A Bacia do Okavango, entre a Namíbia e o Botsuana, está, com a conclusão dos "promissores" estudos sísmicos, à beira de se transformar num gigantesco projecto de exploração de petróleo onshore, tendo mesmo, quando foi noticiado que a pesquisa iria ter início, em 2020, sido apelidado por especialistas como a última grande descoberta viável da história do petróleo como a principal fonte de energia mundial antes da conclusão da transição energética, para as energias limpas, por causa das alterações climáticas. Mas o país vizinho também tem novidades importantes no seu offshore
Em
Outubro de 2020 a empresa Reconnaissance Energy Africa (ReconAfrica) anunciou
ao mundo que tinha ganho direitos de pesquisa em 35 mil quilómetros quadrados
na Bacia do Okavango, uma das mais conhecidas reservas ambientais protegidas em
todo o mundo, que se estende ao longo de cinco países, Angola, Botsuana,
Namíbia, Zimbabué e Zâmbia, com ramificações ainda na África do Sul, e que
vive, sobretudo, mas não só, das águas das chuvas no Planalto Central angolano
e escorrem depois, por diversas linhas de água, para sul.
Esta
notícia levou ao surgimento de protestos de ambientalistas em todo o mundo, mas
especialmente na Namíbia, onde foram mesmo realizados protestos populares e
formais junto do Governo de Windhoek, porque o Okavango é uma área extremamente
sensível e frágil perante a possibilidade do avanço da extracção de petróleo e
gás a partir do "fracking", uma tecnologia altamente poluente que
consiste em injectar águas e químicos corrosivos a altas pressões e a grande
profundidade de forma a fazer implodir a rocha que contém a matéria-prima,
deixando um rasto de destruição nos lençóis freáticos mas também nos cursos de
água de superfície.
Agora,
menos de dois anos depois do início dos trabalhos de pesquisa, a ReconAfrica,
uma pequena empresa canadiana, cuja actividade se cinge à prospecção e possível
extracção nos 35 mil km2 do Okavango, onde possui direitos para tal, emitidos
pelos governos do Botsuana e da Namíbia, como avança James Stafford,
editor-chefe do site especializado OIlPrice, vem anunciar que está prestes a
concluir a interpretação dos dados sísmicos em 2D recolhidos neste tempo em 450
km da Bacia do Okavango namibiana.
E
o que a ReconAfrica já disse foi que os dados permitem concluir, embora ainda
numa fase inicial da interpretação, que existe no subsolo local um "grupo
diverso de perspectivas de alta qualidade" para avançar com a fase da
perfuração, ao mesmo tempo que anunciava que estava em curso a preparação para
avançar com o mesmo tipo de estudos sísmicos noutros 500 km2.
A
petrolífera canadiana estima que, estando, para isso, dependente das
autorizações do Governo de Windhoek, que a primeira perfuração possa ter lugar já
nos primeiros meses deste ano, até finais de Abril, mais tardar.
Uma
das estratégias da ReconAfrica para convencer o Governo namibiano é o apoio
significativo à campanha nacional de vacinação contra a Covid-19, que já vai em
cerca de um milhão USD, e ainda pequenos projectos de desenvolvimento,
incluindo escolas, estradas... para as comunidades espalhadas pela área onde
decorrem os estudos sísmicos e poderão, no futuro, erguer-se as torres de
extracção onshore neste megaprojecto de exploração de crude através do
fracking.
Negócio apetecível
Mas
o que este projecto, que poderá colocar a Namíbia (Angola também está a dar
passos no sentido de permitir a exploração petrolífera nos seus parques
naturais) num lugar de destaque no mapa mundial dos países produtores e
exportadores de crude, como já sucede a Angola, não clarifica é o papel que a
existência formal de uma região protegida como a Bacia do Okavango atribui aos
países que a partilham e de que modo os vizinhos Angola, Zimbabué, Zâmbia podem
ou não ter uma palavra a dizer quando ao avanço do fracking nesta parte do
continente.
Oficialmente,
o que a empresa tem afirmado é que adquiriu os direitos de exploração em cerca
de 26,3 mil km2 na Namíbia e perto de 10 mil km2 na parte sob responsabilidade
do Botsuana, que poderão, sendo que udo indica que assim venha a ser,
transformar-se num gigantesco campo petrolífero que, por exemplo, é já
comparado no meio à bem conhecida Bacia do Permiana, no Texas, EUA, podendo
evoluir para o mais rentável projecto petrolífero onshore em todo o
planeta.
A
Bacia do Okavango, que tem a maior parte da sua extensão em território da
Namíbia e do Botsuana, mas que também de estende para Angola, Zimbabué, Zâmbia
e África do Sul, é apontada como local, especialmente na área geográfica
limitada pelo território namibiano, de grande potencial para a exploração
comercial de hidrocarbonetos, havendo mesmo estudos em curso que o demonstram
de forma clara.
Pode-se ainda salvar a Bacia do Okavango?
A
especial importância desta região, de grande fragilidade ambiental, só é
igualável à urgência de a salvaguardar porque dela dependem não só extensas
comunidades humanas mas essencialmente milhares de espécies da fauna e da flora
africanas, muitas delas únicas no mundo, alimentada pelo Rio Okavango, que é
recebedor de vários efluentes com origem e nascentes no Planalto Central de
Angola.
E
essa fragilidade ambiental pode mesmo levar a que as perfurações e futura
exploração de hidrocarbonetos na região do Okavango seja protelada - organismos
locais e internacionais de defesa do ambiente estão empenhados nisso - até que
a sua extracção comercial se torne inútil ou pouco atractiva devido à revolução
que o mundo vive para combater as alterações climáticas que estão a ameaçar o
planeta Terra e a sustentabilidade da vida tal como a conhecemos.
Tanto
os governos de Windhoek como de Gaborone deram já oficialmente autorização para
a pesquisa a esta empresa com inscrição em bolsa no Canadá, tendo a ReconAfrica
admitido já que se trata de uma das maiores reservas onshore - em terra
- de todo o mundo, ultrapassando mesmo uma das que é das mais conhecidas pelas
suas imensas reservas, a de Eagle Ford, no Texas, EUA, que as autoridades
norte-americanas consideram ser a maior em todo o mundo, incluindo petróleo e
gás.
Porém,
os riscos ambientais são de igual tamanho, sendo que o impacto que a exploração
de hidrocarbonetos onshore na Bacia do Okavango-Zambeze não tem paralelo
com a exploração no sul dos EUA, porque em causa está uma das mais importantes
áreas naturais protegidas de todo o mundo.
Uma
organização internacional de cientistas, denominada União dos Cientistas
Preocupados, emitiu, ainda em 2020, um sério aviso para os riscos considerando
que são "massivos" e que podem colocar mesmo em dissolução a prazo
todo o complexo natural do Okavango-Zambeze.
Em
causa está a tecnologia normalmente usada na extracção de crude e gás em terra,
conhecida por fracking, que consiste, em síntese, na injecção de água e
químicos altamente corrosivos no subsolo, implodindo a rocha para dela sugar
hidrocarbonetos, como sucede em grande dimensão nos Estados Unidos gerando
sérios problemas no ar respirável, na água dos lençóis freáticos e na vida e
flora selvagens, havendo registos confirmados de um grande aumento de doenças
cancerígenas entre as populações humanas.
Para
além das áreas naturais, parques naturais, pelo menos uma considerada como
património da humanidade, denominada Tsodilo Hills, no Botsuana, está ameaçada
por estes planos para extracção de crude e gás, estando ainda em causa a
comunidade San, a mais antiga comunidade humana na África Austral, a única que
não tem origem Bantu, que já se encontra fortemente ameaçada devido ao
"progresso".
O último fôlego da exploração petrolífera onshore
A
comunidade científica, incluindo proeminentes geólogos, geoquímicos e
perfuradores em todo o mundo admitem e concordam que o projecto existente para
a Bacia do Okavango pode muito bem ser a última grande fonte de hidrocarbonetos
onshore com viabilidade económica.
Isto,
porque, para além da revolução verde em curso em todo o mundo, que tende a
substituir a energia fóssil por energia verde, seja a eólica, a hídrica ou
solar, não são conhecidos quaisquer registos no planeta da existência de
reservas importantes onshore, incluindo a Nigéria e Angola, o 1º e o 2º
maiores produtores africanos onde pouco controlo existe sobre as consequências
ambientais do negócio do crude.
E
o problema é que as estimativas existentes apontam para a possibilidade de o
Okavango ser reservatório natural de mais de 120 mil milhões de barris de
petróleo, um número de tal modo gigante que só um esforço global de associações
defensoras do ambiente e a ONU poderá evitar este desastre ambiental em curso.
Como
comparação, para mensurar a importância destas alegadas reservas, Angola tem
comprovadas menos de 8 mil milhões de barris, a Nigéria cerca de 36 milhões e
os EUA não chegam sequer aos 38 mil milhões de barris, sendo que o país com
mais reservas provadas é a Venezuela, como cerca de 300 mil milhões enquanto a
Arábia Saudita tem pouco mais de 260 mil milhões de barris em reservas testadas.
Bill
Cathey, geólogo conhecido mundialmente e presidente do Earthfield Technologies,
em Houston, Texas, disse, na altura, que não existe em lado nenhum do mundo uma
bacia sedimentar com esta dimensão sem estar a produzir um único barril de
crude.
Todo o cuidado é pouco
Para
já, quem está à frente deste negócio e ou tem interesses, face ao período
histórico que se vive, onde o petróleo é visto, cada vez mais, como o mau da
fita ambiental, e quando as alterações climáticas são por demais evidentes,
levando a esforços nunca vistos no investimento em tecnologias na área das
energias verdes, a ReconAfrica mostra grade preocupação em garantir que cumpre
à letra as normas ambientais e que o Governo namibiano tem muito a ganhar com
este projecto que, segundo alguns geólogos ligados ao sector, tem um potencial
de largas centenas de milhões de barris.
Na
manga, os investidores têm o facto de a Namíbia ser um país com forte défice
energético, viver tempos difíceis devido às secas prolongadas, com o turismo
fragilizado devido à pandemia da Covid-19, e com a possibilidade de ter neste
projecto uma fonte de rendimento que poderá, pelo menos, colmatar uma parte
substancial dessas perdas de forma a manter o esforço de combater a pobreza
intramuros.
O fim da história do petróleo está próximo, mas quão
próximo?
O
planeta vive momentos quentes, com temperaturas a baterem recordes ano após
ano, com fogos imparáveis em todos os continentes, tempestades avassaladoras, as
calotes polares a derreter, milhões de deslocados em África devido à fome
provocada por períodos de secas nunca vistos...
Os
mais prestigiados cientistas, nos vários domínios, não parecem ter dúvidas...
por detrás desta tragédia ambiental em que o Planeta Terra está mergulhado,
está o petróleo, e isso parece ser, a prazo, a sua condenação.
Mas,
para já, não existe outra fonte de combustíveis com a densidade energética do
petróleo, o que garante a esta matéria-prima mais alguns anos de vida útil,
pelo menos até que as tecnologias novas possam substituir a sua densidade
energética, como, por exemplo, a exigida para manter um avião comercial
intercontinental no ar por horas a fio... ou fazer correr um porta-contentores
gigantes pelos mares em torno do mundo...
Os
ambientalistas admitem que o crude deixará de ser um negócio global em menos de
duas décadas, pondo, assim, fim a uma história que foi erguida em cima de quase
dois séculos, tendo o seu início, pelo menos na era moderna, começado, apesar
de haver opiniões divergentes, em 1959, quando foi furado o primeiro poço
comercial no estado norte-americano da Pensilvânia.
Desde
então, apesar do avanço do nuclear, das eólicas, da energia hídrica, solar... o
petróleo tem sido, ininterruptamente, rei e senhor da energia que move o mundo,
e cada suspiro no seu fornecimento, tem tido como consequências crises
gigantescas na saúde da economia global, como é disso exemplo as crises
energéticas geradas nas décadas de 1970, 1980... ou ainda, mais recente, o
acordo de controlo de produção da OPEP+, organização que agrega os países
exportadores (OPEP) e um grupo de independentes, liderados pela Rússia, que
desde 2017 gerem estrategicamente o fluxo de crude que chega aos mercados,
sendo a razão principal para os preços que hoje se verificam, acima dos 85 USD
por barril.
Com
este cenário em pano de fundo, o que surge como questão essencial é: vale a
pena destruir a pristina natureza da Bacia do Okavango para extrair alguns
milhões de barris num projecto que está condenado a prazo e pode tornar irreversível
a deterioração de um dos paraísos terrestres para milhares de espécies de fauna
e flora, algumas delas únicas nesta especiosa geografia na parte austral do
continente africano?
A descoberta da Shell
Entretanto,
a catapultar ainda mais a Namíbia para a condição de player global no sector,
e, quiçá, um dos maiores produtores africanos, a companhia holandesa Shell,
acaba de anunciar a descoberta de um gigantesco reservatório offshore na
costa da Namíbia, que pode valer mais de 22 mil milhões USD, incluindo uma
parte em gás natural.
Esta
descoberta, à qual está ainda ligada a Qatar Petroleum e a namibiana Namcor,
esta última com 10% e as outras duas com 45% cada, foi feita numa área onde
também estão a trabalhar na prospecção a norte-americana Exxon e a francesa
Total, na costa sul do país.
Curiosamente,
estas descobertas, são anunciadas depois de em 2021 o ministro da Energia, Tom
Alweendo, ter vindo a público sublinhar a decisão estratégica do Governo de
virar definitivamente para as energias verdes, apostando especialmente no
hidrogénio.
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