A
cidade de Morsang-sur-Orge (91) vai inaugurar este sábado uma grande exposição
com cerca de uma centena de obras do pintor português radicado em França, Luís
Rodrigues. A exposição, essencialmente com quadros de grande formato, chama-se
“Saisons” e vai estar patente ao público até 22 de maio. Vai incluir também
alguns desenhos e cerâmicas do artista originário de Torres Novas.
Numa
entrevista ao LusoJornal, Luís Rodrigues explica que a exposição vai estar
dividida em três espaços municipais no Château de Morsang e que já não fazia
nenhuma grande exposição há mais de 20 anos no Essonne, departamento onde mora
desde os anos 70.
Reconhecido
a nível nacional e internacional, Luís Rodrigues viu inúmeras exposições serem
anuladas nos quatro cantos do mundo, durante a pandemia de Covid-19. “O meu
atelier é aqui, a menos de 1 km do parque do Château de Morsang, onde eu
costumo ir passear e passar alguns momentos. Tem um jardim magnífico com dois
grandes lagos e é um sítio muito agradável” explicou ao LusoJornal. Foi neste
espaço que, durante os dois últimos anos, foi recolhendo inspiração para
continuar a pintar durante a pandemia. Faz pois todo o sentido que esta
exposição tenha lugar em Morsang-sur-Orge.
Luís
Rodrigues é de Torres Novas e veio para França em 1967. O avô Faustino era
historiador e era também um militante antifascista. “Ele passou mais de 11 anos
em prisão política” explica o pintor. O pai de Luís Rodrigues também foi
militante antifascista e esteve preso em Caxias. “Quando cheguei aos 18 anos, o
meu pai saiu da prisão e decidiu mudar-se para França”.
A
família ainda passou por Champigny, mas depois instalou-se no Essonne, em
Épinay-sur-Orge e seguidamente em Savigny-sur-Orge, de onde Luís Rodrigues
nunca mais saiu, apesar de também ter uma casa de campo na Bourgogne.
Luís
Rodrigues diz que é “um autodidata”. Começou a fazer aguarelas antes mesmo de
vir para França.
“Quando
eu era miúdo, quando tinha os meus 13/14 anos, em vez de ir para o rio com os
meus amigos, ou correr atrás de uma cachopa, ia com o meu livrinho de poesia
debaixo do braço, sentava-me debaixo de uma árvore e passava lá horas” conta o
pintor ao LusoJornal. “Desde miúdo sempre ilustrava as redações dos meus
colegas de carteira, creio que comecei a fazer bonecos a partir dos 5/6 anos.
Sempre passei o meu tempo com um lápis”.
Não
é de estranhar que quando chegou a França se isolasse também, até porque não
falava francês. Refugiava-se então no desenho. “O meu pai vivia naquela altura
num local relativamente fechado. Viviam ali 3 ou 4 famílias portuguesas e eu,
como sempre fui uma pessoa reservada, uma pessoa muito voltada para a leitura,
para a música, como estava à beira do rio Orge, com árvores muito grandes,
sentava-me ali horas sem fio a desenhar”.
Foi
nesta altura que conheceu um dos maiores pintores do século 20 francês, que viu
um dos seus desenhos em casa de uma amiga e quis encontrá-lo. “Ele disse-me que
eu tinha algo de particular” e motivou-o a aprofundar a arte.
“Eu só pinto o que sinto”
Desde
que chegou a França, durante os primeiros 20 anos neste país, Luís Rodrigues
passava todos os sábados à tarde no Louvre. “Comecei a olhar para aquilo tudo,
tudo era bonito, era bem feito, mas eu vi logo que havia quadros que mexiam
mais comigo do que outros”.
Sem
ter estudado nas Belas Artes, acabou por dar aulas de história de arte na
Sorbonne e na Bulgária, e conviveu com vários outros pintores do século 20. “Eu
só pinto o que sinto” diz o artista. E quando pinta, é sempre por séries. “Não
faço hoje um quadro de uma maneira e amanhã um do outro, de outra maneira. Há
sempre um tema que eu vou explorar. Não sou um paisagista que leva o seu tripé,
instala-se num sítio, observa e pinta”. Pelo contrário, Luís Rodrigues passa
pelas representações e interpreta o que tem dentro de si. “O essencial da arte
é a invenção e a pintura só serve para mostrar aquilo que não é visível”.
Acrescenta
que “eu não posso dar aquilo que não vivi. Um simples habilidoso pode olhar
para uma garrafa, para um barco ou para uma casa e é capaz de reproduzir
aquilo. Para mim, isso não faz sentido. Temos de ir à pesca cá dentro de nós.
Por exemplo, a dor do joelho… como é que nós vamos traduzir a dor do joelho
através de uma pintura?”.
A
originalidade do trabalho de Luís Rodrigues é precisamente essa pesquisa no seu
interior, essa procura de sentimentos e da sua tradução através da arte.
Talvez
seja por isso que ainda hoje se considera um solitário. “Passei a vida a correr
meio mundo com os quadros às costas, como costumo dizer, principalmente nos
últimos trinta e tal anos, mas não quero dizer com isso que eu conheço milhares
de pessoas. Não. Eu continuo a viver um pouco no campo. Não se pode pintar uma
hora hoje e três horas na semana seguinte. Eu passo o dia, de manhã até à
noite, dentro do meu atelier”.
A
cor tem uma importância grande na obra de Luís Rodrigues. “Eu estava destinado
para ser engenheiro na fusão dos altos fornos de fusão de metais” deixa Luís
Rodrigues a sorrir. “Eu nessa altura só fazia trabalho a preto e branco. A cor
era qualquer coisa que não me puxava muito. Ora, hoje é a essência mesmo do meu
trabalho”.
“Regresso” a Torres Novas
A
vida artística correu-lhe bem. “Isto não vai apenas com talento, também é
necessário ter sorte” desabafa. Nos anos 80 teve uma exposição em Nova Iorque,
depois em Montreal, no Canadá… e acabou por viajar bastante, mostrando a obra
que produzia pelos diferentes continentes.
Mas,
ter o avô que teve, ter passado a infância e a adolescência em Torres Novas,
numa família culta e muito dada à literatura, a paixão que tem pela poesia do
século 19,… tudo isso deixa marcas para sempre. Por isso Luís Rodrigues espera
que a “portugalidade” esteja sempre presente na sua obra.
Mas
entristecia-o de não poder mostrar a sua pintura em Torres Novas. “Nem sabiam
que eu existia” conta ao LusoJornal.
Em
2012, alguns artigos publicados em Portugal começaram a falar de Luís
Rodrigues. Uma galeria na Amadora organizou uma exposição com 20 pintores
portugueses que passaram por Paris no século 20, e lá estavam quadros de Luís
Rodrigues ao lado de Vieira da Silva, Júlio Pomar ou Graça Morais.
Até
que um dia, uma delegação de Torres Novas, chefiada pelo Presidente da Câmara,
veio à Bourgogne, onde Luís Rodrigues tinha uma grande exposição. E foi ali que
nasceu a ideia de uma mostra na terra onde nasceu, intitulada “Luís Rodrigues
at home”. Foi efetivamente “o regresso” já que a exposição foi organizada no
restaurado Mercado do Peixe, a poucos metros do sítio onde vivia.
Foi
nessa altura que Luís Rodrigues ofereceu mais de 170 telas para o Museu de arte
moderna que estava em projeto na cidade.
Esta
exposição em Morsang-sur-Orge também marca um regresso: o regresso às
exposições de Luís Rodrigues, depois da paragem forçada de mais de dois anos,
por razões evidentes de pandemia.
Mas
para além de pintura, Luís Rodrigues promete algumas outras surpresas, como por
exemplo desenhos e cerâmicas. Carlos Pereira – França in “LusoJornal”
Veja a entrevista aqui.
“Saisons” de Luís Rodrigues
De
30 de abril a 22 de maio
Château
de Morsang, Salle Lounès Matoub et l’Orangerie
De
terça a sexta-feira, das 14h00 às 18h00
Fim
de semana, das 10h30 às 13h00 e das 14h00 às 18h00
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