Não o sabia doente e engoli em seco após a leitura da notícia que me chegou pelo ecrã do computador, de manhã, quando o abri.
Revi-me
e revi-o nos anos sessenta do século passado, no bairro académico da então
cidade de Nova Lisboa, atual Huambo, Angola, a ouvir os ensaios dos “Rebeldes”,
primeiro conjunto musical que criou com outros jovens, entre os quais um seu
irmão.
Nessa
altura, ambos com dezassete anos, o imaginário das novas gerações navegava pela
criatividade de sons de novos ritmos musicais, surgidos em concertos de quatro
jovens, numa caverna de Liverpool.
Eram
estes quatro jovens que compunham as letras e as músicas das canções.
Tal
como Fausto já então o procurava fazer nos “Rebeldes”.
Adotou
o nome de Fausto, mas o seu nome era Carlos Fausto Bordalo Dias.
Todos
os doze discos que o divulgaram nasceram da fronteira comum dos países de
língua portuguesa – os oceanos.
Não
admira.
Fausto
nasceu a bordo do navio “Pátria”, numa viagem entre Portugal e Angola.
Ainda
muito criança, sobreviveu a uma doença muito grave, graças ao diagnóstico de um
veterinário, conhecedor de doenças tropicais e outras maleitas.
No
disco a que deu o nome de “A preto e branco”, Fausto não podia deixar de ter
uma faixa com uma poesia de Alexandre Dáskalos, o veterinário que sempre se
assumiu angolano, de descendência grega.
Nos
anos cinquenta do século passado foi dos primeiros a erguer a bandeira da
independência de Angola.
Ficaria
feliz se soubesse que um dia Fausto daria ao disco que tem uma canção com um
poema seu, o título de “A preto e branco”.
Com
naturalidade, sempre com uma postura reservada, distanciada dos holofotes,
Fausto haveria de ressurgir com a reconquista da liberdade, em Abril, depois de
ter recebido o primeiro prémio revelação da Rádio Renascença.
Ressurgiu
porque as letras que escreveu e as músicas que compôs cantam a alma do que
somos, resultado de encontros seculares de culturas.
Para
mim, a canção “Por esse rio acima”, de 1998, que ao invadir as margens com base
na língua universal, que é o português, é a que mais me toca.
Os
seus discos são indissociáveis do sabor da liberdade que cantou logo nos
princípios de Abril, com Vitorino, Zeca Afonso, José Mário Branco, Adriano
Correia de Oliveira, Manuel Freire e outros.
A
condecoração, que em 1994 o Presidente Mário Soares o agraciou, como oficial da
Ordem da Liberdade, traduz o corolário do que sempre foi – um homem livre que
cantou pela liberdade.
No
final do segundo mandato da presidência de Mário Soares e sendo eu membro da
sua Casa Civil coube-me co-organizar a sua última viagem oficial a Angola e
Fausto foi nela integrado.
Chegámos
a idealizar um concerto no Huambo, navegando “Por esse rio acima”, em memória
dos “Rebeldes”.
Esteja
onde estiver, iremos realizá-lo.
Vítor Ramalho - (Secretário-geral da UCCLA)
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