Com mais de 219 mil hectares de terras agrícolas, Timor-Leste pode ser um exemplo na economia verde. No entanto, os agricultores — que representam a maioria da população rural — continuam a integrar o estrato social mais vulnerável do país
Segundo
o relatório do Censo Agrícola de 2019, Timor-Leste dispõe de mais de 219 mil
hectares de áreas agrícolas. A maioria da população rural dedica-se à
agricultura, dependendo fortemente das plantações para garantir o sustento
diário.
O Global Forest Watch indica que 67% do terreno timorense é coberto por floresta natural, contando com 1,01 milhão de hectares de áreas florestais em 2020. No entanto, tem havido uma tendência para a perda de “cobertura arbórea”, como mostram os dados de 2024, em que se registou uma perda de 1,36 mil hectares de floresta natural, o que equivale a 520 mil toneladas de emissões de CO₂.
A Fundação Carbon Offset Timor
(FCOTI) é uma ONG local, instituída legalmente em outubro de 2018, mas que tem
trabalhado na plantação comunitária de árvores desde 2009. A iniciativa já
beneficiou mais de 225 famílias e mais de 2000 agricultores individuais em
zonas rurais, contribuindo simultaneamente para a mitigação das alterações
climáticas globais, através de créditos de remoção de carbono baseados no
reflorestamento comunitário.
O
Diligente entrevistou o diretor-executivo da FCOTI, Alexandre Sarmento, para
falar sobre os projetos desenvolvidos ao longo da existência da fundação. Com
apoio suficiente, o objetivo da FCOTI passa por alargar os serviços e
beneficiar mais pessoas.
“Dependendo
dos recursos, queremos expandir-nos para outros municípios em Timor-Leste e,
eventualmente, para outros países vizinhos na região, especialmente a Indonésia
Oriental e os Estados insulares do Pacífico”.
Atualmente, quais são as principais atividades
desenvolvidas pela fundação?
Desenvolvemos
ações de reflorestamento comunitário e agroflorestal, concedemos bolsas de
estudo a estudantes do ensino secundário em Laclubar — em parceria com a
GTNT-Darwin Austrália — e disponibilizamos microcrédito a agricultores que
gerem os seus pequenos negócios. Também formamos mulheres da comunidade na
confeção de marmelada, utilizando produtos locais, e reabilitamos pequenas
infraestruturas, como salas de aula e casas de banho escolares em zonas rurais,
em parceria com o Rotary Club.
A
FCOTI também tem estabelecido contratos com o PNUD (UNDP em inglês) e com um
projeto chamado EARTH (Enhanced Agroforestry for Resilient Timorese
Households), em parceria com a World Vision. O EARTH é financiado pela União
Europeia e pela World Vision.
Em que consistem os projetos Carbon Offset e Halo Verde?
O
nome completo do nosso principal projeto de carbono é Halo Verde Timor
Community Forest Carbon. Numa forma mais curta, chamamos de Projeto Halo Verde.
Consiste em atividades agroflorestais e de reflorestamento, com agricultores
dos municípios de Manatuto, Manufahi e Viqueque.
As
atividades são pensadas e executadas segundo os princípios de não emissão de
dióxido de carbono.
Quem são os principais parceiros da fundação?
GTNT-Darwin
Australia, Rotary Club NSW, Australia, UNDP, JICA, World Vision & EU, The
Plan Vivo Foundation no Reino Unido, vários compradores de créditos de carbono
da Austrália, Europa (Dinamarca, Reino Unido, Portugal, Alemanha) e Estados
Unidos da América.
Quais são as principais conclusões das pesquisas
realizadas pela FCOTI sobre agricultura e alterações climáticas em Timor-Leste?
Normalmente,
realizamos pesquisas regulares junto das famílias, para determinar as suas
opiniões e perceções, e avaliar o impacto económico a nível familiar e
ambiental. A última pesquisa foi realizada em 2021. Há uma pesquisa em curso
(em 2025).
O que significa “Carbon Credit Sell” e como funciona?
Um
crédito de carbono, também conhecido como compensação de carbono (carbon
offset), é uma licença negociável que representa uma tonelada métrica de
dióxido de carbono (ou seu equivalente em outros gases de efeito estufa) que
foi reduzida, evitada ou removida da atmosfera. Esses créditos são gerados por
projetos que mitigam ativamente as mudanças climáticas, como o desenvolvimento
de energia renovável, o reflorestamento ou tecnologias de captura de carbono.
Essencialmente, permitem que empresas ou indivíduos compensem as suas próprias
emissões, apoiando projetos que reduzem as emissões noutros lugares.
Por
exemplo, se um agricultor planta um hectare de árvores, esse hectare absorve
100 toneladas de CO2, então esse agricultor tem 100 créditos (uma tonelada
métrica de dióxido de carbono é cotada em um crédito). Se um crédito custa 20
dólares, o agricultor ganha 2000 dólares.
Pode explicar o que é o Acordo de Pagamento de Serviços
Ecossistémicos (PES Agreement)?
O
acordo PES é um acordo entre o agricultor e a fundação. Define as tarefas e
responsabilidades de cada parte. O pagamento aos agricultores varia, dependendo
da sobrevivência da árvore e da venda do crédito de carbono no mercado, com
base no preço esperado. Se essas duas condições não forem cumpridas, o
pagamento aos agricultores será retido.
Porque é que os agricultores recebem pagamentos de 10
anos, se o acordo tem a duração de 30?
Uma
vez plantada, uma árvore deve permanecer no solo por mais de 30 anos.
Idealmente, nenhuma árvore deve ser cortada.
O
nosso acordo inicial com os agricultores é de 10 anos. Terminado esse período,
são oferecidos pequenos incentivos aos agricultores para que continuem a manter
as árvores nos 20 anos seguintes. É importante observar que a maioria das
nossas áreas são agroflorestais. A floresta é mais rentável para os
agricultores que os créditos de carbono, cujo mecanismo gera apenas um dinheiro
extra para os agricultores. Os créditos de carbono não devem ser tratados como
o principal produto da floresta ou agrofloresta.
Quais foram os principais resultados alcançados até hoje?
Até
hoje, mais de 250 mil árvores foram distribuídas e plantadas pelas comunidades.
Temos mais de 150 hectares sob o programa de carbono e mais de 91 mil dólares
pagos aos agricultores até 2024. Mais de 35 créditos de carbono vendidos em
mercados internacionais, 226 acordos de PES assinados com as comunidades e mais
de 600 bolsas de estudo concedidas desde 2011.
Quais os maiores desafios enfrentados pela fundação ao
longo do tempo?
Somos
uma pequena fundação local, timorense, com recursos limitados. Precisamos de
aumentar a nossa capacidade em termos de administração, mas também em termos de
estrutura, para que nos possamos expandir para outras áreas. Sem recursos
suficientes, os nossos planos futuros ficam apenas no papel. Ainda temos vários
desafios pela frente.
Os
maiores desafios que enfrentamos na comunidade incluem o pasto de animais, a
queima de florestas e a falta de registos de propriedade dos terrenos.
Que recomendações deixaria à sociedade civil, às
instituições e ao Governo?
Todos
nós precisamos de fazer a nossa parte e dar o nosso contributo para a Mãe
Natureza. O que fazemos pode ser uma pequena gota no oceano. No entanto, se
agirmos em conjunto, podemos ter um impacto maior.
Como podem os cidadãos ajudar ou envolver-se com a
Fundação?
Qualquer
agricultor pode participar no programa desde que cumpra com os critérios
mínimos mencionados anteriormente.
Quais são os critérios utilizados para selecionar os
agricultores participantes?
Por
se tratar de um compromisso de longo prazo – 30 anos –, temos dois níveis de
critérios.
O
primeiro nível é para as terras elegíveis: a terra não deve estar sob disputa,
não deve ser usada para desenvolvimento futuro de infraestruturas, como o
alargamento de estradas, a construção de escolas e clínicas e, portanto, o
local deve estar longe de áreas residenciais. A terra deve ser desmatada. É
estritamente proibido, de acordo com o nosso guia, cortar árvores para plantar
árvores.
No
segundo nível, avaliamos os agricultores: devem ser timorenses, residir em
áreas rurais, estar saudáveis para plantar árvores, devem garantir a
propriedade da terra e devem assinar um acordo connosco para cuidar das árvores
sem as cortar ao longo desses 30 anos.
Existem planos para envolver jovens ou escolas em
atividades de sensibilização ambiental?
Tentamos
sempre envolver jovens e estudantes do ensino secundário em Laclubar, Lacluta e
Lospalos, em ações de treino agroflorestal, como uma atividade extracurricular.
Em Laclubar, além de oferecer bolsas de estudo, também oferecemos formação e
treino em biodiversidade.
A
fundação também ofereceu bolsas de estudo a 13 estudantes universitários. No
entanto, devido à falta de financiamento, o programa foi descontinuado. Um dos
nossos bolseiros universitários está agora a trabalhar com a fundação.
A FCOTI recebe financiamento do Estado timorense ou
apenas de parceiros externos?
Durante
a pandemia da COVID-19, o Governo de Timor-Leste concedeu um pequeno subsídio à
FCOTI para cobrir os custos operacionais do escritório e manter o pessoal
essencial. O Governo também concedeu um subsídio adicional em 2021, para a
realização de atividades de campo, mas 93% do financiamento da fundação vem de
parceiros internacionais, especialmente compradores de créditos de carbono.
Como é feita a monitorização dos resultados ambientais
obtidos?
A
monitorização anual é muito rigorosa e envolve o proprietário da fazenda e a
equipa de campo: medem e reportam o crescimento das árvores, as taxas de
sobrevivência, o diâmetro à altura do peito, a altura das árvores, etc. Os
dados devem ser reportados ao Plan Vivo, que concede a certificação
internacional ao nosso projeto. O relatório também é publicado no site.
Reportamos regularmente às autoridades locais e mantemos uma boa relação com
elas. Antónia Martins – Timor-Leste in “Diligente”
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