Para
uma grande parte da imprensa francesa e mundial, o presidente da França,
Emmanuel Macron, com a dissolução da Assembléia Legislativa há três semanas e
convocação de novas eleições de deputados, propôs uma espécie de poker
eleitoral, no qual com a ousadia de um jogador, apostava na sua capacidade de
blefar.
Entretanto,
os resultados das eleições de domingo, no primeiro turno para a formação da
nova Assembléia, foram um fracasso para a direita macroniana e confirmaram as
sondagens de uma vitória da extrema-direita do partido Reunião ou Reagrupamento
Nacional, da família Le Pen, contra o qual têm feito barragem, há 60 anos, a
esquerda e a direita republicanas e democráticas. A Nova Frente Popular com
direita republicana, socialistas, comunistas e extrema-esquerda conseguiu
resultados melhores, mas ficou em segundo lugar distante da Reunião ou
Reagrupamento Nacional.
Em
outras palavras, a França está a dois passos de enterrar seu passado de defesa
dos trabalhadores e aposentados, dos direitos sindicais, dos direitos das
minorias, de luta contra o racismo, defesa e liberdade das mulheres e proteção
dos imigrantes, conquistas que poderão retrogredir com um governo de extrema-direita
nacionalista.
Por
isso, o chargista Chappatte do jornal Le Temps utiliza a palavra
"dissolução" com o sentido de uma auto-dissolução do próprio Macron,
rejeitado por muitos franceses e criticado por alguns de seus ministros, que
não conseguiram se reeleger no domingo, no poker de Macron, como deputados,
perdendo assim a metade de seus mandatos.
En passant, a
França não é o único país envolvido na onda da extrema-direita. Outros países
europeus já antecederam a França, como a Hungria, Itália, Holanda, Dinamarca, Eslováquia,
Suécia e Finlândia. Sem se esquecer dos países onde a extrema-direita tem
partido forte e pode chegar logo ao poder, como Polónia, Áustria, Roménia, Estónia,
Bélgica e Alemanha. Na Alemanha, existe o partido AFD, Alternativa pela
Alemanha, com características nazifascistas. Há ainda o partido Vox na Espanha
e o Chega em Portugal.
Perigo
à vista: a expansão e extensão dos partidos de extrema-direita pode chegar até
o Parlamento Europeu, onde o número de deputados de diversos países começa a
crescer e formar grupos, de tendências moderadas e radicais, inclusive com os
novos deputados franceses da Reunião ou Reagrupamento Nacional de Marine Le
Pen, recentemente eleitos.
O
negacionista norte americano Steve Bannon, da equipe do ex-presidente Trump,
tentou criar em 2017, uma estrutura para facilitar o acesso da extrema-direita
no Parlamento, mas sem sucesso. Na Suíça, o partido conservador UDC,
majoritário no Parlamento, tem seu lado populista democrático, mas alguns de
seus dirigentes mantêm ligações com a extrema-direita europeia como o holandês
Geert Wilders e o francês Eric Zemmour.
De
Steve Bannon chegamos aos EUA, onde a extrema-direita é alimentada pelos
fundamentalistas evangélicos. Diante de participantes do movimento Fé e
Liberdade, Trump se auto-chamou de "um cruzado cristão". O movimento
religioso evangélico neo-pentecostal norte americano chegou ao norte do Brasil
no começo do século passado, se alastrou e, politicamente acabou assumindo, com
uma parte do ramo protestante vindo da Reforma de Lutero e Calvino, mais forte
no sul do Brasil, a defesa do Golpe de 1964.
Essa
aproximação do poder militar pelas lideranças evangélicas levou, depois do fim
da ditadura militar, a uma aproximação do poder civil, nos governos Lula e
Dilma, e, logo depois, a uma adesão à teologia do domínio, também importada dos
EUA, e ao apoio ao candidato Jair Bolsonaro, que significou adesão à extrema-direita
e apoio aos quatro anos de seu governo. A prova é a linha política e de
costumes da Bancada Evangélica.
Como
ficará a França depois do segundo turno de domingo?
Até
às 18 horas de terça-feira, era quase certa a vitória da extrema-direita
francesa de Marine Le Pen e de seu protegido Jordan Bardella. Com 33,8% dos
votos, a Reunião ou Reagrupamento Nacional frente aos 28,2% da Nova Frente
Popular tinha tudo para conquistar a maioria absoluta e governar a França.
Porém,
diante desse risco criou-se uma união entre as esquerdas e direitas
republicanas e democráticas, além de uma mobilização popular. Quinze minutos
depois de anunciados os resultados do primeiro turno das eleições e diante da
catástrofe iminente. O líder da França Insubmissa, Jean Luc Mélenchon anunciou
a desistência dos candidatos do seu partido, colocados em terceiro lugar, em
favor de candidatos melhor colocados para impedir a vitória dos candidatos do
RN de Marine Le Pen.
Foram
218 desistências que permitirão diminuir o impacto da vitória da
extrema-direita e impedir assim a maioria absoluta necessária para governar.
Neste caso, a nova Assembléia será plural, e os partidos de esquerda e direita
republicana poderão formar coligações, segundo os projetos de seus interesses,
isolando a influência da extrema direita.
Entretanto,
é bom acentuar, nem todos os eleitores franceses vão seguir a chamada
"barragem contra a extrema-direita" criada pela Nova Frente Popular.
No confronto Reunião ou Reagrupamento Nacional contra Nova Frente Popular,
muitos deixarão de votar ou votarão nulo por terem receio da extrema-esquerda
de Mélenchon. Ele é considerado culpado por ter feito campanha eleitoral usando
a guerra em Gaza como pano de fundo, provocando um surto de antissemitismo e
perdendo o apoio da enorme comunidade judáica na França, para obter o apoio da
comunidade imigrante muçulmana, numerosa em diversas cidades e periferias.
Em
todo caso, se a extrema-direita obtiver a maioria absoluta, Macron ainda tem
maioria no Senado e no Conselho Constitucional. Bardella não poderá fazer o que
quiser, mas, é claro, poderá haver caos e muita agitação. Rui Martins –
Suíça
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