I
Num
país em que se ouve comentários sobre a venda de sentenças por juízes,
parlamentares legislam em causa própria aumentando de maneira desmedida a verba
do fundo do partidário, ex-militares e ex-policiais engrossam as fileiras de
milícias que oferecem na base da extorsão segurança particular aos moradores de
bairros mais aquinhoados, vereadores e
deputados costumam distribuir cargos desde que os favorecidos lhes desviem
parte dos salários e, enfim, a corrupção chega a níveis estratosféricos, não é
difícil imaginar uma possível reação abrupta daqueles que já não suportam
tantos ataques aos cofres públicos. E acabariam recorrendo igualmente a meios
ilegais.
Esse
é o cenário do romance policial “Os terroristas – uma audaciosa vingança que
irá abalar o Congresso”, do médico oftalmologista e escritor gaúcho Leandro
Osterkamp Pedrozo, publicado em 2013, como num prenúncio dos momentos difíceis que
o Brasil iria viver nos anos seguintes. Segundo a trama, um grupo
autointitulado “Filhos do Brasil” assume a tarefa de livrar o país de tanta
corrupção exatamente pela via mais rápida: assassinando os corruptos. Com armas
de alta precisão e mira telescópica, jovens integrantes daquele grupo, em um
documento intitulado “Carta aos Brasileiros”, assumem a autoria do assassinato
de quatro parlamentares e prometem que, “de hoje em diante, cada corrupto será
condenado por seus crimes”.
Com
um plano audacioso, os “justiceiros”, a cada deputado morto, divulgam uma nova
lista dos próximos alvos, instalando a insegurança em todas as casas legislativas.
Para reagir, a Polícia Federal destaca o investigador Lucas Simon, que, com o
apoio de ministros, assume a direção de uma implacável investigação atrás dos
responsáveis pela série audaciosa de atentados.
II
O
epicentro da ficção é São Luís do Maranhão, mas a ação dos “terroristas”
anticorrupção chega a São Paulo, onde um deputado é assassinado, passando por Teresina,
local de um atentado a granada em que morrem outros parlamentares, pela cidade
maranhense de Imperatriz e, obviamente, por Brasília, a capital federal, onde
se reúnem os legisladores escolhidos pela população de todo o País. Na trama, o líder da facção que sonha
vingar-se dos corruptos, em nome da população, é Marcos, jovem médico
recém-formado, filho adotivo de um político que não se diferencia muito
daqueles que seriam as vítimas prediletas da facção terrorista.
Atrás
do pseudônimo João de Santo Cristo, inspirado em personagem de conhecida canção
da banda musical Legião Urbana, o líder da facção se une a alguns amigos
com o propósito de livrar o Brasil daqueles “deputados notoriamente corruptos”,
iniciando assim o que se poderia definir como uma “cruzada cívica”, não fosse o
seu intento criminoso e, portanto, igualmente fora da lei.
Ao
lado de Marcos, há outra personagem, o jovem leiteiro Magaivar, que vive no
interior do Maranhão, mas cuja relação com aquele que conta a história só se
vai descobrir também ao final do romance. O que, porém, intriga desde o início
o leitor é que a personagem principal não teria nenhum motivo aparente para se
revoltar contra a corrupção que gangrena o tecido social do país, pois, filho
de um político acostumado a conviver com todo tipo de falcatrua alheia ou própria
e vivendo em alto nível de riqueza, não teria razões para optar por uma saída
que lhe poderia comprometer o resto da vida.
Mas,
para tanto, o leitor terá de seguir atentamente até às últimas páginas, quando,
afinal, como num bom romance de suspense, a explicação se dá e que não se
antecipa aqui por uma razão óbvia: para não prejudicar o prazer da leitura.
Mas, à guisa de explicação, pode-se transcrever aqui a conclusão da personagem
principal e que também serve como uma amostra do estilo escorreito e límpido do
autor: “(...) Só assim percebi o quanto é corrupto em todas as suas
instâncias o sistema e que é impossível mudá-lo, a não ser que seja à força e
pelo medo”.
Obviamente,
não se pode concordar com a conclusão a que chega a personagem principal do
romance, até porque nenhum país em que não haja respeito às leis pode chegar a
um bom destino. E que todas as soluções tomadas à força sempre tiveram um
desfecho reprovável, pois acabaram, invariavelmente, em regimes arbitrários e violadores
dos direitos humanos.
III
De
se ressaltar é o estilo do autor, que prenuncia o nascimento de um bom
romancista para a literatura de Língua Portuguesa, pois, como médico de
profissão, o autor sabe descrever detalhes que nem mesmo o mais arguto dos
jornalistas saberia. Ao mesmo tempo, alia ao seu estilo seco e direto a
preocupação com pormenores que costumam permear os relatórios policiais, o que
dá maior credibilidade ao relato.
Enfim,
o romance de estreia de Leandro Osterkamp Pedrozo, mais que tratar de um
período extremamente tumultuado da História do Brasil, esmiúça um estilo de
vida em que a nação se ressente de pessoas bem formadas intelectual e
moralmente e no qual vicejam aqueles que acham que vale a pena recorrer aos
mais baixos instintos, desde que tenham acesso à riqueza, ainda que à custa do
erário público. Naturalmente, se o romance tivesse sido escrito alguns anos
mais tarde, certos detalhes seriam ainda mais rudes e acentuados, mas, seja
como for, reflete o desencanto com a realidade e a decepção com o país que as
últimas gerações de brasileiros construíram.
Esse
desencanto é cada vez maior, quando se constata que mais de 75% da população é
formada por analfabetos funcionais, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), o que inclui as classes mais favorecidas, como
pode comprovar quem ouve pelo rádio a participação de parlamentares e depoentes
na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19. Portanto, a sensação
que fica é que, sem investimento na educação, o país continuará a chafurdar na
corrupção que é fruto da má formação moral e educacional das pessoas. E que
continuará endêmica e será talvez eterna.
IV
Leandro
Osterkamp Pedrozo nasceu em Carazinho, na região noroeste do Rio Grande do Sul.
Formou-se em Medicina pela Universidade Federal do Piauí (UFPI) em 1997.
Oftalmologista, especializou-se em glaucoma pela Universidade Federal de São
Paulo (Unifesp). Desde 2008, mora com esposa e filha em São Luís, no Maranhão, onde
mantém seu consultório e cumpre sólida carreira dedicada à oftalmologia. Herdou
a paixão pelos livros dos pais sempre tiveram o hábito regular da leitura. Escreveu
o seu primeiro livro aos 12 anos, também no gênero policial, mas nunca o
publicou. Adelto Gonçalves - Brasil
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Os
terroristas, de Leandro Osterkamp Pedrozo. Barueri-SP: Novo
Século Editora, 285 páginas, 2013, R$ 24,90. Site: www.novoseculo.com.br
E-mail: atendimento@novoseculo.com.br
E-mail do
autor: leandroosterkamp@hotmail.com
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Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e
Hispano-americana e doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP), é autor de Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira,
1999), Barcelona brasileira (Lisboa,
Nova Arrancada, 1999; Publisher Brasil, 2002), Bocage, o perfil perdido (Lisboa, Editorial Caminho, 2003;
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia Brasileira de Letras,
2012), Direito e Justiça em terras d´el-rei na São Paulo Colonial (Imesp,
2015), Os vira-latas da madrugada (Livraria
José Olympio Editora, 1981; Letra Selvagem, 2015) e O reino, a colônia e o
poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo 1788-1797 (Imesp, 2019),
entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
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