O livro “Porto Memória”, de Manuel Brito-Semedo, foi apresentado esta sexta-feira. 25 crónicas que falam de escritores, sugerem livros e pistas de leitura
Dedicado
‘às gentes da Boca do Porto’, o livro sobre os livros abre com as palavras da
poetisa brasileira Conceição Evaristo: “O mar vagueia onduloso sob os meus
pensamentos/A memória bravia lança o leme: Recordar é preciso./ O movimento
vaivém nas águas-lembranças/dos meus marejados olhos transborda-me a vida,
salgando-me o rosto e o gosto”. E este início não é inocente.
“Eu
faço sempre isso”, explica Brito-Semedo ao Expresso das Ilhas. “Por exemplo, na
capa do meu livro 3 de crónicas, Esquina do Tempo, eu tenho uma fotografia de
costas, contornado precisamente a esquina da antiga biblioteca municipal. Não é
por acaso que é a esquina, não é por acaso que é aquela esquina. Quando venho
para o Falucho, explico que dobrei a esquina e apareci do outro lado como
cronista marinheiro. Nada é por acaso”.
Depois
de navegar, é preciso ler. Com o Falucho – o livro anterior – ancorado na baía,
o marinheiro-cronista desembarca então no Porto Memória, novo projecto
desenvolvido e publicado originalmente no jornal Expresso das Ilhas, de
Novembro de 2018 a Junho de 2022, quando foi feito o anúncio oficial que era
preciso promover o livro e estimular e criar o gosto pela leitura, com
dinamização de Bibliotecas Escolares, criação de uma Rede de Bibliotecas
Municipais e elaboração de Planos Municipais de Leitura e Plano Nacional de
Leitura.
“Está
a surgir um plano nacional de leitura, mas não há uma política, pelo menos
expressa, do livro, mais do que de leitura, do livro”, afirma Brito-Semedo. “E
o Estado, quando vem retomar, começa tibiamente”.
“Precisamos
muito mais do que isso”, continua o autor. “Todo o custo do livro é a produção,
com as gráficas, com a importação das tintas, com o papel. Depois temos um
problema de distribuição, porque não há um sistema. O livro que é publicado em
São Vicente não chega à Praia e vice-versa”.
“E
outra coisa, não existe um plano nacional em termos dos municípios, onde há
verbas estrondosas, fabulosas, para os festivais, mas não há para as
bibliotecas. O próprio município da Praia não tem uma biblioteca. A última vez
que a Praia teve uma biblioteca municipal foi antes da independência. O que
existe na Praia é uma biblioteca nacional que faz de biblioteca municipal”,
sublinha Brito-Semedo.
Porto
Memória tem um total de 25 crónicas, que vão desde os escritores seiscentistas,
a B. Léza, passando por Orlanda Amarílis, Arnaldo França, Teixeira de Sousa,
Luiz Loff de Vasconcellos, Baltasar Lopes, ou que abordam temas como os 75 anos
da folha literária Certeza, a reedição d’ “Os Clássicos” pela Biblioteca
Nacional, até à produção cultural na Praia Maria do Séc. XIX.
“Passei
de um tema essencialmente de memórias de menino, a contar as histórias dos anos
60, e entro por outra via, uma forma de chamar e prender a atenção das coisas
que são nossas, uma forma muito mais voltada para a cultura”, esclarece o
autor. “É tratar assuntos sérios de uma forma leve, procurando ter uma
linguagem também muito leve e acessível, para criar o gosto e manter esse gosto
em termos de leitura e das coisas de Cabo Verde”.
“Precisamos
ter boas leituras, bons livros, não apenas em termos de conhecimento da nossa
realidade, da nossa história, mas em termos de domínio da língua. O domínio da
língua portuguesa, que faz muita falta. Temos de criar isso, começar da
literatura mais próxima, a nossa, e ir abrindo o horizonte. Os próprios
professores não leem, ou muitos poucos leem. Se os professores não leem, como é
que pode incentivar os alunos a lerem? Temos muita gente que sabe ler, mas não
é leitor funcional, porque não consegue organizar as ideias”, conclui
Brito-Semedo.
A
apresentação do livro “Porto Memória” esteve a cargo da escritora Dina Salústio
e foi apresentado no Auditório do Banco Interatlântico/Garantia. Jorge Montezinho
– Cabo Verde in “Expresso das Ilhas”
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