Uma refinaria que produz combustíveis a partir da luz solar e do ar pode parecer uma ideia de ficção científica. Mas não é. Cientistas suíços afirmam ter feito exatamente isso e desenvolvido uma forma potencialmente escalável de produzir combustíveis sustentáveis. Agora, uma empresa suíça está a trabalhar para comercializar a tecnologia
Colocada
num telhado no centro de Zurique, a instalação branca parece uma antena
parabólica de um filme de James Bond apontando para o céu. Mas, ainda que
pareça, o equipamento não está a rastrear comunicações secretas. O dispositivo
exclusivo é uma mini refinaria solar que foi construída por cientistas do
instituto federal de tecnologia ETH Zurich para mostrar que é possível produzir
combustíveis neutros em carbono apenas a partir da luz solar e do ar.
Após
um estudo de viabilidade de dois anos, os pesquisadores dizem que a sua plataforma
de demonstração confirmou a operação "estável e confiável" para
produção de combustível solar. Os resultados foram publicados recentemente na
revista Nature.
“Foi uma odisseia incrível com fracassos e sucessos ao longo do caminho”, disse à swissinfo.ch Aldo Steinfeld, o professor da ETH que comanda a equipa. Mais de 20 teses de doutoramento fizeram parte do projeto que durou uma década.
As
suas descobertas podem abrir caminho para a produção de quantidades industriais
de "combustíveis drop-in" - alternativas sintéticas aos
combustíveis fósseis tradicionais, como querosene, gasolina ou diesel - que
podem ter um grande impacto na transição verde e ajudar na aviação de longo
curso e no setor de transporte mais sustentável. A pesquisa destaca-se porque
esses setores de transporte são responsáveis por 8% das emissões globais de
gases de efeito estufa. Mas ainda é necessário muito trabalho para expandir o
projeto e colocá-lo no mercado.
Processo termoquímico de múltiplos estágios
A
mini refinaria produz combustíveis líquidos como querosene ou metanol a partir
da luz solar e do ar por meio de um processo termoquímico de vários estágios.
Primeiro, uma unidade de captura direta de ar extrai dióxido de carbono e água
do ar ambiente. Então, o prato parabólico e o refletor concentram a luz do sol
por um fator de 3000, gerando uma temperatura de 1500 graus Celsius num pequeno
reator solar. No interior, o óxido de cério é reduzido e o oxigénio é libertado.
Numa segunda etapa, CO2 e água são adicionados para produzir o chamado gás de
síntese (monóxido de carbono e hidrogénio). No terceiro e último estágio, uma
unidade gás-líquido converte o gás de síntese em hidrocarbonetos líquidos ou
metanol.
A
mini refinaria solar atualmente produz cerca de meio decilitro de metanol puro
a partir de 100 litros de gás de síntese numa operação de sete horas. Esse
valor é muito pequeno para abastecer qualquer veículo, mas é uma demonstração
clara da viabilidade do processo e um “marco importante”, dizem os
pesquisadores.
A
antena da mini refinaria continuará na ETH Zurique e será instalada também uma
torre solar nos arredores de Madrid. Paralelamente, duas spin-offs
suíças — empresas criadas para explorar produtos inovadores, concebidas a
partir de um grupo de pesquisa — a Climeworks e Synhelion, fundadas por
ex-alunos de doutoramento de Steinfeld, estão a trabalhar para trazer as tecnologias
para o mercado. Enquanto a Climeworks comercializa a tecnologia para capturar
CO2 do ar, a Synhelion vai vender a tecnologia para a produção de combustíveis
solares a partir de CO2.
“Uma
combinação perfeita feita na Suíça”, declara Steinfeld.
Aumentando a escala
A
Synhelion, sediada em Zurique, que atualmente emprega 20 pessoas, anunciou no
mês passado que arrecadou CHF16 milhões (US$17 milhões) de investidores para
acelerar a comercialização da tecnologia de combustível solar.
Parte
do dinheiro será para a construção e operação do primeiro projeto industrial de
produção de combustíveis solares do mundo, localizado no Centro Aeroespacial
Alemão em Jülich, no oeste da Alemanha.
O
centro oferece ampla infraestrutura para os empresários suíços. A Synhelion
também tem apoio financeiro do Ministério Federal Alemão para os Assuntos Económicos
e Energia (BMWi), que recentemente doou € 3,92 milhões para o projeto.
“Estamos
a finalizar o último trabalho de instalação e começaremos no início de 2022 com
os testes do sistema. Em seguida, construiremos o nosso primeiro projeto em
escala industrial, o que inclui um campo de espelhos, torre, receptor, reator e
sistema de armazenamento de energia térmica. Ao lado da torre, um sistema de
síntese de combustível Fischer-Tropsch será instalado para converter o gás de
síntese em combustíveis líquidos”, explica o CEO e cofundador da Synhelion,
Philipp Furler.
Devido
à falta de luz solar confiável, a Alemanha e a Suíça não são lugares ideais
para a produção de combustível solar, admite. Mas Jülich é um local perfeito
para a instalação, diz Furler.
“É
a maneira mais rápida, simples e fácil de demonstrar a tecnologia de A a Z em
escala industrial”, comenta.
O
próximo passo será construir um projeto comercial um pouco maior na ensolarada
Espanha, que pode operar continuamente para produzir grandes quantidades de
combustível e reduzir os custos de produção.
Synhelion
tem planos ambiciosos. A partir de 2023, o projeto de Jülich deve começar a
produzir 10000 litros de combustível solar por ano. Quando a instalação
espanhola estiver operacional a partir de 2025, isso deve aumentar para 1,6
milhão de litros por ano. A empresa de Furler já está a planear uma meta de
produção de 875 milhões de litros por ano para 2030.
Quotas de combustível solar
Synhelion
e Climeworks estão a atrair muito interesse. No mês passado, a ministra suíça
do Meio Ambiente, Simonetta Sommaruga, visitou as duas empresas em Zurique para
saber mais sobre o seu trabalho. As discussões também abordaram as próximas
etapas de produção e o apoio governamental.
Embora
a tecnologia esteja bem avançada, várias mudanças são necessárias para melhorar
a eficiência. Os principais desafios, diz Furler, envolvem a integração dos
componentes-chave num sistema inteiro.
Os
especialistas dizem que a próxima etapa mais difícil da implementação será
superar a barreira do alto preço inicial. O combustível solar da Synhelion será
inicialmente mais caro do que o preço do combustível fóssil e do querosene. A
Synhelion estima que a produção de 700000 toneladas de combustível solar por
ano, até 2030, o que poderia cobrir cerca de metade do consumo de combustível
de aviação da Suíça, custará várias centenas de milhões de francos suíços. Os
impostos sobre o carbono provavelmente não serão suficientes para reduzir os
custos.
O
ministro suíço disse que os formuladores de políticas devem ajudar a criar
condições estruturais claras para ajudar as empresas a planear com
antecedência.
“Podemos,
por exemplo, introduzir uma cota de mistura de combustíveis sintéticos na
aviação para ajudar a criar um novo mercado”, declarou.
Aldo
Steinfeld também acredita que as cotas podem ajudar a acompanhar a tecnologia e
o futuro desenvolvimento dos combustíveis sustentáveis.
“As
companhias aéreas e os aeroportos poderiam ser obrigados a ter uma participação
mínima de querosene solar no volume total de combustível de aviação que colocam
nas suas aeronaves”, observa ele.
Começando
com pouco — apenas 1% do combustível de um avião poderia ser querosene solar,
por exemplo — para manter os custos totais do combustível baixos, uma cota
levaria a investimentos em fábricas de combustível solar e, por sua vez, a
custos decrescentes semelhantes aos da eletricidade eólica e solar.
“Quando
a cota chegar a 10-15%, poderemos então ver os custos do querosene solar
próximos aos do querosene fóssil. É uma estratégia de fácil implantação”,
afirma o professor da ETH.
Hoje,
os combustíveis sustentáveis para a aviação (SAFs) são caros e estão a ser
usados apenas em quantidades limitadas por algumas companhias aéreas,
misturados com o combustível normal. Mas a International Air Transport
Association (IATA), a organização guarda-chuva do setor, quer aumentar
maciçamente o uso de combustíveis menos danosos ao ambiente. A entidade
introduziu um compromisso não vinculativo para reduzir as emissões de CO2 até
2050, no qual a quantidade de SAFs usados pela indústria deve aumentar de 2%
em 2025 para 65% em 2050. Simon Bradley – Reino Unido in “Swissinfo”
Sem comentários:
Enviar um comentário