A
Zona de Cooperação Aprofundada em Hengqin vai servir de “base de ensaio” para a
convivência entre os direitos de Macau, de matriz portuguesa, e o da China, diz
o advogado Rui Cunha. “Ganhámos essa responsabilidade, vamos participar num
esforço de fusão do que existe no resto da China e o que existe em Macau”,
notou à Lusa.
Macau
tem um sistema jurídico que pode “engrenar perfeitamente no sistema da China”,
assumiu, alertando que, “mais do que nunca, há que reflectir bastante sobre o
Direito de Macau”.
O
especialista indicou que “o próprio edifício legal da China se modificou
bastante” desde finais dos anos 1970, quando o líder Deng Xiaoping lançou
reformas económicas que converteram o país numa das maiores potências mundiais.
“A China evoluiu o seu sistema [jurídico] no sentido de efectivamente
acompanhar o resto do mundo”, defendeu.
Rui
Cunha considerou, por outro lado, “um processo normal” que, em Macau, se esteja
a assistir a uma adaptação ao Direito chinês, constatando, no entanto, que
“mais recentemente tem havido um endurecimento” da legislação. Em 2019, foi
introduzida na revisão da lei de bases da organização judiciária a
exclusividade de juízes de nacionalidade chinesa no julgamento de processos
relacionados com a segurança do Estado.
O
advogado admitiu que juízes estrangeiros e chineses possam ter “sensibilidades
diferentes”. E reforçou: “Não quer dizer que apoio, mas compreendo que haja
esse receio [de ter juízes estrangeiros], porque são crimes em que há
determinada sensibilidade que pode faltar a outros”.
De
qualquer maneira, ressalvou, processos ligados ao patriotismo ou à segurança
nacional, “se forem aplicados de maneira sensata (…), pouca diferença irão
fazer”. “Nós aqui em Macau também não precisamos de ir à rua para partir carros
e montras, até porque é uma população que se habituou há 400 anos a ser
silenciosa, talvez por força do hábito”, disse, numa referência às
manifestações de 2019 em Hong Kong.
Comunidade portuguesa terá “uma natureza diferente”
Por
outro lado, Rui Cunha defende que, com a necessidade de contratação de quadros
bilingues e as restrições impostas pela pandemia, a população portuguesa no
território “vai evoluir para uma natureza diferente”. “Hoje há uma necessidade
cada vez maior da aprendizagem da língua chinesa” por parte dos profissionais
em Macau, disse o advogado, que vive no território desde 1981.
Cada
vez mais, os clientes do escritório que lidera sentem falta do “contacto
directo” com quem os representa, e “pedem para falar com alguém em chinês”, já
que recorrer a um tradutor “não funciona” como outrora. “Nós temos de ser um
pouco realistas e eu, neste momento, penso que a admitir pessoas, uma das
primeiras coisas que perguntamos é que línguas falam”, contou, referindo que há
uma maior necessidade de recorrer aos profissionais locais bilingues, o que
também “não é fácil”.
“A
comunidade portuguesa vinha para Macau, integrava-se totalmente na sociedade
local, virava macaense no sentido de adoptar Macau e ficar por aqui, o que não
vai acontecer daqui para o futuro”, acrescentou. O advogado acredita que a
emigração lusa para a RAEM vai assemelhar-se à que existe actualmente para
países com os quais Portugal “não tem uma grande ligação” histórica.
“Gradualmente, iremos ter menos gente portuguesa que vem para ficar em Macau,
temos pessoas que vêm, que fazem o trabalho, os seus negócios e voltam para
Portugal”, anteviu.
A
contribuir para esta alteração estão as restrições impostas pelo Governo local
desde o início da pandemia e que têm levado membros da comunidade a abandonar a
cidade. Rui Cunha admitiu que, com a limitação das deslocações, o escritório
C&C Advogados já perdeu “alguns elementos essenciais”. Além disso, a crise
sanitária “tem afectado o negócio”, na medida em que “a base da clientela” é
originária de Hong Kong.
Questionado
sobre o futuro da língua portuguesa em Macau, o advogado acredita que “não
desaparecerá tão cedo”, até porque “é desejada pelos chineses”. “A China sabe
que precisa do mundo, precisa de um mercado, porque o mercado interno não é
suficiente para se auto-sustentar”, disse. E salientou que, sendo o universo de
língua portuguesa de grande dimensão, a China, “tendo pessoas a falar
português, tem um acesso” privilegiado a esses mercados. In “Jornal
Tribuna de Macau” – Macau com “Lusa”
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