O bairro Km 44, no município de Icolo e Bengo, foi arrasado, deixando sem tecto mais de 500 famílias que ali moravam, algumas há mais de 50 anos. Agora que as máquinas de demolição, os efectivos da Polícia Nacional e os militares das Forças Armadas Angolanas abandonaram o local, só ficou o rasto de destruição de casas e vidas. As pessoas, na maioria camponeses, garantem que nunca foram notificadas, mesmo depois de começarem as obras do futuro Aeroporto Internacional de Luanda
O
Novo Jornal falou com vários moradores, alguns que há mais de 50 anos ergueram
as casas e construíram famílias nos terrenos que as autoridades querem
desocupados para que o novo aeroporto consiga a certificação por parte da
Organização Internacional da Aviação Civil (ICAO).
Nas
ruínas que os bulldozers e cilindros deixaram para trás, o Novo Jornal
encontrou centenas de pessoas que regressaram ao bairro assim que os militares
e os efectivos da Polícia Nacional (PN). Depois do som das máquinas e dos
gritos dos militares que os camponeses dizem ter ouvido, ficou o silêncio das
autoridades governamentais e a incerteza sobre o que o destino lhes reserva.
O
dedo dos camponeses, oriundos, na sua maioria, de Catete e Malanje, que ali foram
desembocando desde o tempo dos conflitos armados em Angola, é apontado ao
Presidente da República, João Lourenço, que acusam de "deixar idosos e
crianças ao relento e sem futuro".
Nem
o pequeno cemitério foi poupado. Sepulturas vandalizadas estão agora mescladas
com os escombros das habitações destruídas.
Ngola
Kissanga, filho da chefe da Organização da Mulher Angolana (OMA) daquela
localidade, a idosa Maria Francisco, de 83 anos, também camponesa, residente na
zona há mais de 50 anos, disse ao Novo Jornal que nunca foram notificados pelas
autoridades, mesmo quando começaram as obras do novo Aeroporto Internacional de
Luanda.
"Quando
esse aeroporto começou a ser erguido nós já residíamos nesta zona. Nasci e
cresci nesta zona, hoje tenho netos, também nasceram e estão a crescer neste
bairro, o que fizeram com a minha mãe e com outros moradores é uma barbaridade,
não sabemos aonde recorrer nem como começar esse processo porque não percebemos
o que está por detrás disto", afirmou, sublinhando que todos os moradores
que residem no bairro agora demolido, sobrevivem da comida do campo.
"As
autoridades até ao momento não dizem nada. Por isso, queremos que o PR diga
alguma coisa para resolver o nosso problema", exprimiu o engenheiro
agrónomo, Orlando Diego, que viu a habitação da sua avó a ser demolida.
"Acabei
de tomar agora um comprimido para a tensão, sou hipertensa, vivo aqui há mais
de 30 anos, todos os meus seis filhos já morreram, resido sozinha, estou
solitária, não tenho família, a minha casa foi destruída por militares armados,
não tenho por onde ir e nem sei onde ficar", lamentou ao NJ a camponesa
Maria Gamboa, de 60 anos, que acusa o Presidente da República de ser o
responsável pelo sofrimento das mais de 500 famílias que agora vivem ao
relento.
"Máquinas
para destruir casas dos pobres, ele, o camarada João Lourenço, tem. Arroz e
feijão para dar à população nunca tem", desabafou a idosa, juntando-se ao
coro dos camponeses que estão a acusar o Presidente da República de ser o maior
responsável pelo cenário vivido naquela zona desde a semana passada.
Fernanda
José, de 50 anos, mãe de dez filhas, e esposa de um homem com deficiência
visual, que perdeu a visão durante o conflito armado em Angola, contou ao Novo Jornal
que é pai e mãe das filhas devido o estado de saúde do marido. Com a situação
da habitação demolida e com a lavra apreendida pelo Governo Provincial de
Luanda (GPL), a mulher salientou que não sabe como recomeçar a vida, porque o
sustento da sua família provém da lavra.
"Estou
a viver aqui desde 1990, o meu marido é cego, sou mãe de 10 meninas, não sei o
que fazer para manter a minha família. Estamos na rua desde quarta-feira
passada, ontem choveu e ficámos debaixo de chuva", descreveu a mulher.
O
Novo Jornal contactou o director do gabinete de comunicação institucional e
imprensa do Governo Provincial de Luanda, Ernesto Gouveia, que fez chegar à
redacção um comunicado em que se lê que "o Governo Provincial de Luanda
tomou conhecimento da existência de construções e intenção de construções na
Reserva Fundiária do Estado adstrita ao novo Aeroporto Internacional de Luanda,
constituída pelo Decreto n.º 12/06 de 15 de Maio, ampliada pelo Decreto
Presidencial n.º 74/19 de 11 de Março".
No
documento é acrescentado que "o projecto do Novo Aeroporto Internacional
de Luanda é classificado como um dos objectivos de interesse estratégico do
Estado, tendo sido aprovada esta reserva para a sua implementação" e que
"a ocupação e construção dentro do perímetro da Reserva Fundiária do Novo
Aeroporto Internacional de Luanda é ilegal e condiciona a certificação,
operacionalização ou expansão do Novo Aeroporto Internacional de Luanda,
inibindo a sua abertura e normal funcionamento".
O
GPL garante que "as Administrações Municipais de Viana e Icolo e Bengo têm
vindo a notificar sobre as transgressões e ocupações da Reserva Aeroportuária,
sem o acatamento dos munícipes".
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