O
ADN antigo revela a pré-história de duas importantes famílias linguísticas
euro-asiáticas.
Um novo e importante estudo publicado ontem, dia 2 de julho, na revista Nature, e em que participa a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), acompanha as populações pré-históricas ligadas à dispersão das línguas urálica e ienisseiana.
A
equipa de investigação, da qual faz parte Daniel Fernandes, investigador do
Centro de Antropologia e Saúde (CIAS) da FCTUC, analisou dados genómicos de 180
indivíduos antigos, datados entre 17.000 e 3000 anos atrás, em toda a Eurásia do Norte. As suas
descobertas identificam duas populações ancestrais que podem ser ligadas às
dispersões iniciais das línguas urálicas – como o finlandês, o estoniano e o
húngaro – e do ienisseiano, hoje representado apenas pelo povo ket, mas antes
falado numa região mais vasta da Sibéria. Até agora, os movimentos
populacionais subjacentes a estas expansões linguísticas permaneciam
indefinidos.
De
acordo com Daniel Fernandes, a nova investigação documenta como uma cadeia
ancestral contínua de caçadores-recolectores da Idade da Pedra Tardia (há cerca
de 10.000 a 6000
anos), que se estendia pelo cinturão florestal do norte da Eurásia, foi
posteriormente fragmentada pela miscigenação com populações migratórias.
Dois
dos grupos resultantes tinham legados linguísticos e demográficos a longo
prazo: a Yakutia_LNBA (da Bacia do Rio Lena, no extremo leste da Sibéria,
datada de há cerca de 4200 anos) contribuiu significativamente para quase todas
as populações urálicas atuais, desde os nganasanos aos estónios. Esta
ancestralidade penetrou na Sibéria Ocidental e, depois, na Europa Oriental, em
associação com o fenómeno Seima-Turbino, uma rápida expansão cultural e
tecnológica transcontinental marcada pela disseminação da metalurgia do bronze.
As descobertas sugerem que este movimento também marcou a dispersão mais
precoce para oeste dos falantes de urálico.
O
Cisbaikal_LNBA (culturas do Neolítico Final da região do Baikal, entre há 5100
e 3700 anos) atinge hoje o seu pico na população Ket de língua ienissei da
Bacia do Rio Ienissei. A presença desta ascendência em indivíduos da Idade do
Bronze Tardia das regiões do Baikal e do Alto Ienissei fornece uma nova
referência genética para traçar a história da língua ienissei.
«Este
estudo identifica esta população como a fonte genética mais improvável para os
falantes do antigo ienissei e sugere que a componente genética Cisbaikal_LNBA
pode oferecer um potencial suporte genético para o antigo elo linguístico
dene-ienisei entre a Sibéria e a América do Norte», revela o investigador da
FCTUC.
«Estes
resultados fornecem provas contundentes contra os principais modelos de origem
das línguas urálicas, descobrindo uma assinatura genética até então não
identificada, presente em todos os povos atuais que falam línguas urálicas e
que apareceu pela primeira vez de forma não misturada a milhares de quilómetros
a leste de todas as terras natais propostas nos modelos tradicionais», revelam
os especialistas.
«Uma
língua não pode ser lida diretamente a partir de genomas, mas, quando a
ancestralidade genética, o contexto arqueológico e a geografia linguística
convergem, inferências robustas tornam-se possíveis. Os nossos resultados
destacam a importância da investigação multidisciplinar e da colaboração
internacional na reconstrução de trajetórias pré-históricas complexas», afirma
a equipa de investigação.
O
estudo também documenta zonas de contacto onde os falantes urálicos interagiram
com grupos de estepes indo-iranianos, oferecendo um contexto plausível para
empréstimos linguísticos bem conhecidos.
A
equipa internacional, liderada por Tian Chen Zeng (Universidade de Harvard),
Leonid Vyazov (Universidade de Ostrava), Alexander Kim (Universidade de
Harvard), Ron Pinhasi (Universidade de Viena), Vagheesh Narasimhan
(Universidade do Texas, Austin) e David Reich (Universidade de Harvard), inclui
especialistas em genética e arqueologia e baseia-se em mais de uma década de
trabalho colaborativo e recolha de dados em toda a Eurásia do Norte. Universidade
de Coimbra - Portugal
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