Depois da experiência no Fórum Macau, Rodrigo Brum está à frente da nova Câmara de Comércio e Indústria dos Países de Língua Portuguesa na Grande Baía. Sobre o projecto, defende mais divulgação e que os países lusófonos invistam em bloco para materializar a verdadeira expressão do seu peso económico
O projecto da Grande Baía foi anunciado em 2017. Tem
havido a evolução certa ou há ainda muito a fazer, no relacionamento com Macau?
Evolução,
para mim, é sempre algo positivo. Obviamente, que estes anos incluíram dois ou
três de covid-19, e há que ter isso em conta. Considero que o sucesso de Macau
está ligado ao sucesso da Grande Baía.
Estão interligados.
Sim.
Em certa medida, até o sucesso da própria China. Há três grandes projectos de
iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”, da qual todos ouvem falar porque tem sido
lançado nos últimos dez anos. Além disso, tem um carácter mais internacional
porque atravessa vários países e continentes, e envolve infra-estruturas e
financiamentos em inúmeros países. Em Macau todos falam da Grande Baía, mas em
Portugal quase não se ouve falar do projecto. Mas os dois estão muito
interligados, porque a China vê a Grande Baía como o fornecedor de produção
para a iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”. Portanto, o comércio que vai surgir
com a “Faixa e Rota”, tem como base muito do sucesso e produção que resultar da
Grande Baía.
Considera que o sul da China continua a ser um vector de
dinâmica económica?
É
efectivamente. Mas há ainda uma terceira iniciativa chinesa que é o Fórum
Macau. Essa é a ponte de ligação das outras duas iniciativas aos países de
língua portuguesa. Mesmo em Macau, há um pouco o desconhecimento destas várias
realidades e da interligação entre eles. Em relação à própria Grande Baía, já
nos anos 90, no período de administração portuguesa, e eu fiz parte desse
processo, falávamos muito no delta do rio das pérolas como aquele triângulo
entre Cantão, Hong Kong e Macau, a fim de valorizar a posição de Macau com
estas duas regiões. Vale notar que em 1 por cento de área da China, ocupada
pela Grande Baía, temos cerca de 5 por cento da população, aproximadamente 86
milhões de habitantes, mas temos 11 ou 12 por cento do PIB (Produto Interno Bruto)
chinês. Estamos a caminhar para 15 por cento, e esse é, de facto, o motor da
China.
Que explicação encontra para estas estatísticas?
Por
ser a área mais dinâmica do país, que tem maior crescimento de PIB da China.
Quando, em 2019, arrancámos com este projecto, numa das primeiras vezes que
falei deste assunto referi dez por cento de PIB, o que já era significativo.
Esse dinamismo traduz-se no facto de o PIB naquela área, que tem uma dimensão
significativa, terá uma expressão cada vez maior. Isto demonstra que a área da
Grande Baía é de máxima importância na China, empresas e países que querem
fazer negócio com o país. Este projecto não tem ainda a divulgação equiparada
ao peso e importância que realmente tem. Relativamente aos países de língua
portuguesa, a Grande Baía é também uma área importante, como é para todos os
países. Estes países têm um interesse ainda maior tendo em conta que a China
determinou que Macau é o elo de ligação com os países de língua portuguesa. Não
é o único ponto e nem é obrigatório que se use Macau [como plataforma
comercial), mas há uma decisão política no sentido de privilegiar o território
nesse sentido. Então, há essa vantagem.
São países desiguais em termos económicos, e também o
serão em matéria de investimento. Como se podem reduzir esses desequilíbrios?
Não
queria fazer propaganda das minhas funções (risos), mas tenho de falar da nova
Câmara de Comércio e Indústria dos Países de Língua Portuguesa (PLP) na Grande
Baía. Essa foi a razão de ser dessa Câmara, dado existir uma desigualdade muito
significativa entre as diferentes velocidades e dimensões dos diversos países.
Desde logo, o Brasil que representa 75 a 80 por cento do comércio do bloco dos
países portugueses com a China, percentagem essa que tem vindo a aumentar. O
segundo país é Angola, com cerca de 15 por cento do comércio, mas
desequilibrado, pois as exportações incidem no petróleo; e depois os restantes
sete países que andam ali entre cinco a seis por cento. O conceito de PLP não
está, aliás, devidamente clarificado nem é facilmente reconhecido pelas
pessoas, sendo confundido muitas vezes com o termo PALOP (Países Africanos de
Língua Oficial Portuguesa). É importante perceber que há um núcleo de países
que representam a quarta ou a quinta língua mais falada na Internet e o idioma
mais falado do hemisfério sul, pelo que seria importante que o conceito de PLP
fosse tão facilmente identificado como é o de PALOP ainda hoje [anos depois da
sua criação].
Mas voltando às desigualdades. Como se podem combater?
Uma
das formas é o funcionamento em conjunto. Criando organizações de âmbito
comercial e económico que articulem estes nove países de forma englobada,
porque para os PLP, se estiverem cada um a negociar com a China, é
absolutamente insignificante para o país. Mas até para a Grande Baía é
insignificante, para um importador em Xangai por exemplo. Mas se for feito em
conjunto gera-se uma força maior para negociar com a China. Os PLP devem
apoiar-se uns aos outros e funcionar de forma articulada. Isso também é vantajoso
para a China, que não tem que passar pelas dificuldades de relacionamento com
as pequenas economias e produções. Deve-se dialogar de forma quase bilateral
entre o bloco dos PLP e a China. Há documentos chineses que falam nesta relação
bilateral e não multilateral.
Ainda não se pensa em bloco?
Pensa-se
ainda muito pouco, e é preciso que organizações como esta nova câmara de
comércio venham a conseguir com que os PLP se articulem. Isso não invalida que
haja situações em que países com especificidades não tenham de articular com os
outros, como é o caso do Brasil que exporta soja em grandes quantidades para a
China e tem um mercado e comércio externo com o país muitíssimo desenvolvido, e
com um peso significativo para a própria China. Na questão do petróleo temos
Angola. Mas na maioria das situações há vantagens em trabalhar em conjunto. São
Tomé e Príncipe já foi um dos seis maiores produtos mundiais de cacau, mas
Angola ou a Guiné Equatorial, por exemplo, também produzem e podem exportar. Se
houver um desenvolvimento destas indústrias, a sua posição face a mercados como
o chinês seria vantajosa.
Macau consegue responder aos desígnios da China na
prestação de serviços para a plataforma comercial? Há, por exemplo, muitos
entraves para a contratação de pessoas de fora.
Macau
tem ainda muito trabalho a fazer para poder cumprir cabalmente os desígnios que
lhe são estabelecidos no âmbito da Grande Baía, e que são orientações de
Pequim. Estou certo que os responsáveis sabem ainda o longo caminho que têm de
percorrer, e é importante que o façam rapidamente e com dinamismo. Em Novembro
do ano passado, nas comemorações do Fórum Macau, fiz algumas sugestões, tendo
falado na possibilidade de contratações de técnicos ou talentos, como se diz em
Macau, dos PLP, sem receios de que haja uma avalanche de gente a ir para Macau.
Falamos de não haver qualquer receio em aceitar dezenas de especialistas,
alguns com formação feita até em universidades de Macau, mas que sendo dos PLP
podem mais facilmente fazer a ponte e acelerar a dinâmica de relacionamento
entre a China e os PLP. Falamos de nove países, se forem dezenas de cada país,
são umas meras centenas de pessoas. Que bom seria para Macau se tivéssemos umas
200 ou 300 pessoas qualificadas no território. Isso não causava qualquer perturbação
ao mercado laboral local.
Os próprios delegados do Fórum Macau perderam a
residência, por exemplo.
Isso
é posterior ao meu tempo no Fórum, li notícias sobre o caso, e foi encontrada
uma solução. Não foi sei exactamente o que aconteceu. No meu caso, entro sem
problema porque sou residente permanente.
Esteve em Macau nos anos 90, nomeadamente no Parque
Industrial da Concórdia, além de ter trabalhado com o secretário adjunto para a
Economia e Finanças. O futuro passava já pela integração regional?
O
projecto da Sociedade do Parque Industrial da Concórdia, que já sofreu
alterações, era muito anterior à minha presidência da entidade. Quando assumi a
presidência do parque não estavam sequer as infra-estruturas completas, não
passava de um aterro em Coloane, com uma componente industrial e imobiliária,
sendo esta maior. Eram 13 hectares que ainda lá estão. O parque correspondia a
um terço da dimensão desse aterro destinado à zona industrial. Quando saí tinha
contratualizado todos os lotes do parque industrial e respectivas
infra-estruturas. Essas indústrias ainda lá estão, não sei se estão
operacionais.
Mas o sector industrial poderia ter mantido alguma
expressão na economia?
Não
é fácil. Já no tempo da Administração portuguesa a diversificação era palavra
de ordem. É evidente que a dimensão que o jogo tomou, especialmente após 2006,
absolutamente espectacular, tornou esta concentração mais agradável do que no
tempo da Administração portuguesa. O jogo nesse tempo tinha sempre cerca de 50
por cento de peso no que diz respeito aos impostos recolhidos aos casinos. Se
já havia a pressão com a diversificação, maior é agora, contando que Macau
venha a ter também uma economia virada para o turismo de conferências e
realização de eventos. Continuará a ser necessário apostar na diversificação e
até em termos de serviços, articulado com o projecto da Grande Baía.
Que comentário faz a propósito da VI Conferência
Ministerial do Fórum Macau?
É
importante que tenha sido relançada a actividade que o fórum vinha
desenvolvendo nos últimos anos de forma crescente. Houve naturalmente uma
repercussão dos anos de paragem devido à pandemia, acrescido do facto de que
houve um adiamento na realização da conferência e definição de novas medidas.
Mas estas são muito importantes especialmente se tivermos em conta que essas
medidas são sempre para cumprir. Com maior ou menor impacto, até à realização
da próxima Conferência Ministerial, essas medidas estarão implementadas e é
importante que empresas e países analisem e aproveitem as oportunidades que são
transmitidas através dessas medidas. Andreia Silva – Macau in “Hoje
Macau”
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