Equipa de Sónia Melo identificou forma de bloquear circuito de comunicação entre células cancerígenas e descobriu uma proteína essencial à evolução do tumor pancreático, abrindo portas a novas vias terapêuticas
Conhecido
como uma doença silenciosa, geralmente detetada em fases avançadas, o cancro do
pâncreas é um dos cancros mais letais, com uma taxa de sobrevida aos cinco anos
inferior a 10%. Ou seja, em cem pessoas diagnosticadas, menos de dez estarão
vivas passados cinco anos. Os avanços da ciência sobre este tipo de tumor são,
por isso, urgentes. E a descoberta recente feita por uma equipa de
investigadores do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade
do Porto (i3S), liderada por Sónia Melo, desvenda novas possibilidades
terapêuticas que podem trazer maior esperança para futuros tratamentos.
Sónia
Melo e a sua equipa descobriram que, em tumores pancreáticos, são as células
estaminais cancerígenas que comandam e transmitem as diretrizes para o tumor
poder crescer e sobreviver. Essas células estaminais são capazes de comunicar
com as outras células do tumor através de vesículas extracelulares, dando-lhes
ordens para que o tumor cresça e resista à quimioterapia. Mais do que isso, o
estudo, que é publicado nesta terça-feira (11) na revista Gut, demonstra também que
impedindo esta comunicação entre as células, o tumor não cresce.
"Já
se sabia que as células tumorais comunicam entre si. O que nós descobrimos é
que isso não é um evento ao acaso. Há uma hierarquia bem estabelecida",
refere a investigadora, em conversa com o DN. Os tumores pancreáticos são
compostos por diferentes populações de células cancerígenas (estaminais e não
estaminais) que comunicam entre si através da secreção de vesículas extracelulares
(EV) e os investigadores do i3S descobriram que, "apesar de serem em muito
menor número, são as células estaminais as que mais comunicam com as outras
células", numa rede de comunicação organizada e com uma hierarquia
definida chamada EVNet.
"Imaginemos
que há cem pessoas numa sala e que é apenas um subgrupo de seis dessas pessoas
que fornece toda a informação vital para esse conjunto de cem pessoas. É o que
acontece com as células estaminais que dão as instruções às outras células
cancerígenas sobre as condições necessárias para o tumor crescer e responder
melhor aos ataques, como a quimioterapia", explica Sónia Melo.
Ora,
o trabalho da investigadora do i3S descobriu que quando foi cortada "a
comunicação entre as células estaminais cancerígenas e as outras células
cancerígenas", quer através da ação de pequenas moléculas quer através de
anticorpos ou de terapia génica, a intervenção "impediu o crescimento do
tumor".
O
estudo utilizou "amostras de tumores pancreáticos de pacientes do Centro
Hospitalar Universitário de São João que foram introduzidos em ratinhos e, com
recurso a moléculas que inibem a comunicação entre células, conseguimos travar
a progressão do tumor", explica Sónia Melo.
Além
de estudar o circuito de comunicação entre as células cancerígenas nos tumores
no pâncreas, a equipa de Sónia Melo foi depois investigar "o conteúdo
dessa comunicação", diz ao DN. E descobriu que no interior das vesículas
extracelulares secretadas pelas células estaminais cancerígenas existe uma
proteína chamada Agrin. "E é esta proteína que, quando enviada às outras
células, impulsiona o tumor a crescer e a resistir aos tratamentos de
quimioterapia", conta. Adicionalmente, diz, "utilizámos anticorpos
para bloquear a proteína Agrin e verificámos igualmente uma desaceleração no crescimento
do tumor."
Para
a investigadora, as duas opções - sejam a utilização de moléculas para impedir
a comunicação entre as células cancerígenas ou de anticorpos para bloquear a
proteína Agrin - "apresentam potencial como soluções terapêuticas a
aplicar pelos clínicos aos doentes com cancro do pâncreas com o objetivo de
travar a progressão do tumor e minimizar a resistência terapêutica".
Em
colaboração também com os hospitais da Luz e Beatriz Ângelo, a equipa do i3S
analisou o sangue de pacientes com cancro pancreático e verificou que "os
que apresentam maior número de vesículas extracelulares positivas para a
proteína Agrin em circulação no sangue têm um risco três vezes maior de
progressão da doença". O que, sublinha a investigadora, revela que
"essas vesículas agrin-positivas são potenciais biomarcadores para
determinar a resposta à terapia e o risco de progressão do tumor pancreático",
permitindo "identificar doentes com perfil de maior risco e com maior
dificuldade para resistir à quimioterapia".
Em
Portugal, surgem anualmente cerca de 1800 casos e as estimativas sugerem que,
em 2030, o cancro do pâncreas seja a segunda causa de morte por cancro.
"Estes tumores são geralmente resistentes à quimioterapia e ainda não
existem outras opções terapêuticas eficazes para estes pacientes. Conhecer a
biologia destes tumores é, por isso, fundamental para encontrar novos alvos
terapêuticos que permitam melhorar a qualidade de vida destes pacientes",
frisa Sónia Melo, cujo trabalho foi desenvolvido em parte no âmbito do Porto
Comprehensive Cancer Center, um consórcio pioneiro em Portugal que pretende
encurtar o ciclo de descoberta científica em cancro, aproximando a investigação
básica e a prática clínica. Rui Frias – Portugal in “Diário
de Notícias”
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