Um casal português decidiu atender às necessidades de saúde dos guineenses com ações como um hospital de campanha, onde cerca de 600 pessoas receberam consultas, tratamentos e medicamentos gratuitos, num dos bairros mais pobres e populosos de Bissau
Ao
nascer do dia do primeiro sábado de julho, ainda se ultimavam os preparativos e
já a população do bairro Militar se aglomerava em torno das mesas e cadeiras
instaladas debaixo de lonas, à procura das respostas que não encontra no
sistema de saúde ou não tem dinheiro para pagar.
Neste
hospital de campanha, com um pequeno laboratório de análises e sala de
observações, nove médicos, quatro enfermeiras e 12 auxiliares fizeram 573
consultas de ortopedia, clínica geral, pediatria e outras especialidades, assim
como 47 tratamentos de feridas e outras lesões e 39 análises.
Tudo
gratuito, inclusive os medicamentos cedidos às pessoas atendidas pela Pedras no Caminho, uma Organização
Não-Governamental (ONG) criada há um ano pelo casal português para formalizar o
apoio.
Depois
de atendida e de ter levantado os medicamentos, Maria Helena Cabral agradecia
repetidamente e só pedia para continuarem a dar consultas, “pelo menos de seis
em seis meses”, neste e em todos os bairros de Bissau.
“Não
paguei nada, recebi medicamentos grátis”, enfatizou à Lusa, contando que já
tinha ido ao hospital, assim como Mariama Camará, visivelmente cansada, que foi
fazer consulta, para ela e para as duas filhas pequenas, por causa da febre.
Conta
que foi duas vezes ao hospital, mas a febre não passa, embora ela já se sinta
melhor, mas as filhas não.
A
mais nova, diz, “está cada vez com mais febre, chora muito à noite, e a mais
velha está com problema no peito”.
“Hoje
ouvi sobre esta consulta, deixei tudo, não trabalhei, não comi, para vir cá”,
disse, contando que o marido não está e ela não tem dinheiro, nem meios.
Augusto
Pereira também aproveitou para ir fazer consulta “sem pagar nada”, pois há já
algum tempo que este idoso “estava a sentir o corpo um pouco doente”, mas não
tinha possibilidade de ir ao médico.
Deslocar-se
do bairro ao hospital implica pagar transporte, a consulta e os eventuais
medicamentos, que neste dia conseguiu tendo que esperar apenas pela vez. Chegou
às sete da manhã e despachou-se por volta do meio-dia.
Augusto
aproveitou para “pedir que venham mais vezes e que não fiquem só em Bissau, que
abranjam também o interior”.
“Com
isto estão a ajudar o povo e nós ficamos muito contentes porque além da
consulta, dão medicamentos, fazem análises, tudo gratuito. O hospital é muito
difícil, não temos dinheiro para ir fazer consulta”, afirmou.
Enquanto
são distribuídos pão, água e sumos pelos que esperam, num espaço mais
resguardado já se encontra Abubaca Fati, que estava “quase há um mês” com dor
de dentes e acabou por apanhar uma infeção.
Depois
de ter levado uma injeção, garantiu que se sentia muito melhor e agradece
insistentemente estes serviços.
O
médico guineense Paulo Có Júnior fez parte da equipa que atendeu estas pessoas
e destaca a importância destas ações para as comunidades locais.
“Às
vezes perguntamos nos hospitais porque é que as pessoas não vão ao hospital, é
porque a saúde não é barata em nenhuma parte do mundo, mas na Guiné-Bissau
torna-se mais cara ainda”, explicou.
Paulo
atendeu sobretudo crianças com as maleitas típicas da época das chuvas na
Guiné-Bissau, as febres do paludismo e parasitismo.
É
a segunda vez que trabalha com esta organização depois de uma anterior aventura
de nove dias pelo interior do país, “em zonas onde nem imaginava que viviam
pessoas”.
“Nós
íamos, acampávamos, no dia seguinte íamos para outra comunidade. Fazíamos
despistagem, consultas e depois regressávamos ao acampamento”, contou.
Estas
ações resultam da paixão por África de Jaime Ferreira, um português de 60 anos,
e da mulher, Margarida Cristóvão, que decidiram aplicar “algumas condições
económicas mais favoráveis” que têm, para apoiar este povo.
Segundo
disse à Lusa, tudo começou muitos antes da criação da associação, já que sempre
que viajava, o casal português entendia que se tinha “dinheiro para estar num
‘resort’ de luxo”, também devia “alocar uma parte às comunidades mais
desfavorecidas”.
A
Guiné-Bissau ganhou um espaço maior na vida deste casal que também tem ajudado
particulares e associações em Portugal, nomeadamente a Ajuda de Mãe.
Jaime
diz que não dependem financeiramente de ninguém, o que lhes garante “uma certa
agilidade” para tomar decisões e desenvolver ações como a que decorreu no
bairro Militar de Bissau, com um custo de 12.500 euros.
Salienta
que quem trabalha com a associação é remunerado, desde os médicos aos
operacionais e que o que o move é ajudar este povo, que enfrenta ainda mais
dificuldades no interior da Guiné-Bissau.
“Principalmente
ao nível da diabetes, pessoas com gangrena nos braços, nas pernas, grandes
problemas de crianças queimadas porque os pais vão para o campo trabalhar e as
crianças ficam em casa, caem nas fogueiras (onde a população cozinha)”, diz.
A
saúde é apenas uma das áreas de ação da Pedras no Caminho que está também a
ajudar a reabilitar uma escolar, com 282 alunos, desde o jardim-de-infância ao
quinto ano.
O
proprietário, Alficeni Cassamá, agradece o apoio da associação na melhoria das
condições da escola e espera poder continuar a contar com a ajuda para ampliar
as instalações.
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