas
em revistas, jornais, coletâneas e antologias.
Ex-juiz
eleitoral, é membro efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e conselheiro
federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pela seccional do Maranhão. É
professor da Escola Superior de Advocacia da OAB no Maranhão. Em 2018, recebeu
a medalha do mérito judiciário Antônio Rodrigues Vellozo do Tribunal de Justiça
do Maranhão e o título de cidadão honorário do município do Rio de Janeiro pela
trajetória produtiva multidisciplinar.
Na área jurídica, é autor do livro Natureza jurídica das decisões dos Tribunais de Contas (2003) e coautor de Aspectos polêmicos do Direito Constitucional Luso-Brasileiro e de Aspectos polêmicos do Direito Penal Luso-Brasileiro. Adelto Gonçalves - Brasil
_______________________________
Resposta ao terno, de Daniel Blume, com apresentação de Bioque Mesito e prefácio de Laura Amélia Damous. São Luís-MA: Editora Belas Artes, 202 págs., 2018. E-mail: danielblume@gmail.com
_________________________________________
Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e
Hispano-americana e doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP), é autor de Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Nova Fronteira, 1999), Barcelona
brasileira (Lisboa, Nova
Arrancada, 1999; Publisher Brasil, 2002), Bocage – o perfil perdido (Lisboa, Editorial Caminho, 2003;
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo-Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia Brasileira de Letras,
2012), Direito e Justiça em terras d´el-rei na São Paulo colonial (Imesp,
2015), Os vira-latas da madrugada
(José Olympio Editora, 1981; Letra Selvagem, 2015) e O reino, a colônia e o
poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo 1788-1797 (Imesp, 2019),
entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
Eu tenho a honra em dizer que ao ler resposta ao terno.Me identifiquei com todo o contexto, o escritor Daniel Blume deixa claro é visível toda sua essência e realidade
ResponderEliminar