O casal Thomann deixou a Suíça e, em Portugal, criou uma coudelaria de Puro-Sangue Lusitano onde o respeito pelos animais e a natureza está em primeiro lugar
Barbara
e Georg Thomann viviam em Winterthur, perto de Zurique, quando visitaram
Portugal pela primeira vez. Estávamos em 1970, Portugal ainda vivia debaixo da
ditadura salazarista, quando, a convite de amigos, o casal suíço aterrou no
aeroporto de Faro para descobrir a região mais a Sul, o Algarve, e um país que
lhes era completamente desconhecido. Na altura, os Thomann estavam longe, muito
longe, de poderem imaginar que alguns anos mais tarde se mudariam
definitivamente para Portugal, mais concretamente para Alcáçovas, no Alentejo,
e que iriam criar, na Herdade da
Mata, uma coudelaria que é uma referência internacional
pelo cuidado e atenção que dedica à criação do cavalo Lusitano.
A família Thomann “descobre” Portugal e decide investir
A
segunda viagem de Barbara e Georg a Portugal aconteceu já depois da revolução de
1974, estávamos em 1977 e o país vivia os primeiros anos de democracia.
Posteriormente, atraídos pela beleza heterogénea do país e simpatia dos
portugueses, as visitas a Portugal tornaram-se habituais. Aterravam no
aeroporto de Lisboa, alugavam um carro, rumavam ao Algarve e alugavam sempre a
mesma casa na Praia da Galé. “Na altura, lá não havia nada. Albufeira era uma
aldeia de pescadores muito pequenina e bonita”, lembra Barbara.
Apesar
de naquele período a imagem de Portugal na Suíça ser a de um país instável, e
dos vários conselhos que ouviram para não investirem no país, os Thomann não
resistiram à oportunidade de comprar um terreno à beira-mar, no Algarve, e aí
construírem uma casa que acabariam por vender muitos anos mais tarde.
A
descoberta do Alentejo foi uma consequência da vontade de conhecerem o país e
do facto de os voos de Zurique aterrarem em Lisboa. A família Thomann
aproveitava a viagem de carro até ao Algarve para, fazendo desvios ao caminho
mais curto, avançar por outras estradas que lhes permitiam um contacto mais
próximo com o Alentejo, a sua cultura, paisagem e gente.
Até
1994, enquanto viviam na Suíça, Barbara ocupava-se da educação das três filhas
do casal ao mesmo tempo que Georg geria um grupo de empresas de média dimensão.
É em 1995 que, após a venda do grupo de empresas, o casal decide vir viver para
Portugal e começar uma vida nova. Compraram a Herdade da Mata, uma propriedade
com quase 750 hectares, “com muito lixo, 115 vacas e casas em mau estado”,
recorda Georg, e começaram a fazer algo que nunca tinham feito antes, trabalhar
na agricultura.
A Herdade da Mata e a coudelaria de Puro-Sangue Lusitano
Mais
de cinquenta anos após a primeira vez que pisaram o território português, é na
Herdade da Mata que me vou encontrar com o casal Thomann. Afinal, foi aqui que
escolheram viver e criar um “pequeno paraíso” onde a proteção climática e
ambiental está aliada à preservação de raças autóctones como a vaca Garvonesa,
em perigo de extinção, e o cavalo Lusitano.
Para
aqui chegar, quem vem de Lisboa tem de rumar ao sul, fazer mais de 200
quilómetros até Alcáçovas e, à saída da localidade, seguir as placas que nos
indicam o caminho para a Herdade da Mata.
Avanço
por uma estrada de terra batida e aproveito a sombra de um sobreiro para fazer
uma breve paragem, ouvir o cantar das cigarras e, ao longe, vislumbrar o voo de
uma cegonha. Aqui, neste Alentejo, as temperaturas facilmente atingem os 40°C
no Verão, a paisagem pode ser marcada pelos olivais, vinhas, montado de sobro
ou pela planície que o sol pintou de amarelo enquanto os campos de cereais
aguardam por uma nova sementeira.
Após
quatro quilómetros em estrada de terra, quando me aproximo da casa principal da
Herdade, Barbara e Georg já me aguardam cá fora. Entre uma guarda de cães de
diferentes raças, o casal Thomann dá as boas-vindas e convida-me a entrar. É no
alpendre que nos protege do calor intenso, e com água fresca para matar a sede,
que o casal começa por revelar que “foi muito interessante” o terem deixado a
vida de conforto que tinham na Suíça para virem viver numa propriedade onde não
havia luz e foi preciso fazer muitas obras. Barbara esclarece: “A expressão
interessante é justa. Para nós, era tudo novo. Nunca tínhamos feito isto. É o
que queríamos, fazer uma coisa nova. Sempre gostámos de animais.”
Em
1996, o atual gerente da Herdade da Mata e impulsionador da criação da
coudelaria, Carlos Branquinho, começa a trabalhar na Herdade. Inicialmente, em
tempo parcial, o então estudante em Gestão Equina, treinava e cuidava dos
cavalos lusitanos privados de Barbara e Georg. Em 2008, com três éguas
lusitanas, a Herdade da Mata inicia a criação de uma coudelaria que reflete a
filosofia dos proprietários: “Biodiversidade, sustentabilidade, qualidade e
bem-estar animal devem ser uma realidade e não apenas palavras-chave.”
Carlos
esclarece que “a aposta é feita na qualidade e não na quantidade. Atualmente,
entre cavalos de clientes e cavalos nossos, temos cerca de 50 cavalos. Os
nossos cavalos, aqueles que criamos, acompanhamos desde que nascem até à fase
adulta. Até que possam ser montados, desenvolver o bom carácter, o bom ensino.
Começam a ser montados aos três anos. A pessoa que vem comprar um cavalo aqui,
à Herdade da Mata, tem a segurança e a certeza de que leva um cavalo
equilibrado em termos morfológicos e mentais.”
Não
é por acaso que entre os cavalos que foram criados na Herdade da Mata há vários
premiados. Afinal, o tempo e respeito dedicado a cada cavalo é um investimento
que dá dividendos.
A
maioria dos clientes da coudelaria são estrangeiros mas também há portugueses.
Os alemães são, atualmente, os principais clientes da coudelaria da Herdade da
Mata, mas ingleses e suíços também são uma referência.
O respeito pela natureza e animais
Depois
de uma conversa onde, de forma sucinta, Barbara e Georg tentaram resumir 26
anos de trabalho na construção do objetivo de “criar algo muito especial na
paisagem e atmosfera únicas do Alentejo!”, enquanto os Thomann me levam a
conhecer a Herdade, Carlos vai até ao picadeiro para montar.
É
a bordo de um “experiente Land Cruiser” que avançamos num safari sem animais
ferozes. À beira da barragem de 600 mil metros cúbicos, enquanto não chegam os
flamingos, são as famílias de patos que marcam o cenário. Depois de alguns
momentos de contemplação deixamos a zona da barragem e avançamos em busca de
cavalos e vacas. Entre os solavancos de quem se mete por um terreno sem
estrada, os Thomann lembram as ocasiões em que recebem as visitas dos netos que
saem da Suíça para viverem dias de “liberdade total” no Alentejo.
Um
pouco mais à frente, à sombra de um sobreiro, encontramos três cavalos perto de
um bebedouro. Georg explica que “cinco furos e seis charcas ajudam a que exista
sempre água nos bebedouros automáticos espalhados pelas diferentes cercas”. Em
plena liberdade, com alimento e água sempre disponíveis, à medida que avançamos
vamos avistando bezerros, vacas, potros e cavalos que vivem no paraíso que
Barbara e Georg Thomann criaram no Alentejo.
Ao
longo da tarde passada na Herdade da Mata foi fácil perceber a paixão pelos
animais e a preocupação com o respeito pela natureza que aqui se vive. Afinal,
tendo em conta dimensão da propriedade e o número de animais que vivem no
espaço (entre vacas e bezerros não há mais de 300 animais) é legítimo dizer que
estamos perante um regime “super-extensivo”, num mais que perfeito equilíbrio
entre produção e bem-estar animal. Luís Guita – Portugal in “Swissinfo”
Sem comentários:
Enviar um comentário