Filho do macaense Leopoldo Danilo Barreiros, divulgador de Camilo Pessanha e de Wenceslau de Moraes e presidente da Associação Wenceslau de Moraes, Pedro Barreiros faleceu este domingo vítima de doença prolongada. Quem com ele privou, descreve-o como um médico humanista e um importante divulgador da cultura macaense. Deixa por publicar uma autobiografia
Morreu
este domingo, vítima de doença prolongada, Pedro Barreiros, médico e um grande
divulgador da cultura macaense, com uma enorme dedicação à divulgação dos
escritos de poetas e escritores como Camilo Pessanha e Wenceslau de Moraes, bem
como da memória do seu avô, José Vicente Jorge. Pedro Barreiros era filho do
macaense Leopoldo Danilo Barreiros.
Nascido
em Macau em 1943, Pedro Barreiros formou-se em medicina em Lisboa, tendo
ingressado no quadro de Oficiais Médicos da Força Aérea Portuguesa em 1968. Em
1997 foi promovido a Major General Médico e Director de Saúde da Força Aérea.
Foi também professor de patologia entre 1982 e 2013, não apenas na Força Aérea,
mas em várias universidades portuguesas.
No
entanto, a área das artes e cultura esteve sempre presente na sua vida. Pedro
Barreiros, que foi também um dos convidados numa edição do festival literário
Rota das Letras, esteve sempre ligado à pintura, que aprendeu ainda em criança
com um mestre chinês. Em Macau, chegou a fazer algumas exposições individuais,
entre os anos de 1990 e 2002. Em 2006, foi distinguido com a Ordem do Infante
D. Henrique.
Um
comunicado da Associação Wenceslau de Moraes, à qual presidia, descreve-o como
um “médico de aldeia e cidade, militar e civil, de guerra e de paz” que “a
todos tratava com a devida atenção de quem sabe que a medicina é, antes de
mais, uma ciência humana”.
No
entanto, Pedro Barreiros era “acima de tudo pintor”, e também “macaense, de
alma, corpo e coração, filho de macaenses e de Macau”.
Casado
com Graça Pacheco Jorge, e ambos netos de José Vicente Jorge, Pedro Barreiros
esteve ainda envolvido, juntamente com a sua esposa, na produção da
fotobiografia “José Vicente Jorge – Um macaense ilustre”, editado pelo Albergue
SCM.
Tendo
sido comissário das comemorações dos 150 anos do nascimento de Wenceslau de
Moraes, foi nessa qualidade que Pedro Barreiros foi entrevistado, em 2005, pela
RTP. Nessa conversa, desvendou um pouco do fascínio que sentia pelo percurso do
escritor.
“Wenceslau
de Moraes foi uma das minhas paixões desde a juventude e o meu pai foi um dos
biógrafos dele. Não apenas pelo seu aspecto literário, mas pela divulgação que
me deu do Japão. Tinha também uma grande dimensão humana e disse, muito
precocemente, que o ser humano amarelo era igual aos outros”, afirmou.
Pedro
Barreiros recordou a amizade íntima que uniu Camilo Pessanha a Wenceslau de
Moraes e o facto de Pessanha ter sido “visita habitual da casa” do seu avô,
Vicente Jorge.
“Uma
das minhas tias foi a primeira menina de Macau a ir estudar para Lisboa com uma
bolsa paga pelo Camilo Pessanha e eles traduziram as oito elegias chinesas, oito
poemas Ming descobertos por Camilo Pessanha numa caixa que ele teria comprado
num antiquário”, exemplificou, numa outra entrevista concedida à RTP, desta vez
em 2007.
Ligado a Macau
Ana
Paula Laborinho, ex-presidente do Instituto Camões, e que trabalhou com Pedro
Barreiros nas comemorações dos 150 anos do nascimento de Wenceslau de Moraes,
recordou ao HM alguém “que primava pela solidariedade e pela atenção aos
outros”.
“Nunca
deixou de querer visitar Macau e sempre se sentiu muito ligado a essa terra
onde viveu muitos anos. Tinha uma relação muito especial com a comunidade
macaense.”
Tido
como um “médico de excepção”, Pedro Barreiros “continuou a pintar e a desenhar,
até aos últimos dias, porque essa relação com as telas e a sua paleta lhe
trazia serenidade”.
Ana
Paula Laborinho destaca, neste aspecto, que “muitos dos trabalhos de pintura
[de Pedro Barreiros] se fizeram em torno de poetas, quer chineses, como Li Bai,
quer portugueses, como Camilo Pessanha”. “A relação entre a pintura e a escrita
sempre esteve muito presente no seu percurso, feito de reflexão sobre a vida e
as artes”, frisou.
Ainda
sobre o trabalho desenvolvido em torno da vida e obra de Wenceslau de Moraes, a
actual directora em Portugal da Organização dos Estados Ibero-americanos para a
Educação, Ciência e Cultura, lembrou que Pedro Barreiros “deu um impulso
extraordinário para que conhecêssemos melhor Wenceslau de Moraes, que estava
muito esquecido, e classificado praticamente como um escritor menor”.
“Ele
e a mulher tinham uma relação muito grande com uma figura [José Vicente Jorge]
que teve contactos privilegiados com Camilo Pessanha. Têm um espólio notável
que nos permite um conhecimento especial de Camilo Pessanha. Ele não deixou de
trabalhar, de fazer exposições e de promover a obra deste poeta, dando um novo
enfoque e permitindo que algumas ideias sobre Pessanha tenham sido alteradas.”
Ana
Paula Laborinho revelou ainda que Pedro Barreiros deixa por publicar uma
auto-biografia, esperando que a família e amigos possam, a título póstumo,
editar esse livro. “Estou certa que a comunidade de Macau se juntará a essa
vontade.”
Carlos
Piteira, antropólogo macaense, recorda uma personalidade que fez “um trabalho
essencial na divulgação dos princípios do que é a comunidade macaense, a sua
identidade, e a própria singularidade de Macau”.
“Pedro
Barreiros é mais uma pessoa que perdemos e que nos faz falta para continuarmos
a marcar a presença portuguesa e dos macaenses em Macau. Espero que as pessoas
de Macau e em Portugal o recordem sempre como alguém que entregou parte da sua
vida aos outros, essencialmente [em relação] ao que é a identidade macaense”,
frisou ao HM.
Perda de um amigo
Mário
Matos dos Santos, da direcção da Fundação Casa de Macau, em Lisboa, conta que
perdeu “um grande amigo e promotor da cultura macaense”, mas também da cultura
em geral.
“Ele
era um homem muito culto em todos os sentidos, muito equilibrado na sua visão
da medicina. Fazia uma medicina quase social, porque era um excelente médico e
muito humano. Tinha um consultório em Lisboa e outro ao pé de Mafra, onde
também tinha uma biblioteca que punha à disposição dos doentes e dos
visitantes, o que é notável do ponto de vista da divulgação cultural.”
Pedro
Barreiros tinha, sobretudo, “a humanidade de fazer medicina com preços
acessíveis a muita gente, porque achava que era um veículo de apoio às
pessoas”.
Para
Mário Matos dos Santos, o filho de Leopoldo Danilo Barreiros “transmitia com
muita força as suas ideias e a visão da cultura macaense”. “Sabia respeitar o
que tinham sido as suas raízes e dedicou muita da sua vida a continuar a obra
do pai na recolha de testemunhos da cultura macaense, particularmente sobre
Camilo Pessanha e Wenceslau de Moraes”, adiantou.
Coração grande
Também
o arquitecto Carlos Marreiros diz ter perdido um amigo. Mas, na sua visão,
Macau “ficou mais pobre e perdeu um filho ilustre”. “Ele era militar de
carreira e médico, tendo-se dedicado muito à sociocultura de Macau e
principalmente à investigação e divulgação de dois escritores da sua protecção,
Wenceslau de Moraes e Camilo Pessanha”, acrescentou.
Carlos
Marreiros lembrou “o coração muito grande” de Pedro Barreiros, que “lutou com
todas as forças contra a doença”.
Em
comunicado, a Casa de Macau em Lisboa também reagiu ao falecimento de Pedro
Barreiros, recordando “um ser humano excepcional que dedicou toda a sua vida a
outros como médico e homem multifacetado, que muito contribuiu para a
divulgação e preservação da cultura macaense, quer através da arte, quer de
outras formas expressivas”.
As cerimónias fúnebres
de Pedro Barreiros aconteceram no domingo, ao final do dia, com uma missa de
corpo presente igreja da Força Aérea Portuguesa, sita junto do Palácio dos
Marqueses de Fronteira – Pupilos do Exército. Ontem, decorreu a cerimónia de
cremação no cemitério do Alto de São João, em Lisboa. Andreia Silva – Macau in “Hoje Macau"
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