Praticamente desde o referendo em que os timorenses escolheram a independência, em 1999, que uma pequena comunidade portuguesa, de dimensão variável ao longo dos tempos, se instalou permanentemente em Timor-Leste
Inicialmente
dominada por elementos ligados a várias facetas da cooperação portuguesa, a
comunidade diversificou-se, apesar da constante presença de professores e
assessores em várias áreas – da justiça à defesa.
Álvaro
Antunes é um dos que vive há mais tempo em Timor-Leste, mesmo sem contar o
período entre 1972 e 1975, em que esteve aqui destacado na polícia militar e se
acabou por casar com a ex-deputada do PSD, Natália Carrascalão, hoje embaixadora
timorense.
Regressou
ao país a 27 de setembro de 1999, como um dos dois coordenadores da grande
missão de cooperação inicial portuguesa e, desde aí, nunca mais saiu.
“Pediram-me
para vir cá uma semana e a semana ainda não acabou”, recorda, relembrado o
cheiro a queimado que encontrou quando aterrou em Díli uma semana depois da
chegada da força internacional Interfet, enviada depois da violência
pós-referendo.
A
comunidade cresceu a chegada de emigrantes portugueses, hoje com pequenas
empresas ou negócios em Timor-Leste, com jovens, em início de profissão ou ao
abrigo de projetos a viajarem para o país e, depois a decidir ficar por cá.
De
uma presença mais individual passou igualmente a evidenciar-se uma maior
presença de famílias, algumas fruto de casamentos entre portugueses e
timorenses.
Hoje,
vários dos ‘veteranos’ portugueses fazem balanço dos primeiros 20 anos da vida
do país em que decidiram viver e onde querem permanecer, sublinhando a relação
especial que os timorenses ainda mantêm com Portugal, reconhecendo o muito que
já foi feito, mas apontado o dedo a problemas que persistem em vários setores.
“Para
alguém que tenha vindo em 1999 ou 2000 e se foi embora, se voltar agora vai
ficar de boca aberta, não vai reconhecer isto, vai dizer que está uma
maravilha”, explica Álvaro Antunes.
“Para
quem vive cá, isto foi um bocadinho enfeitado, mas podia ter-se feito tanto
mais. Em 20 anos pode fazer-se muita coisa, mesmo quando se tem pouco dinheiro.
Não sei se é alguma inexperiência, falta de vivência de alguns líderes, da
cúpula administrativa, a insularidade, que não ajuda muito”, sublinha.
Reconhece
que para os mais velhos, do período da luta no mato contra a ocupação
indonésia, pode ser difícil ter ideias do século 21 e nota que os mais jovens,
até com formação no estrangeiro, “não são bem aproveitados”.
Falta
de confiança na formação nas universidades locais, o peso da tradição em que só
o liurai, o chefe tradicional, é que tinha as ideias que todos seguiam, são
igualmente apontados como aspetos que condicionam o desenvolvimento.
Hoje
empresário, no setor da hotelaria, nota as dificuldades de se fazer negócio,
num mercado onde, em muitos casos, “há preços estapafúrdios” e falta de medidas
adequadas do Governo para proteger ou apoiar empresas.
Falhanços
no setor primário sem apoio a empresas que possam dar dimensão à agricultura,
predominantemente de subsistência e uma ausência total de indústria a
penalizarem a economia nacional.
“O
comércio não precisa de tanta ajuda Tínhamos um comercio péssimo com preços
altíssimos, dominado por alguns comerciantes indonésios e chineses timorense. A
salvação do comercio para a população em geral foi a vinda dos comerciantes
chineses. Passou a haver 10 ou 20 vezes mais lojas, 100 vezes maior variedade
de produtos e a um preço que quem ganha centro e poucos dólares podem comprar”,
afirmou.
Filipe
Silva é outros dos mais antigos portugueses no país. Chegou a Timor-Leste em
setembro de 2000 – conheceu a sua mulher, a Cândida, “nas filas das vacinas em
Portugal” -, e vive “na mesma casa” há 15 anos, num bairro de Díli, com as duas
filhas do casal.
Destaca
as grandes mudanças em Díli, recordando a memória de quando chegou, com casas
queimadas e destruídas e o contraste com a mais expandida capital – “houve uma
explosão no número de pessoas a viver aqui” – e a maior oferta no retalho.
Uma
das áreas onde destaca as carências é no setor educativo, com melhorias nas
infraestruturas, mas carências de bons professores, com boa metodologia de
ensino, agravada pelas carências na formação de docentes.
E,
nesta área, sugere, por exemplo, a importância que poderia ter um projeto
conjunto de cooperação da CPLP, virado em termos gerais para o setor educativo
e apostando também na língua portuguesa.
Com
a mais velha prestes a ir para universidade, Filipe Silva não pensa em sair de
Timor-Leste: “já sou do meu bairro”, explica, “não penso na ideia de
regressar”.
João
Paulo Esperança, em Timor-Leste desde abril de 2001, casado com uma timorense e
com quatro filhos (três nasceram aqui) e uma adotada, está para ficar, apesar
de preocupações com o futuro.
“Esta
é a minha casa. Sou um cidadão do mundo. Já sonhava vir para Timor-Leste antes
da independência. Vim para cá, fiz família cá. A minha intenção é ficar por
aqui até morrer”.
“Preocupa-me
o futuro dos meus miúdos. O país vive com o dinheiro do petróleo que não sabemos
quando vai terminar e não estou a ver que a economia se tenha desenvolvido para
permitir que se possa viver bem em Timor-Leste sem o dinheiro do petróleo”,
disse.
Fala
de um contexto em que “há mais dinheiro, mas parece haver menos sonhos”, depois
dos anos iniciais se pensar que as coisas em Timor-Leste poderiam ser feitas
diferentes, aprendendo com erros noutras geografias.
“Hoje
vejo mais desencanto, de pessoas que acham que alguns erros se deviam ter
evitado, e que consideram que já passaram 20 anos algumas coisas poderiam estar
a funcionar melhor, especialmente em áreas sociais, como a educação”, explicou.
As
infraestruturas melhoraram, Díli cresceu imenso, mas na educação, por exemplo,
o sistema “não esta a preparar os alunos para os desafios necessários”, com
“miúdos que chegam ao pré-secundário e mal sabem ler e escrever”.
Melhorias
na saúde, com mais médicos que nunca, mas que depois têm que trabalhar “hospitais
sem material, equipamento, medicamentos, equipamento de diagnóstico”, com o
hospital nacional em Díli, a continuar a ser “um desastre”.
A
população jovem, distante da luta contra ocupação, e “cuja realidade do dia a
dia tem a ver com outras dificuldades, nomeadamente arranjar emprego”, apesar
das lideranças políticas vincarem, muitas vezes, “as questões da resistência”.
Considera
haver falta de consciência crítica, em parte devido uma herança educativa
herdada do período indonésio, e que educa jovens “que não conseguem articular
os problemas que têm e pensar em soluções”. In “Bom dia
Europa” - Luxemburgo
Sem comentários:
Enviar um comentário