Cerca
de 50% dos rins provenientes de dadores falecidos são rejeitados para
transplante porque os métodos atuais de classificação de biópsias renais, um
meio essencial para o médico decidir se o órgão doado pode ou não ser
utilizado, são subjetivos e propensos a erros de avaliação.
Para
tentar ultrapassar este problema, uma equipa de investigadores da Faculdade de
Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC) e médicos do Centro Hospitalar e
Universitário de Coimbra (CHUC), com a colaboração da Universidade de Buffalo,
nos EUA, está a desenvolver um algoritmo inteligente que permita auxiliar os
médicos especialistas na complexa tarefa de avaliar as biópsias renais de
dadores falecidos no momento da colheita, o designado tempo-zero.
A
biópsia fornece informação essencial para a avaliação da qualidade do órgão, se
reúne ou não condições para ser implantado no recetor. Porém, os atuais métodos
de classificação das biópsias renais são visuais, semiquantitativos e, por
vezes, imprecisos, ou seja, «é um exame que resulta da observação humana e
depende muito da experiência do especialista que interpreta os resultados,
sendo difícil prever a evolução do órgão a longo prazo. É uma análise
semiquantitativa porque está sujeita à forma como o clínico classifica uma
imagem. O médico observa, avalia determinadas estruturas e toma uma decisão
sobre a qualidade ou não do órgão. É um processo muito manual, laborioso e
subjetivo, suscetível de gerar o desperdício de órgãos que poderiam ser
utilizados», explica Luís Rodrigues, investigador principal do projeto, que foi
recentemente distinguido pela Sociedade Portuguesa de Nefrologia.
«A melhor opção terapêutica para tratar doentes com insuficiência renal muito grave, dependentes de hemodiálise, é o transplante, mas debatemo-nos com a escassez de órgãos, um grande problema. Em Portugal a taxa de incidência de doença renal terminal tratada é uma das maiores da Europa, e a lista de espera para transplante aumenta todos os anos, sendo por isso urgente desenvolver ferramentas que permitam aumentar o número de órgãos disponíveis para transplante e otimizar a sua alocação, melhorando assim a sobrevida e qualidade de vida dos recetores dos órgãos», frisa o também médico do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC).
A
equipa do projeto não tem dúvidas de que a inteligência artificial (IA) pode
ser uma grande aliada para evitar o desperdício de órgãos. Mas não só. Luís
Rodrigues esclarece que o grande objetivo da investigação, que faz parte do seu
doutoramento, orientado pelo professor Rui Alves, é desenvolver um algoritmo
inteligente de análise de imagem que «além de aumentar a eficácia e precisão da
caracterização morfológica dos rins doados, também melhore a alocação dos
órgãos, com correspondência de longevidade entre dador e recetor».
«Os
dados obtidos através da análise computacional podem fortalecer
significativamente a nossa capacidade de prever os resultados do transplante e
otimizar o uso e a alocação de órgãos. Quanto mais durarem os órgãos que nós
implantamos, menor é a possibilidade de um segundo transplante e menor é a
possibilidade de precisarmos de mais um dador», nota o investigador da FMUC.
Se
o desenvolvimento de um novo meio de diagnóstico, baseado em inteligência
artificial, que permita uma abordagem robusta e sistemática de análise de
biópsias renais for bem-sucedido, Luís Rodrigues estima que «entre 10 e 25% dos
órgãos que atualmente são rejeitados poderão ser aproveitados». No entanto,
acautela, até conseguir um algoritmo robusto para ser aplicado na patologia
renal, a equipa ainda tem muito trabalho pela frente. Neste momento, os
investigadores estão a recolher informação junto de doentes renais envolvidos
no projeto. Os dados obtidos na amostragem clínica serão aplicados na
aprendizagem e no treino do algoritmo.
O
projeto, com o título “Redes neurais convolucionais para avaliação de biópsias
de dadores cadáver de rim em tempo-zero”, decorre na Unidade de Transplante
Renal do CHUC, envolvendo a colaboração dos serviços de Nefrologia, de Urologia
e Transplantação Renal e de Anatomia Patológica. Além de Luís Rodrigues e Rui
Alves, a equipa portuguesa é constituída por Vitor Sousa, Rui Almeida, Ana
Pimenta, Catarina Romãozinho, Lídia Santos, Edgar Silva e Arnaldo Figueiredo. Universidade
de Coimbra- Portugal
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