Timor-Leste é, aos seus 20 anos, um dos países com mais jovens do mundo, com a maioria da população nascida após a ocupação indonésia e um futuro incerto onde a falta de emprego é, para já, a maior certeza
Uma
mistura entre optimismo e apreensão, com maior ou menor interesse ou
conhecimento sobre a história do país, cujas marcas ainda vincam muito do que
por aqui se passa – pelo menos na dialética política – e maior ou menor
desalento sobre as perspectivas.
Ricardo
Araújo, que em Abril cumpriu 20 anos, é o mais novo de quatro irmãos, filho de
diplomata e no 12º ano na Escola Portuguesa de Díli, esperando que as notas o
deixem ir estudar línguas e relações empresariais ou relações internacionais
para Portugal.
Os
pais falaram-lhe da história da luta – tem familiares sobreviventes do massacre
de Santa Cruz, por exemplo –, mas é o futuro que o preocupa, como ao dos
amigos, a pensar na falta de emprego e com o que diz ser a pouca importância
que o Governo dá aos jovens.
“Há
muitos jovens que acabam o ensino, mas depois não conseguem fazer nada porque
falta campo de trabalho. Timor parece não estar pronto para tantos jovens. E os
políticos não investem nos jovens, deixam os jovens de lado”, explicou à Lusa.
Araújo,
que votou nas presidenciais de Abril, explica que muitos da sua idade, e até
mais jovens, se interessam pela política, têm ideais e vontades, mas que os
líderes os ignoram e não os aproveitam.
Nota
o contraste entre o conservadorismo e a modernidade nas famílias, nas escolas
ou na sociedade em geral, e como isso afecta a liberdade e até as conversas ao
jantar – sobre sexualidade, por exemplo – em que alguns miúdos vão mudando as
ideias aos pais.
E
mostra-se preocupado com o futuro, esperançado em que as oportunidades de
emprego aumentem, e que nas escolas “se ensine melhor”, considerando, apesar de
ser católico, que o conservadorismo da Igreja em Timor-Leste também não ajuda.
“A
igreja é um grande problema para Timor porque é muito conservadora e tem poder
na política. Não falamos sobre sexualidade nas escolas timorenses, e temos que
começar a falar mais desses assuntos aos jovens, porque aqui há muitas menores
que engravidam”, disse, referindo também a elevada violência de género.
Mais
de um terço dos jovens não tem emprego, com um estudo recente da Universidade
Monash a recordar que anualmente 30 mil jovens entram no mercado, onde há
poucas oportunidades: em 2021 só terão sido criados 2300 postos de trabalho.
Ainda
que a taxa de fertilidade tenha caído nos últimos 10 anos, o país tem uma das
populações mais jovens do planeta – 37,3% da população tem menos de 15 anos -,
o que colocará ainda mais pressões nas próximas décadas no mercado laboral.
A
complicar a situação o facto de até 15% dos jovens com idade entre os 20 e os
24 anos não terem frequentado a escola, e de muitos dos cursos com mais alunos
terem poucas ou nenhumas saídas no mercado de trabalho. O estudo nota um
exemplo, em Ermera, em que 20% dos jovens nunca foram à escola e 27% não sabem
ler ou escrever em qualquer das principais línguas do país.
Cherilia
Baptista, 20 anos cumpridos em Fevereiro, filha de um major do exército
timorense, está a estudar direito na recém-criada Universidade Católica, depois
de ter estado no Colégio Santo Inácio de Loyola, considerado um dos melhores do
país.
Com
a família directamente envolvida na luta contra a ocupação, assume-me como
verdadeiramente nacionalista, manifestando um “sentimento de gratidão aos
mártires do país que lutaram pela independência” e, por isso, quer “estudar
muito para poder colaborar no desenvolvimento do país”.
Se
alguns colegas pensam o mesmo, e sentem “esse patriotismo”, muitos outros nem
querem ouvir falar da história, “dizem que querem é viver a sua vida” e, por
isso Cherilia pensa que é preciso motivar a juventude para “estudar mais e
ajudar mais” o país.
Com
jovens sem emprego, sem meios ou condições para outras atividades, como as
desportivas ou as artísticas, proliferam grupos de artes marciais, algures
entre a legalidade e a ilegalidade que promovem o colectivo, mas, ao mesmo
tempo, são focos de tensão nos bairros. “Sentimos essa pressão. Conheço jovens
que estão envolvidos nas artes marciais. E às vezes quando há amigos de grupos
diferentes, misturar esses grupos pode ser complicado, especialmente à noite”,
explica Ricardo Araújo.
O
consumo de álcool é outra preocupação, mas o jovem diz que o tabaco é ainda
pior: “aqui toda a gente fuma. Vais para os bairros e vês miúdos de 10 ou 11 anos
já com o cigarro. É um grande problema”, como é, diz, a questão da violência de
género.
Cherilia
Baptista nota que nesta última questão em particular, o problema se deve em
parte tanto à igreja como à própria cultura, mais conservadora, onde não se fala
de assuntos como a sexualidade ou custa a mudar a visão de estereótipos sobre o
papel da mulher.
“Eu
em casa não aprendi nada sobre educação sexual, porque a nossa cultura
sacraliza as questões sexuais. Os meus pais não me ensinaram e foram os padres da
escola jesuíta que nos ensinaram sobre a importância da educação sexual”,
explica. “Quando cheguei a casa disse aos meus pais: o vosso ensino é muito
errado. Temos que aprender, não apenas educação sobre moral e ética, mas sobre
educação sexual, porque os problemas acontecem por haver pouco conhecimento,
como gravidezes indesejadas, abandono de bebés ou abortos”, sublinha.
Timor-Leste,
insiste, é muito patriarcal, mas tem havido melhorias com as mulheres a terem
mais acesso a todas as áreas da sociedade, incluindo a política, mas diz que é
preciso fazer mais, incluindo para combater o assédio sexual das mulheres e
meninas nas ruas.
Aos
seus 20 anos, Juvenia de Fátima Nunes, a mais velha de sete irmãos e atualmente
a estudar medicina com uma bolsa do Governo chinês na Centre South University
na China – para já com aulas virtuais apenas – mostra-se otimista, recordando
que o país é jovem e que se sente “honrada e privilegiada” de ter o seu país.
“Na altura havia muitas dificuldades, mas com espírito, patriotismo e
nacionalismo, e houve muitos que sacrificaram a sua vida, as suas famílias,
para este país poder ser livre. E isso motiva-me muito, como jovem, da nova
geração, ver o que posso fazer para completar esta luta”, disse. In “Ponto
Final” - Macau
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