Até
onde irá o presidente Trump, decidido a perseguir a imprensa independente,
deixando a impressão de preparar o terreno para governar sem contestação, obter
um terceiro mandato e se tornar o primeiro ditador nos EUA, considerado até
agora o paraíso da democracia e liberdade?
Essa
indagação resulta, entre outras, da atual reação de Trump a uma publicação no
Wall Street Journal, acompanhada de um seu desenho lascivo e obsceno do púbis
de uma mulher, enviado há alguns anos a Jeffrey Epstein. Por ocasião dos 50
anos do ricaço boa pinta, muitos de seus amigos lhe enviaram, em 2003, uma
carta ou uma lembrança para ser integrada num álbum comemorativo, entre elas
havia a carta com desenho erótico de Trump.
Essa
publicação no Wall Street Journal relançou o caso Epstein, o gestor de fortunas
que se tornou milionário, acusado de pedofilia e de utilizar jovens menores
numa rede de prostituição de luxo, tendo mesmo comprado para isso uma ilha,
onde promovia festas com presença de milionários e políticos. Denunciado por
proxenetismo e pedofilia, Epstein teria se suicidado na prisão aos 66 anos,
embora exista o rumor de ter sido assassinado para não comprometer gente
importante. Trump havia prometido, na campanha eleitoral, revelar os nomes de
todos os clientes de Epstein.
Trump
entrou com uma queixa por difamação contra o jornal, alegando não saber
desenhar, pedindo uma enorme fortuna como indenização moral. Entretanto, a
imprensa lembra de ter havido muitos desenhos de Trump vendidos, no começo
deste século, chegando mesmo a serem vendidos por alto preço em leilão pelo
Sotheby, quando se tornou conhecido como político. Trump mente, mas para não
ser desmentido precisa controlar a grande imprensa ou coagir e ameaçar quem
puder contar a verdade.
Outra
possibilidade é a de provocar novos escândalos para desviar a atenção dos seus
seguidores do caso Epstein. O The Washigton Post conta os malabarismos de Trump
para desviar a atenção de seus seguidores tratando da ex-administradora da
agência USAID, da equipe de futebol Washington Commanders, de uma antiga
conspiração contra ele pela administração do governo Obama e criou mesmo um vídeo
fake com a prisão de Obama e anunciou a publicação de centenas de
documentos sobre o assassinato do pastor Martin Luther King em 1968.
Trump
é especialista em criar novos problemas para desviar a atenção das questões que
possam embaraçá-lo. O problema atual é o caso Epstein ter provocado
descontentamentos na própria base republicana e entre seus seguidores. Uma
espécie de feitiço contra o feiticeiro, pois Trump tinha sempre utilizado o
caso Epstein contra os democratas.
Como
se não bastasse, anulou as credenciais dos jornalistas do Wall Street Journal
para terem acesso ao Air Force One, nas viagens presidenciais. Essa não foi a
primeira reação contra a imprensa, em fevereiro, Trump havia proibido à agência
Associated Press de entrar no Salão Oval da Casa Branca, onde se realizam as
entrevistas presidenciais, por um motivo mais ameno: a agência AP se negou a
trocar o nome do Golfo do México para Golfo da América como decidido pelo
presidente.
Trump
mudou também o sistema de acesso privilegiado ao presidente, já existente há
muito anos, elaborado com a participação da Associação dos jornalistas na Casa
Branca. Eram os próprios jornalistas que formavam um pool para viagens
ou encontros especiais com o presidente, criando uma espécie de rodízio entre
os jornalistas das principais agências e jornais.
Depois
do atrito com a agência AP, o pool, grupo reduzido de jornalistas na
Casa Branca, é escolhido pela administração Trump e passou a incluir os mais
vistos influenciadores trumpistas de canais e podcasts.
Tudo
leva a crer existir um plano de Trump para modular a imprensa norte-americana,
reforçando o risco de um controle gradativo da liberdade de informação.
A
ironia é ser esse governo, empenhado em jugular a liberdade de imprensa nos
EUA, que tenta intervir e utilizar mesmo de chantagem para impedir o julgamento
de um ex-presidente e alguns generais envolvidos numa tentativa de provocar um
golpe militar e implantar uma ditadura no Brasil. Rui Martins – Suíça
__________
Rui Martins é
jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador
do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas,
que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos
emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da
Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto
Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça,
correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.
Sem comentários:
Enviar um comentário