Projetos nas áreas dos danos cerebrais, cancro e autismo estão entre os 34 distinguidos no âmbito do Concurso de Investigação em Saúde 2025
Desenvolver novas terapias para
doenças neurológicas como o AVC, a epilepsia e a esclerose lateral amiotrófica,
criar um dispositivo implantável para tratar o glioblastoma e melhorar a
avaliação do risco de desenvolver autismo são os principais objetivos dos três
projetos liderados por investigadores do Instituto de Investigação e Inovação
em Saúde da Universidade do Porto (i3S), que acabam de ser distinguidos no
âmbito do concurso de Investigação em Saúde da Fundação ”la Caixa”. O
financiamento total ascende a quase três milhões de euros.
As três propostas do i3S estão entre um total de 34
projetos (portugueses e espanhóis) de investigação biomédica de excelência, que
vão receber mais de 26 milhões de euros. Nesta oitava edição, foram
apresentadas 714 propostas de investigação básica, clínica e translacional,
tendo sido selecionadas nove portuguesas e 25 espanholas.
No âmbito deste concurso, a Fundação “la Caixa” concede
até 500 mil euros a projetos com uma única instituição de investigação
envolvida e até um milhão de euros a consórcios de investigação formados por
várias instituições, como acontece com os projetos liderados por investigadores
do i3S.
Uma nova forma de combater os danos cerebrais a partir do
interior
Liderado por Ana Paula Pêgo, líder do grupo
«NanoBiomaterials for Targeted Therapies» do i3S, o projeto «MIND» foi
financiado pela Fundação “la Caixa” e pela FCT com um milhão de euros e vai
focar-se nas doenças neurológicas, como o acidente vascular cerebral (AVC), a
epilepsia e a esclerose lateral amiotrófica (ELA), que afetam milhões de
pessoas em todo o mundo, provocando frequentemente incapacidades a longo prazo
ou mesmo a morte.
Uma das principais causas do dano cerebral associado a
estas doenças, explica a investigadora do i3S, “é a acumulação no cérebro de
uma substância química que, em excesso, leva à morte neuronal. Apesar de
décadas de investigação, nenhum tratamento conseguiu até agora proteger
eficazmente o cérebro deste processo”. Embora a maioria dos estudos se tenha
centrado em formas de neuroproteção focando-se nos neurónios, Ana Paula Pêgo
considera que a chave poderá residir noutro tipo de célula cerebral: os astrócitos.
Este projeto propõe uma nova estratégia de proteção
cerebral, que consiste em aumentar a eficiência dos astrócitos. Conforme
explica Ana Paula Pêgo, “os astrócitos eliminam o excesso da substância química
nociva, mas durante um AVC ou outro evento neurológico agudo, não conseguem
manter o equilíbrio, o que leva à acumulação de danos”.
Como tal, a equipa propõe uma solução inovadora:
“Introduzir diretamente nos astrócitos instruções úteis através de ARN
mensageiro (mRNA) que dão indicações às células para produzir mais quantidade
de uma proteína essencial para eliminar a substância química tóxica”. Para
garantir a segurança e eficácia do tratamento, os investigadores estão a
desenvolver pequenas partículas inteligentes capazes de libertar a sua carga
apenas nas áreas danificadas do cérebro.
O projeto, que será desenvolvido em consórcio com os
investigadores Francisco Campos, do Instituto de Investigación Sanitaria de
Santiago de Compostela (IDIS) (Espanha), e Ben Maoz, da Universidade de
Telavive (Israel), inclui ainda o desenvolvimento de um modelo tridimensional
(3D) relevante para mimetizar o cérebro humano, que «permitirá testar a terapia
em condições fisiológicas realistas, bem como a utilização de ferramentas de
imagem avançadas para monitorizar os efeitos do tratamento, que será testado no
contexto do AVC», sublinha Ana Paula Pêgo.
Se alcançar os objetivos propostos, garante a cientista,
«esta abordagem poderá abrir caminho a novas terapias, não só para o AVC, mas
também para outras doenças cerebrais com mecanismos semelhantes de dano
neuronal».
Dispositivo implantável para administração de fármacos
contra o glioblastoma
Financiado com 990 mil euros, o projeto liderado por
Bruno Sarmento, em consórcio com os investigadores Bruno Costa, da Universidade
do Minho, e Álvaro Mata, da Universidade de Nottingham (Reino Unido), vai
centrar-se no tratamento do glioblastoma, o tipo de cancro cerebral mais letal
em adultos. Os tratamentos atuais, que incluem cirurgia, radioterapia e
quimioterapia e pouco têm evoluído nas últimas duas décadas, apresentam
resultados limitados devido à resistência do tumor e à dificuldade em dirigir fármacos
diretamente ao cérebro.
A equipa pretende revolucionar o tratamento do
glioblastoma através do desenvolvimento de um sistema terapêutico implantável
capaz de libertar moléculas anticancerígenos diretamente no cérebro após a
cirurgia de remoção do tumor. O sistema, explica Bruno Sarmento, “foi concebido
para libertar, de forma controlada e gradual, uma combinação de fármacos que
combatem o cancro de forma mais eficaz e reduzem a necessidade de quimioterapia
diária”.
O projeto, adianta, “envolve o desenho de um novo tipo de
implante, capaz de libertar fármacos quimioterápicos, inibidores da resistência
ao tratamento e sequências de ARN dirigidos especificamente às células
cancerígenas”. O objetivo, sublinha
Bruno Sarmento, é que “esta estratégia inovadora melhore a efetividade dos
fármacos, reduza os efeitos secundários e aumente a sobrevivência e a qualidade
de vida dos doentes”.
Para já, os dados preliminares são promissores: “O novo
sistema demonstrou reduzir significativamente o crescimento tumoral em modelos
laboratoriais. Os resultados esperados incluem maiores taxas de sobrevivência,
menores efeitos adversos e um novo padrão de cuidados para doentes com
glioblastoma”, garante o líder do grupo «Nanomedicines & Translational Drug
Delivery» do i3S. Estes avanços, adianta Bruno Sarmento, “poderão ainda abrir
caminho ao desenvolvimento de tratamentos semelhantes para outros tipos de
tumores cerebrais, com impacto significativo na saúde pública e nos custos dos
sistemas de saúde”.
Como pequenas alterações no ADN moldam o cérebro em
desenvolvimento
Sabe-se que o transtorno do espectro autista (TEA), que
afeta aproximadamente uma em cada 44 crianças, tem uma forte base genética. No
entanto, a maioria das alterações genéticas associadas ao TEA não se encontra
propriamente nos genes, mas nas regiões não codificantes do ADN que controlam a
ativação e inativação dos genes. A equipa liderada pelo investigador do i3S
Diogo Castro quer compreender como essas alterações influenciam o
desenvolvimento cerebral com o objetivo de “explicar a origem do TEA e melhorar
os métodos de avaliação do risco de desenvolver este transtorno”.
Este projeto, financiado pela Fundação “la Caixa” em
colaboração com a FCT com mais de 730 mil euros, visa descobrir o efeito dessas
alterações genéticas não codificantes no desenvolvimento do cérebro,
especialmente nas primeiras etapas, durante a formação da estrutura cerebral.
As equipas do consórcio, que inclui os investigadores
Gaia Novarino, do Institute of Science and Technology Austria (ISTA) (Áustria),
e Justin O’Sullivan, do The Liggins Institute, University of Auckland (Nova
Zelândia), vão utilizar ferramentas avançadas para analisar milhares de
variantes genéticas e observar como elas influenciam a atividade genética de
células cerebrais humanas cultivadas em laboratório.
Além disso, explica Diogo Castro, “vamos utilizar
ferramentas de inteligência artificial para identificar quais das alterações
genéticas associadas com o TEA têm um maior valor de prognóstico. Isto levará à
criação de um modelo que poderá ajudar a prever quais as crianças que estão em
risco de desenvolver TEA, permitindo assim um diagnóstico e intervenção
precoces”.
Para compreender como essas alterações afetam o
desenvolvimento cerebral, os investigadores do projeto, “vão editar variantes
genéticas específicas em células estaminais e cultivá-las em minicérebros ou
organoides. Isso permitirá observar o efeito das alterações na formação e no
funcionamento do tecido cerebral”. O projeto conta com a participação de
especialistas em desenvolvimento cerebral, genética e ciência de dados, estando
como tal bem posicionado para enfrentar um desafio complexo.
Sobre o concurso de Investigação em Saúde da Fundação ”la
Caixa” de 2025
A cerimónia de entrega dos prémios decorreu no dia 20 de
novembro no Museu de Ciência CosmoCaixa. Segundo Àngel Font, subdiretor-geral
de Investigação e Bolsas da Fundação ”la Caixa”, «a investigação biomédica é
uma das formas mais poderosas de melhorar a vida das pessoas. Os 34 projetos
premiados abordam desafios muito diversos a partir de diferentes perspetivas,
mas todos partilham três eixos fundamentais para avançar rumo a um futuro mais
promissor para os doentes e as suas famílias: colaboração, talento e inovação”.
De acordo com a Fundação la Caixa, os projetos portugueses deste ano sobressaem
pelo seu carácter inovador e elevado impacto social.
Este ano, A Fundação la Caixa desenvolveu acordos com a
Fundação Breakthrough T1D e com a Fundação Luzón, o que permitiu dar maior
destaque ao financiamento de iniciativas centradas na diabetes tipo 1, com dois
projetos financiados, e na esclerose lateral amiotrófica (ELA), com um projeto
financiado. O concurso conta ainda com a colaboração da Fundação para a Ciência
e a Tecnologia (FCT), que destinou 1,8 milhões de euros para financiar três dos
nove projetos portugueses premiados nesta edição.
Desde o início do programa em 2018, o
montante total do concurso de Investigação em Saúde da Fundação ”la Caixa”
ascende a 172,3 milhões de euros para 234 projetos, dos quais 162 são liderados
por equipas espanholas e 72 por grupos de investigação portugueses. Universidade
do Porto - Portugal
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