Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Namíbia - Com o avanço da pesquisa de petróleo na Bacia do Okavango o país prepara-se para se tornar num player global

A Bacia do Okavango, entre a Namíbia e o Botsuana, está, com a conclusão dos "promissores" estudos sísmicos, à beira de se transformar num gigantesco projecto de exploração de petróleo onshore, tendo mesmo, quando foi noticiado que a pesquisa iria ter início, em 2020, sido apelidado por especialistas como a última grande descoberta viável da história do petróleo como a principal fonte de energia mundial antes da conclusão da transição energética, para as energias limpas, por causa das alterações climáticas. Mas o país vizinho também tem novidades importantes no seu offshore


Em Outubro de 2020 a empresa Reconnaissance Energy Africa (ReconAfrica) anunciou ao mundo que tinha ganho direitos de pesquisa em 35 mil quilómetros quadrados na Bacia do Okavango, uma das mais conhecidas reservas ambientais protegidas em todo o mundo, que se estende ao longo de cinco países, Angola, Botsuana, Namíbia, Zimbabué e Zâmbia, com ramificações ainda na África do Sul, e que vive, sobretudo, mas não só, das águas das chuvas no Planalto Central angolano e escorrem depois, por diversas linhas de água, para sul.

Esta notícia levou ao surgimento de protestos de ambientalistas em todo o mundo, mas especialmente na Namíbia, onde foram mesmo realizados protestos populares e formais junto do Governo de Windhoek, porque o Okavango é uma área extremamente sensível e frágil perante a possibilidade do avanço da extracção de petróleo e gás a partir do "fracking", uma tecnologia altamente poluente que consiste em injectar águas e químicos corrosivos a altas pressões e a grande profundidade de forma a fazer implodir a rocha que contém a matéria-prima, deixando um rasto de destruição nos lençóis freáticos mas também nos cursos de água de superfície.

Agora, menos de dois anos depois do início dos trabalhos de pesquisa, a ReconAfrica, uma pequena empresa canadiana, cuja actividade se cinge à prospecção e possível extracção nos 35 mil km2 do Okavango, onde possui direitos para tal, emitidos pelos governos do Botsuana e da Namíbia, como avança James Stafford, editor-chefe do site especializado OIlPrice, vem anunciar que está prestes a concluir a interpretação dos dados sísmicos em 2D recolhidos neste tempo em 450 km da Bacia do Okavango namibiana.

E o que a ReconAfrica já disse foi que os dados permitem concluir, embora ainda numa fase inicial da interpretação, que existe no subsolo local um "grupo diverso de perspectivas de alta qualidade" para avançar com a fase da perfuração, ao mesmo tempo que anunciava que estava em curso a preparação para avançar com o mesmo tipo de estudos sísmicos noutros 500 km2.

A petrolífera canadiana estima que, estando, para isso, dependente das autorizações do Governo de Windhoek, que a primeira perfuração possa ter lugar já nos primeiros meses deste ano, até finais de Abril, mais tardar.

Uma das estratégias da ReconAfrica para convencer o Governo namibiano é o apoio significativo à campanha nacional de vacinação contra a Covid-19, que já vai em cerca de um milhão USD, e ainda pequenos projectos de desenvolvimento, incluindo escolas, estradas... para as comunidades espalhadas pela área onde decorrem os estudos sísmicos e poderão, no futuro, erguer-se as torres de extracção onshore neste megaprojecto de exploração de crude através do fracking.

Negócio apetecível

Mas o que este projecto, que poderá colocar a Namíbia (Angola também está a dar passos no sentido de permitir a exploração petrolífera nos seus parques naturais) num lugar de destaque no mapa mundial dos países produtores e exportadores de crude, como já sucede a Angola, não clarifica é o papel que a existência formal de uma região protegida como a Bacia do Okavango atribui aos países que a partilham e de que modo os vizinhos Angola, Zimbabué, Zâmbia podem ou não ter uma palavra a dizer quando ao avanço do fracking nesta parte do continente.

Oficialmente, o que a empresa tem afirmado é que adquiriu os direitos de exploração em cerca de 26,3 mil km2 na Namíbia e perto de 10 mil km2 na parte sob responsabilidade do Botsuana, que poderão, sendo que udo indica que assim venha a ser, transformar-se num gigantesco campo petrolífero que, por exemplo, é já comparado no meio à bem conhecida Bacia do Permiana, no Texas, EUA, podendo evoluir para o mais rentável projecto petrolífero onshore em todo o planeta.

A Bacia do Okavango, que tem a maior parte da sua extensão em território da Namíbia e do Botsuana, mas que também de estende para Angola, Zimbabué, Zâmbia e África do Sul, é apontada como local, especialmente na área geográfica limitada pelo território namibiano, de grande potencial para a exploração comercial de hidrocarbonetos, havendo mesmo estudos em curso que o demonstram de forma clara.

Pode-se ainda salvar a Bacia do Okavango?

A especial importância desta região, de grande fragilidade ambiental, só é igualável à urgência de a salvaguardar porque dela dependem não só extensas comunidades humanas mas essencialmente milhares de espécies da fauna e da flora africanas, muitas delas únicas no mundo, alimentada pelo Rio Okavango, que é recebedor de vários efluentes com origem e nascentes no Planalto Central de Angola.

E essa fragilidade ambiental pode mesmo levar a que as perfurações e futura exploração de hidrocarbonetos na região do Okavango seja protelada - organismos locais e internacionais de defesa do ambiente estão empenhados nisso - até que a sua extracção comercial se torne inútil ou pouco atractiva devido à revolução que o mundo vive para combater as alterações climáticas que estão a ameaçar o planeta Terra e a sustentabilidade da vida tal como a conhecemos.

Tanto os governos de Windhoek como de Gaborone deram já oficialmente autorização para a pesquisa a esta empresa com inscrição em bolsa no Canadá, tendo a ReconAfrica admitido já que se trata de uma das maiores reservas onshore - em terra - de todo o mundo, ultrapassando mesmo uma das que é das mais conhecidas pelas suas imensas reservas, a de Eagle Ford, no Texas, EUA, que as autoridades norte-americanas consideram ser a maior em todo o mundo, incluindo petróleo e gás.

Porém, os riscos ambientais são de igual tamanho, sendo que o impacto que a exploração de hidrocarbonetos onshore na Bacia do Okavango-Zambeze não tem paralelo com a exploração no sul dos EUA, porque em causa está uma das mais importantes áreas naturais protegidas de todo o mundo.

Uma organização internacional de cientistas, denominada União dos Cientistas Preocupados, emitiu, ainda em 2020, um sério aviso para os riscos considerando que são "massivos" e que podem colocar mesmo em dissolução a prazo todo o complexo natural do Okavango-Zambeze.

Em causa está a tecnologia normalmente usada na extracção de crude e gás em terra, conhecida por fracking, que consiste, em síntese, na injecção de água e químicos altamente corrosivos no subsolo, implodindo a rocha para dela sugar hidrocarbonetos, como sucede em grande dimensão nos Estados Unidos gerando sérios problemas no ar respirável, na água dos lençóis freáticos e na vida e flora selvagens, havendo registos confirmados de um grande aumento de doenças cancerígenas entre as populações humanas.

Para além das áreas naturais, parques naturais, pelo menos uma considerada como património da humanidade, denominada Tsodilo Hills, no Botsuana, está ameaçada por estes planos para extracção de crude e gás, estando ainda em causa a comunidade San, a mais antiga comunidade humana na África Austral, a única que não tem origem Bantu, que já se encontra fortemente ameaçada devido ao "progresso".

O último fôlego da exploração petrolífera onshore

A comunidade científica, incluindo proeminentes geólogos, geoquímicos e perfuradores em todo o mundo admitem e concordam que o projecto existente para a Bacia do Okavango pode muito bem ser a última grande fonte de hidrocarbonetos onshore com viabilidade económica.

Isto, porque, para além da revolução verde em curso em todo o mundo, que tende a substituir a energia fóssil por energia verde, seja a eólica, a hídrica ou solar, não são conhecidos quaisquer registos no planeta da existência de reservas importantes onshore, incluindo a Nigéria e Angola, o 1º e o 2º maiores produtores africanos onde pouco controlo existe sobre as consequências ambientais do negócio do crude.

E o problema é que as estimativas existentes apontam para a possibilidade de o Okavango ser reservatório natural de mais de 120 mil milhões de barris de petróleo, um número de tal modo gigante que só um esforço global de associações defensoras do ambiente e a ONU poderá evitar este desastre ambiental em curso.

Como comparação, para mensurar a importância destas alegadas reservas, Angola tem comprovadas menos de 8 mil milhões de barris, a Nigéria cerca de 36 milhões e os EUA não chegam sequer aos 38 mil milhões de barris, sendo que o país com mais reservas provadas é a Venezuela, como cerca de 300 mil milhões enquanto a Arábia Saudita tem pouco mais de 260 mil milhões de barris em reservas testadas.

Bill Cathey, geólogo conhecido mundialmente e presidente do Earthfield Technologies, em Houston, Texas, disse, na altura, que não existe em lado nenhum do mundo uma bacia sedimentar com esta dimensão sem estar a produzir um único barril de crude.

Todo o cuidado é pouco

Para já, quem está à frente deste negócio e ou tem interesses, face ao período histórico que se vive, onde o petróleo é visto, cada vez mais, como o mau da fita ambiental, e quando as alterações climáticas são por demais evidentes, levando a esforços nunca vistos no investimento em tecnologias na área das energias verdes, a ReconAfrica mostra grade preocupação em garantir que cumpre à letra as normas ambientais e que o Governo namibiano tem muito a ganhar com este projecto que, segundo alguns geólogos ligados ao sector, tem um potencial de largas centenas de milhões de barris.

Na manga, os investidores têm o facto de a Namíbia ser um país com forte défice energético, viver tempos difíceis devido às secas prolongadas, com o turismo fragilizado devido à pandemia da Covid-19, e com a possibilidade de ter neste projecto uma fonte de rendimento que poderá, pelo menos, colmatar uma parte substancial dessas perdas de forma a manter o esforço de combater a pobreza intramuros.

O fim da história do petróleo está próximo, mas quão próximo?

O planeta vive momentos quentes, com temperaturas a baterem recordes ano após ano, com fogos imparáveis em todos os continentes, tempestades avassaladoras, as calotes polares a derreter, milhões de deslocados em África devido à fome provocada por períodos de secas nunca vistos...

Os mais prestigiados cientistas, nos vários domínios, não parecem ter dúvidas... por detrás desta tragédia ambiental em que o Planeta Terra está mergulhado, está o petróleo, e isso parece ser, a prazo, a sua condenação.

Mas, para já, não existe outra fonte de combustíveis com a densidade energética do petróleo, o que garante a esta matéria-prima mais alguns anos de vida útil, pelo menos até que as tecnologias novas possam substituir a sua densidade energética, como, por exemplo, a exigida para manter um avião comercial intercontinental no ar por horas a fio... ou fazer correr um porta-contentores gigantes pelos mares em torno do mundo...

Os ambientalistas admitem que o crude deixará de ser um negócio global em menos de duas décadas, pondo, assim, fim a uma história que foi erguida em cima de quase dois séculos, tendo o seu início, pelo menos na era moderna, começado, apesar de haver opiniões divergentes, em 1959, quando foi furado o primeiro poço comercial no estado norte-americano da Pensilvânia.

Desde então, apesar do avanço do nuclear, das eólicas, da energia hídrica, solar... o petróleo tem sido, ininterruptamente, rei e senhor da energia que move o mundo, e cada suspiro no seu fornecimento, tem tido como consequências crises gigantescas na saúde da economia global, como é disso exemplo as crises energéticas geradas nas décadas de 1970, 1980... ou ainda, mais recente, o acordo de controlo de produção da OPEP+, organização que agrega os países exportadores (OPEP) e um grupo de independentes, liderados pela Rússia, que desde 2017 gerem estrategicamente o fluxo de crude que chega aos mercados, sendo a razão principal para os preços que hoje se verificam, acima dos 85 USD por barril.

Com este cenário em pano de fundo, o que surge como questão essencial é: vale a pena destruir a pristina natureza da Bacia do Okavango para extrair alguns milhões de barris num projecto que está condenado a prazo e pode tornar irreversível a deterioração de um dos paraísos terrestres para milhares de espécies de fauna e flora, algumas delas únicas nesta especiosa geografia na parte austral do continente africano?

A descoberta da Shell

Entretanto, a catapultar ainda mais a Namíbia para a condição de player global no sector, e, quiçá, um dos maiores produtores africanos, a companhia holandesa Shell, acaba de anunciar a descoberta de um gigantesco reservatório offshore na costa da Namíbia, que pode valer mais de 22 mil milhões USD, incluindo uma parte em gás natural.

Esta descoberta, à qual está ainda ligada a Qatar Petroleum e a namibiana Namcor, esta última com 10% e as outras duas com 45% cada, foi feita numa área onde também estão a trabalhar na prospecção a norte-americana Exxon e a francesa Total, na costa sul do país.

Curiosamente, estas descobertas, são anunciadas depois de em 2021 o ministro da Energia, Tom Alweendo, ter vindo a público sublinhar a decisão estratégica do Governo de virar definitivamente para as energias verdes, apostando especialmente no hidrogénio.

Estas descobertas, ainda em fase inicial e com detalhes substanciais por revelar, pode ser um risco acrescido para Angola, visto que, se o breakeven da exploração destes depósitos, e se estes vierem a ser multiplicados, for inferior ao que ocorre em Angola, onde as suas maiores reservas estão em águas profundas e ultra-profundas, as companhias podem optar pelo país vizinho nestes últimos anos de exploração comercial viável da matéria-prima. Ricardo Bordalo – Angola in “Novo Jornal”

 



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