Em
“Maroceano”, seu novo livro, a potiguar Marize Castro dialoga em versos com
outras grandes poetas
I
Uma
série de poemas dedicados a mulheres que abrilhantaram o cenário das letras no
Brasil e no mundo é o que o leitor vai encontrar no novo livro da poeta e
jornalista Marize Castro (1962), Maroceano (Natal, Una Editora, 2024). A
exemplo do que fez em livros anteriores, a autora procura mostrar as lições que
recebeu ao ler as obras de poetas que marcaram época na história da literatura
universal, como a britânica Virginia Woolf (1882-1941), a norte-americana
Elizabeth Bishop (1911-1979), a
norte-americana Laura Riding (1901-1999), a russa Marina Tsvetaeva
(1892-1941), a portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004), a
brasileira Cecília Meireles (1901-1964) e a ucraniana de origem judaica naturalizada
brasileira Clarice Lispector (1920-1977), transformando-as em peças literárias
que se destacam por um estilo fluído e adornadas por passagens extremamente
líricas e suaves.
Antes
de tudo, porém, é preciso que se diga que Marize Castro faz parte de uma
geração que renovou a tradição poética do Rio Grande do Norte, ao lado de
Socorro Trindad (1950-2024) e Diva Cunha (1947), tornando-se uma respeitável
expressão da literatura nacional, apontada que foi pela professora e ensaísta
Nelly Novaes Coelho (1922-2017), no Dicionário Crítico de Escritoras
Brasileiras (2002), como “uma das fortes vozes femininas da poesia
brasileira contemporânea”. E o fez num cenário em que, até há poucos anos,
havia uma barreira disfarçada para os sentimentos femininos na poesia, já que,
a exemplo de outros setores, na literatura sempre predominou uma visão
machista.
Como
escreve no posfácio deste livro a poeta Moama Marques (1983), professora de
Literaturas de Língua Portuguesa na Universidade Federal da Paraíba, o verso
rebelde de Marize Castro se manifesta logo no poema inaugural da obra em que
diz que “a aterrissagem no feroz é a última esperança para um mundo justo, um
mundo não desigual”. Com isso, parece querer dizer aos homens que já vai longe
o tempo em que as mulheres “conheciam o seu lugar”, lema que um senador imerso
nas trevas da ignorância quis recuperar com sua fala sexista durante recente
entrevero com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, na Câmara Alta. Eis o
poema:
Observo-me entre homens / e mulheres-livros / – nossos segredos não se quebraram / com as
ondas / Um mundo justo, senhores / Um mundo não desigual, senhoras / Anjos no
centro do mundo acasalam-se / – após
cada gozo, choram e dormem / Não esqueço: a aterrissagem no feroz / é a última
esperança / Neste santuário – em segredo – / finco meu estandarte / De
constelação em constelação / recuso-me ao banal / – para dizer o originário /
esta escritura / renasce
Em
outras palavras: são poemas em que a autora dialoga em versos com outras
mulheres, “mulheres-humanas, mulheres-bruxas, mulheres-feras,
mulheres-escritoras, com as quais convive e comunga, porque todas têm algo a
lhe ensinar”, como observa Moama Marques.
Aliás,
em seu livro anterior, Jorro (Natal, Una Editora, 2020), Marize Castro
já fazia referência em versos a duas mulheres que foram vítimas do arbítrio do
poder oficial e do poder paralelo. Uma delas é a poeta, pintora e fotógrafa
chinesa Liu Xia (1960), impedida de representar o marido, o escritor e
professor Liu Xiaobo (1955-2017), na premiação em Oslo do Prêmio Nobel da Paz
de 2010, já que ele cumpria pena de prisão, acusado que fora de “perturbar a
ordem pública” por criticar o Partido Comunista.
A
outra era a socióloga brasileira Marielle Franco (1979-2018), vereadora no Rio
de Janeiro, que defendia os direitos humanos e denunciara vários casos de abuso
de autoridade por policiais e milicianos contra moradores de comunidades
carentes. E que, em 2018, foi assassinada a tiros por inimigos políticos, sem
que, até hoje, os mandantes do crime tenham sido condenados.
II
Adepta
do verso livre, Marize Castro destaca-se por sua linguagem fluente, rica e variada,
com poemas em que os títulos saem da primeira frase, como se vê nestes versos
dedicados a Virginia Woolf:
Aqui estou: tão antiga quanto você / – zelando segredos
herdados de homens / e mulheres. Neste claustro, encontro-me / descalça. Ajoelhada agradeço por nossas / perdas.
Aprendi lendo você: a vida, se não for / abismo, será gelo. Mesmo estilhaçada,
preciso / de espelhos e de crianças ensolaradas que / construam outros mundos.
Necessito de um / lugar onde elfos subam em árvores / e a inocência seja o
primeiro / e único planeta.
O modo delicado como passa para o papel suas
vivências e sua maneira de olhar o mundo também surpreendem nas duas pequenas
crônicas que fazem parte deste livro, bem como neste poema escrito com o
pensamento em Cecília Meireles: Em silêncio, entrarei em sua biblioteca / – somente seu coração me verá / De minha
espessa solidão / – calçada com meus pontiagudos sapatos – / entregarei a você
o poema puro: / o ato original
III
Marize
Castro, nascida em Natal, é jornalista, formada em Comunicação Social pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Tem mestrado em Educação e
doutorado (2015) em Estudos da Linguagem pelo Centro de Ciências Humanas,
Letras e Artes da UFRN, com a tese “Areia sob os pés da alma: uma leitura da
vida e da obra de Oswaldo Lamartine de Faria (1919-2007)”, que deixou vasta
bibliografia acerca do cotidiano no sertão nordestino.
Tem
textos publicados em jornais de todo o País, como o Caderno 2 de O
Estado de S. Paulo e o extinto Jornal do Brasil, e em revistas de
cultura, como Exu, de Salvador, Nicolau, de Curitiba, Revista
do Escritor Brasileiro, de Brasília, e Poesia Sempre, do Rio de
Janeiro. Seus versos já foram vertidos para o inglês pelo professor e crítico
literário norte-americano Steven White e publicados nas revistas The
American Voice e International Poetry Review, dos Estados Unidos.
De
1988 a 1990, foi editora do jornal cultural O Galo, da Fundação José
Augusto, de Natal e, nos anos 90, editou Odisseia, revista
multidisciplinar do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFRN, da qual
foi a idealizadora e primeira editora. É autora ainda de Marrons Crepons
Marfins (1984), seu livro de estreia; Rito (1993); Poço. Festim.
Mosaico (1996); Esperado Ouro (2005); Lábios-Espelho (2009); Habitar
teu nome (2011) e A Mesma Fome (2016). Edita seus livros por sua
própria editora, a Una, que define “como deliciosa e desamparada viagem”.
Ganhou
os Prêmio de Poesia FJA (1983) e o Prêmio Othoniel Menezes (1998). Grande
difusora da literatura potiguar, é também autora de O Silencioso Exercício
de Semear Bibliotecas (2011), sobre o trabalho da jornalista, poeta e
bibliotecária Zila Mamede (1928-1985), e de Além do Nome (2008), livro
que reúne entrevistas com os mais expressivos nomes da literatura no Rio Grande
do Norte. Adelto Gonçalves - Brasil
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Maroceano, de Marize
Castro. Natal, Editora Una, 110 págs., R$ 20,00, 2020. E-mail:
unanatal@gmail.com
Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e
Hispano-americana e doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP), é autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Nova Fronteira, 1999), Barcelona
Brasileira (Lisboa, Nova
Arrancada, 1999; Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Editorial Caminho, 2003;
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp)/Academia Brasileira de Letras,
2012), Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imesp,
2015), Os Vira-Latas da Madrugada
(José Olympio Editora, 1981; Letra Selvagem, 2015) e O Reino, a Colônia e o
Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo 1788-1797 (Imesp, 2019),
entre outros. Escreveu prefácio para o livro Kenneth Maxwell on
Global Trends (Robbin Laird, editor, 2024), publicado na
Inglaterra. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
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