Primeiro
livro interativo da rede mundial de computadores, “O rinoceronte de Clarice”,
que reúne contos com três finais diferentes, ganha, enfim, a esperada edição
impressa
I
Finalmente, chegou às livrarias e aos sites
de vendas o e-book O rinoceronte de Clarice
(Rio de Janeiro, Editora Autografia, 2024), de Silas Corrêa Leite, obra virtual
que abriga onze contos fantásticos, com três finais para cada ficção: um final
feliz, um de tragédia e um terceiro surrealista e politicamente incorreto. Obra
pioneira e por muito tempo única no gênero, de vanguarda, tem sido um sucesso
em downloads e acessos na internet, desde quando lançada em janeiro de
1998, o que valeu ao autor convites para entrevistas em programas de televisão
e elogios em veículos da grande mídia impressa, pois já é considerada o
primeiro livro interativo da rede mundial de computadores.
Por seu ineditismo, mereceu ser estudada na tese de
doutoramento “O livro depois do livro: a
experiência literária hipertextual em Giselle Beiguelman”, de Luciana Cristina
Lourenço da Silva, apresentada à Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Esta
tese estuda a obra de Giselle Beiguelman (1962), artista, curadora, professora titular
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design da Universidade de São
Paulo (USP) e pioneira no campo da arte digital e no uso da internet e da
inteligência artificial. Além desta obra
e de O rinoceronte de Clarice, a tese enfoca Miséria
e grandeza do amor de Benedita, de
João Ubaldo Ribeiro (1941-2014), e, a partir da semiótica do filósofo norte-americano
Charles Sanders Peirce (1839-1914), procura entender como a literatura se
encaixa neste processo e como este interfere na construção de uma leitura de
fruição estética ativa em ambiente virtual.
II
Escritos numa linguagem direta, sem rodeios, própria para
quem não tem tempo nem paciência para enfrentar a letra impressa, estes contos
reproduzem com simplicidade flagrantes da vida, como se descobre logo ao se ler
a primeira ficção, “Carmen”, que conta a história de uma pobre mulher, que vivia de uma parca pensão
pública, depois de uma trajetória simplória como professora de ensino primário
num colégio municipal da pacata cidade de Itararé, na divisa entre os Estados
de São Paulo e Paraná, e “ficou encostada,
de favor, na biblioteca-livraria da escola, até ser aposentada com laudo
provisório de meio esquizofrênica”.
Levara uma existência sozinha no mundo, até que conheceu
“uma amiga perdida como ela”, conhecida como Vida, mulher “de muitos amantes,
casados, solteiros, jovens, velhos, todos tristes”. O final desse
relacionamento, porém, não se adianta aqui não estragar a surpresa da leitura,
até porque haverá três finais opcionais à espera do leitor, que, enfim, poderá
escolher o seu preferido.
Ambientado na bucólica Itararé, como os demais, o conto que
dá título ao livro conta a história de outra mulher que não quis perdoar um
relacionamento extraconjugal do marido, “um executivo da área de informática,
que, além de cinquentão e bonito, era bem apessoado e de família rica”. E teve
de enfrentar a solidão e muitas dificuldades, “nau frágil à deriva na vida, a
casa abandonada, os amigos do casal, afastados, a minguada pensão do pai das
crianças que chegava com atraso, os filhos que não via direito, a sogra contra
ela, alegando que poderia perdoar e manter o lar-doce-lar”.
Tudo isso a jogaria na dependência de remédios para dormir
e, depois, de drogas, o que a levaria a ter alucinações, como a ver um
rinoceronte dentro de casa, até que, um dia, ao rebuscar gavetas, descobriu uma
arma esquecida pelo ex-marido. O resultado não se conta aqui até porque o autor
oferece três finais diferentes, cada qual à escolha do leitor.
III
Outro conto que atrai o leitor desde logo é “Pródigo”,
relato extenso, com mais de 40 páginas, inspirado na parábola bíblica que
consta do Santo Evangelho Segundo Lucas, capítulo
15, versículo 11. Aqui, os gêmeos Abel e Caim acabam por virar inimigos
mortais, a partir do beneplácito do pai deles, um português-judeu originário de
Coimbra, que viera sem nada e erguera uma fortuna, a ponto de morar numa mansão
perto da Avenida Paulista, agitado centro econômico da cidade de São Paulo.
Enquanto Abel esforçava-se para ajudar o pai em seu
crescimento econômico, já que sempre havia sido “um bom menino, correto,
trabalhador, apegado e ordeiro, guardião da moral e dos bons costumes do clã”, Caim,
desde cedo, tratara de convencer o genitor a lhe passar uma parte da fortuna
que haveria de desperdiçar em farras, como um “bon vivant,
bagunceiro, metido a poeta moderno, meio artista também e com forçada panca de
carente”.
Depois da morte dos pais, o irmão pródigo metido à besta
continuaria a gastar de maneira adoidada “o que recebera de herança imerecida”,
a ponto de Abel colocar um detetive profissional de confiança para vigiá-lo e
descobrir uma vida extremamente irregular: “bordéis de homossexuais, bancos de
drogas com dependência de todos os tipos, inclusive heroína, saunas mistas com
muita bebida importada, viagens compradas, até boates fechava e mandava chamar
os amigos do alheio, feito um babaquara marajá do dianho”.
O resultado desse embate o leitor terá, obviamente, mais
adiante com a leitura do desfecho, que, com os demais, oferece três conclusões
opcionais. Seja como for, o que resulta deste conto que se aproxima de uma
novela é uma narrativa feita de turbulências da alma, pois permeada de paixões
avassaladoras da vontade. Por isso, o leitor não haverá de se arrepender por
conhecê-lo, a exemplo dos demais contos aqui reunidos.
IV
Nascido em Monte Alegre, hoje Telêmaco Borba, no Paraná, morador
em São Paulo-SP desde 1970, Silas Corrêa Leite (1952), além de contista e
romancista, é poeta, letrista, professor, bibliotecário, desenhista, jornalista,
ensaísta, blogueiro e membro da União Brasileira de Escritores (UBE). Começou a escrever ainda muito jovem em
jornais do Interior de São Paulo, tendo apenas o curso primário, quando era
garçom num botequim na cidade de Itararé. Mudou-se para São Paulo, formou-se em
Direito e Geografia, fez especialização em Educação na Universidade Mackenzie e
extensão universitária em Literatura na Comunicação na Escola de Comunicações e
Artes (ECA) da USP. Atuou como professor na rede pública e em escolas privadas
na cidade de São Paulo.
Venceu alguns concursos com seus romances, artigos, poemas
e letras de blues. Foi premiado no Concurso Lygia Fagundes Telles para
Professor Escritor, da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Lançou Campo
de trigo com corvos (Jaraguá do Sul-SC, Design Editora, 2007); Gute-Gute, barriga experimental de
repertório (Rio de Janeiro, Editora Autografia, 2015); Goto, a lenda do reino encantado do barqueiro noturno do rio Itararé
(Florianópolis, Clube de Autores Editora, 2013); Tibete, de quando você não
quiser ser gente (Rio de Janeiro, Editora Jaguatirica, 2017); Ele está
no meio de nós (Curitiba, Kotter Editorial, 2018); O Marceneiro – a
última tentativa de Cristo (Maringá-PR, Editora Viseu, 2019), O lixeiro e o presidente (Curitiba,
Kotter Editorial, 2019); e Desjardim –
muito além do farol do final do mundo (Belo Horizonte, Editora
Caravana, 2023).
Nos últimos tempos, lançou Transpenumbra do Armagedon
(São Paulo, Desconcertos Editora, 2021); Cavalos selvagens, romance
imaginativo (Curitiba, Kotter Editorial/Taubaté, Letra Selvagem, 2021); A
Coisa: muito além do coração selvagem da vida (Cotia-SP, Editora Cajuína,
2021); Lampejos (Belo Horizonte, Sangre Editorial, 2019); Leitmotiv:
a longa estrada de fogueiras da cor de laranja: diário da paixão secreta de
Anne Frank (Curitiba, Kotter Editorial, 2023), Vaca profana: microcontos
(Cotia-SP, Editora Cajuína, 2023); H2Opus (Cotia-SP, Editora Cajuína,
2023), Bendito Filho – romance sobre a infância
do Menino Jesus (Araraquara-SP, Opera Editorial, 2023); Alucilâminas
(Cotia-SP, Editora Cajuína, 2023); Ensaios gerais: compêndio de críticas lítero-culturais
(Belo Horizonte, Editora Caravana, 2024); Alfa & Beto
– da poética das palavras – historial poético
das letras (São Paulo, Editora Cajuína, 2024); Rua Frida
Kahlo (São Paulo, Editora Calêndula, 2024); O ano em
que faremos contato com o elo perdido
(São Paulo, Namíbia Editora, 2024); e O sequestro do sonho
(São Paulo, Editora Calêndula, 2024).
É autor ainda de Porta-lapsos, poemas
(São Paulo, Editora All-Print, 2005); O Homem que virou cerveja, crônicas
(São Paulo, Giz Editorial, 2009); e Favela stories, contos (Cotia-SP,
Editora Cajuína, 2022). Seus trabalhos constam de mais de cem antologias,
inclusive no exterior, como na Antologia Multilingue de Letteratura Contemporanea,
de Treton, Itália, e Christmas Anthology, de Ohio/EUA. Adelto
Gonçalves - Brasil
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O rinoceronte de Clarice, de Silas Corrêa Leite. Rio de Janeiro,
Editora Autografia, 260 págs., R$ 24,90 (Amazon), 2024. Site: www.autografia.com.br
E-mails do autor: poesilas@terra.com.br; poesilas@gmail.com. Sites do autor: www.poetasilascorrealeite.com.br; www.
silascorrealeite.com
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Adelto Gonçalves, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e
Hispano-americana e doutor em Letras na
área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Gonzaga,
um Poeta do Iluminismo (Rio
de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São
Paulo, Publisher Brasil, 2002), Fernando Pessoa: a Voz de Deus (Santos,
Editora da Unisanta, 1997); Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003, São Paulo,
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia Brasileira de Letras,
2012), Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imesp,
2015), Os Vira-latas da Madrugada
(Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981; Taubaté-SP, Letra
Selvagem, 2015), e O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na
capitania de São Paulo – 1788-1797 (Imesp, 2019), entre outros. Escreveu
prefácio para o livro Kenneth Maxwell on Global Trends
(Londres, Robbin Laird, editor, 2024), publicado nos Estados Unidos e na Inglaterra.
E-mail: marilizadelto@uol.com.br
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