José Ramos-Horta foi eleito pela segunda vez Presidente da República de Timor-Leste, com 62,09% dos votos, derrotando o actual chefe de Estado, Francisco Guterres Lú-Olo, numa repetição do que ocorreu em 2007, segundo o resultado final provisório
Dados
da contagem do Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE),
concluída mais de 24 horas depois do fecho das urnas, confirmam que Ramos-Horta
obteve 397.145 votos, ou 62,09%, contra os 242.440 votos de Lú-OLo, que obteve
37,91% na segunda volta das presidenciais, que decorreram na terça-feira.
Em
número absoluto de votos, José Ramos-Horta registou um aumento de cerca de 31%
face à primeira volta, enquanto Francisco Guterres Lú-Olo aumentou o seu apoio
em mais de 68% relativamente ao registado na primeira volta, quando havia ainda
14 outros candidatos. Apesar dos receios iniciais durante a jornada eleitoral,
a abstenção foi praticamente idêntica, subindo de 24,72% na primeira volta para
24,83% na segunda.
Lú-Olo
venceu apenas em dois municípios, Baucau e Viqueque, com a perda histórica do
município de Lautem, um dos feudos tradicionais da Fretilin, e que na segunda
volta foi um dos locais onde a participação mais caiu. O resultado final em
Lautem, porém, pode ainda mudar já que a diferença entre os dois candidatos é
de apenas 59 votos, mas há um total de 74 votos ‘reclamados’, cuja atribuição
final depende agora do escrutínio de verificação conduzido pela Comissão
Nacional de Eleições (CNE).
Aileu,
onde Ramos-Horta venceu com 72,74% dos votos, registou a taxa de participação
mais elevada, de 83,34% e Lautem a taxa mais baixa do país, com 72,53%.
O
ainda chefe de Estado venceu ainda na Irlanda e na Inglaterra, com José
Ramos-Horta a ser o mais votado no resto dos centros de votação da diáspora, em
10 dos 12 municípios do país e na RAEOA. A vitória mais expressiva de
Ramos-Horta foi no município de Ainaro, onde obteve 74,06% dos votos.
Apesar
de se tratar de uma eleição presidencial, o facto dos partidos no Governo se
colarem na segunda volta no apoio ao chefe de Estado está a ser visto,
igualmente, como uma ‘medida’ do apoio actual das três forças.
Assim,
na última eleição legislativa em que concorreram separadamente, a Fretilin, PLP
e KHUNTO obtiveram cerca de 47% dos votos, valores que não foram conseguidos na
votação de terça-feira em que Lú-Olo contou ainda com o apoio de outras forças
políticas. Agora, o apoio das três forças a que se somou também o ainda não
testado apoio do novo partido Os Verdes, deu a Lú-Olo apenas cerca de 37% dos
votos.
Os
resultados finais terão agora de ser verificados pela CNE antes da sua
validação final pelo Tribunal de Recurso. José Ramos-Horta toma posse no dia 20
de Maio, data em que se cumprem 20 anos da restauração da independência.
Regresso ao Palácio Presidencial 10 anos depois
As
divisões do escritório atribuído a José Ramos-Horta são pequenas para a vasta
coleção de prémios, reconhecimentos e memorabilia que acumulou. Ao longo de
longos meses, a voz ‘internacional’ da luta timorense contra a ocupação indonésia,
usou as paredes da antiga casa colonial portuguesa – atribuída na categoria de
ex-Presidente – para criar uma galeria de parte da sua vida.
Depois
de 20 de Maio, quando regressa ao cargo que ocupou entre 2007 e 2012,
Ramos-Horta vai transferir-se do escritório no Farol para o relativamente
próximo Palácio Presidencial Nicolau Lobato.
Jornalista,
diplomata, jurista e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros,
ex-primeiro-ministro e ex-Presidente, Ramos-Horta é uma das figuras mais
conhecidas de Timor-Leste, graças ao papel que assumiu junto das Nações Unidas
e noutros fóruns entre 1975 e 1999.
Natural
de Díli, onde nasceu em 26 de Dezembro de 1949, o ‘tio Horta’ como prefere ser
chamado – não gosta que o chamem de avô – recebeu o Prémio Nobel da Paz,
conjuntamente como o então administrador apostólico de Díli, Ximenes Belo.
O
diploma com esse reconhecimento, que ajudou a mobilizar ainda mais a comunidade
internacional para a causa da independência timorense, soma-se a vários outros
reconhecimentos de vários países e a dezenas de ‘honoris causa’ de
universidades de todo o mundo. Entre os reconhecimentos contam-se a Grã-Cruz da
Ordem da Liberdade, atribuída por Portugal e a Ordem da Austrália, atribuída
por este país.
Filho
de mãe timorense e pai português, passou os primeiros anos no Colégio Pedro
Alvares Pereira, em Soibada, região que quis visitar durante a campanha da
segunda volta das presidenciais e onde conviveu com vários líderes nacionais.
Estudou direito internacional em Haia e nos Estados Unidos, onde completou um
mestrado em Estudos de Paz, a que somou várias pós-graduações.
Fundador
da Associação Social-Democrata Timorense (ASDT), o segundo partido timorense a
nascer em 1974 – e que passaria depois a ser a Frente Revolucionária do
Timor-Leste Independente (Fretilin), Ramos-Horta foi secretário para Relações
Externas e Informação.
Nos
poucos dias entre a declaração unilateral da independência, em 28 de novembro
de 1975 e a invasão indonésia, foi ministro das Relações Externas e Informação.
No
dia da invasão estava em Nova Iorque, cidade que visitou centenas de vezes para
fazer vincar a situação de Timor-Leste junto das Nações Unidas, onde
inicialmente representou a Fretilin.
Foi
novamente responsável dos Negócios Estrangeiros nos anos de transição, até à
restauração da independência em 2002 – cumprem-se 20 anos dessa data no dia da
sua tomada de posse –, permanecendo no cargo até junho de 2006, no início da
crise que se viveu nessa altura em Timor-Leste. Foi ainda primeiro-ministro
antes de se apresentar às eleições de 2007, que venceu na segunda volta também
contra Francisco Guterres Lú-Olo, considerando ainda hoje ter tido, nessa
altura, um papel relevante para ajudar a acalmar a violência que se vivia no
país.
A
nível internacional, e além da missão que desempenhou na Guiné-Bissau, em nome
das Nações Unidas, foi presidente do Painel Independente de Alto Nível para as
Operações de Paz da ONU e copresidente da Comissão Internacional sobre o
Multilateralismo.
Um
dos momentos mais duros da vida ocorreu na manhã de 11 de Fevereiro de 2008,
quando Ramos-Horta decidiu quebrar a sua rotina rigorosa e saiu de casa 15
minutos mais cedo do que o normal, para os exercícios matinais, na marginal ao
longo do mar.
Menos
de duas horas depois estava nas traseiras de uma ambulância no centro de Díli,
com a sobrinha Dulce e o enfermeiro português Jorge Marques, a pedir ao
condutor para ir mais devagar e a sangrar de três ferimentos de bala, um no
estômago e dois nas costas. “Disse ao
condutor da ambulância: vá devagar. E a minha sobrinha, a Dulce, repetia: o
Presidente está a dizer para ir devagar. Mas ele não. Ia a toda a velocidade. E
eu com medo que nos íamos espetar em alguém”, recordou, em entrevista à Lusa.
“Ainda bem que não me ouviu porque quando chegámos ao hospital, praticamente
tinha perdido os sentidos. Os médicos imediatamente começaram com a
ressuscitação. Cem australianos fizeram fila para dar sangue. Tinha perdido
mais de quatro litros. Se demorasse mais cinco minutos teria morrido por perda
de sangue”, explicou. In “Ponto Final” - Macau
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