Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Galiza - Menos mal que nos queda Portugal!

Algumas pessoas consideram que cambiar a ortografia da nossa língua, assemelhando-se mais a modalidade que se desenvolveu além Minho e não ao espanhol, seria próprio dos que querem fugir do âmbito espanholista para cair nas garras do lusismo, e inclusive alguns pretendem que o que cumpre é ter uma normativa própria, independente das duas, que até o momento presente não se realizou, salvo que se lhe chame assim ao feito de criar palavras artificiais, como “respecto”, que nunca ninguém pronunciou nem pronuncia no nosso pais, ou recorrer a diferencialismos artificiais derivando as palavras do nominativo latino, como tempada, quando o normal é fazê-lo a partir do genitivo, como em temporada, jurídico, etc. Os que assim pensam continuam sendo reféns da atração espanholista e parece que sentem vertigem de soltar amarras mentais com a normativa atual da nossa língua, imposta polo governo de Alianza Popular de Galicia, nomeadamente polo conselheiro da Presidência, José Luís Barreiro Rivas, um espanholista de pro e antinacionalista, e o Conselheiro de Cultura e reconhecido franquista, José Filgueira Valverde, em contra do decreto de Carvalho Calero e da tradição histórica da RAC, agora reconvertida à normativa oficialista.

Os defensores da normativa atual pretendem defender a sua opção apoiando-se na autoridade do magnífico literato José Luis Méndez Ferrín, merecedor do meu apoio e admiração. Creio que os que assim obram são vítimas do efeito psicológico de halo, que consiste na tendência a considerar como bom em todas as ramas do saber a aquele que destaca nalguma. A isto se deve que vários partidos da direita extrema solicitem o apoio entusiasta do prémio nóbel de literatura Vargas Llosa, que sempre se saldou com um fracasso estrepitoso. Méndez Ferrín defende um posicionamento político bastante isolado da realidade, como já tive ocasião de manifestar-lho no Congresso da AELG do ano 1981, ao que também assistiu Carvalho Calero, Manuel Maria, etc.  Ferrín defendia que a revolução a faz o proletariado, mas não soubo citar nenhum exemplo em que isto acontecesse. Ele defende claramente a repressão contra os reintegracionistas, mas quiçá deveria ser mais cauto, porque por vezes inventa palavras que não se compadecem com nenhuma norma, como “decer”, que provém do infinitivo do verbo latino dico, que é “dicere”; portanto o normal numa ortografia mais próxima ao latim, deveria ser dicer ou dizer, como dizem os amigos portugueses e nunca dicir nem decir. Não serei eu quem solicite sanções para ele, senão respeito, especialmente porque, como dizia Horácio, os poetas e pintores sempre tiveram uma razoável potestade de ousar qualquer cousa.

Não se trata de eleger entre Espanha e Portugal senão entre Galiza e Espanha; de desprender-nos duma legislação repressora, que impede claramente o desenvolvimento da nossa língua, cultura, economia, etc. mas não para ser Madeira ou as Açores, que tampouco Portugal o pretende, senão para sermos autenticamente galegos, ao estilo de Bélgica, Chipre, Malta, Luxemburgo, Eslovênia, … um pequeno país com personalidade própria numa Europa dos povos. Alguém pensa que se pode normalizar o nosso idioma numa Espanha que ainda quer limitar mais os estatutos de autonomia depois de ser invalidados de facto polos Tribunal Constitucional irregularmente constituído ad hoc em 2010? Metamo-nos duma vez na cabeça que os estatutos de autonomia são puras concessões graciosas do Estado a mercê do que decidam os partidos espanholistas, especialmente os do bipartidismo, com as muletas de C’s e Vox.  O legislativo catalão aprovou a imersão linguística para robustecer o seu idioma em perigo de extinção, mas o TSJC determinou que têm que dar em espanhol polo menos o 25 por cento do ensino, e isto num país no que todo o mundo fala perfeitamente o espanhol e de que muitos catalães não sabem falar catalão.

Esta repressão não é nova, pois já começou em 1985 em que o delegado do governo espanhol na Galiza, o presidente da RAC Domingo García Sabell recorreu a lei de normalização linguística de Galiza que pretendia pôr ao mesmo nível na Galiza o espanhol e o galego, recurso que foi falhado favoravelmente polo TC. Em base a que? Na CE espanhola não há nada que impeça que o galego tenha a mesma oficialidade na Galiza que o espanhol, mas isto agora é inconstitucional e não permite tomar as medidas pertinentes para que o nosso idioma sobreviva.

O regime borbónico-franquista, corrupto e repressor dos direitos dos povos asfixia os povos com personalidade de seu, e Portugal, com um regime muito mais moderno e democrático, pode facilitar o nosso desenvolvimento, e dar-lhe projeção internacional à nossa língua, igual que a deles ainda que com características específicas, e, por conseguinte, remedando a Siniestro Total, podemos dizer: menos mal que nos queda Portugal. Ramon Punhal – Galiza in “Portal Galego da Língua”

Ramom Varela Punhal - Nascido em Carvalho em 1942. Estudoi Teologia na Universidade Pontifícia de Salamanca, e Liturgia no Instituto Superior de Pastoral, em Madrid; Filosofia na Universidade de Pamplona e Filosofia, Psicologia e Organização do Trabalho na Universidade de Lovaina, Bélgica. Doutor em Filosofia pela Universidade de Santiago. Catedrático de Filosofia reformado.   

 

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