"Antes do Poema"
I
Quando o luar caiu
e tingiu de magia os
verdes da ilha
cheguei, mas tu já não
eras.
Cheguei quando as sombras
revelavam
os murmúrios do teu corpo
e não eras.
Cheguei para despojar de
limites
o teu nome
não eras.
As nuvens estão densas de
ti
sustentam a tua ausência
recusam o ocaso do teu
corpo
mas não és.
Pedra a pedra encho a
noite
do teu rosto sem medida
para te construir convoco
os dias
pedra a pedra
no tempo que te consome.
As pedras crescem como
vagas
no silêncio do teu corpo
jorram e rolam
como flores violentas
no silêncio do teu corpo
e sangram. Como pássaros
exaustos.
A noite e o vento se
entrelaçam
no vazio que te espera.
II
Súbito chegaste
quando falsos deuses
subornavam
o tempo.
Chegaste para despedir
a insónia e o frio
chegaste sem aviso
quando a estrada se abria
como um rio
chegaste para resgatar
sem demora o princípio
Grave o silêncio rodeia o
teu corpo
hostil o silêncio agarra
teu corpo
mas já tomaste horas e
caminhos
já venceste matos e
abismos
já a espessura do obô
resplandece em tua testa.
E não bastam pombas em
demência
no teu rosto
não bastam consciências
soluçantes
em teu rasto
não basta o delírio das
lágrimas libertas.
Eu cantarei em pranto
teu regresso sem idade
teu retorno do exílio na
saudade
cantarei sobre a terra
teu destino de rebelde
Para te saudar no mar e no
palmar
na manhã do canto sem
represas
cantarei a praia lisa e o
pomar.
Direi teu nome e tu serás.
Conceição Lima – São Tomé
e Príncipe
In “O Útero da Casa” (Editorial Caminho)
Maria
da Conceição de Deus Lima. Nascida em Santana, ilha de São Tomé,
São Tomé e Príncipe, a 8 de Dezembro de 1961. Estudou jornalismo em Portugal, licenciou-se
em Estudos Afro-Portugueses e Brasileiros no King’s College London, obteve
também o grau de Mestre em Estudos Africanos, com especialização em “Governos e
Políticas em África” pela School of Oriental and African Studies (SOAS), em
Londres.
Jornalista
de profissão, tendo exercido vários cargos de chefia nos órgãos nacionais de
comunicação social, incluindo o de directora da TVS, Televisão
São-tomense. Em 1993 fundou o semanário independente O País Hoje, do
qual foi directora. Durante vários anos, foi jornalista e produtora dos
Serviços de Língua Portuguesa da BBC, baseada em Londres.
Conceição
Lima destaca-se sobretudo como poeta, inserida no contexto pós-independência do
seu país. A sua poesia percorre temas como memória, identidade, colonialismo,
lugar e corporação feminina.
Publicou
O Útero da Casa, (2004, Lisboa, Editorial Caminho), A Dolorosa Raiz
do Micondó, (2006, 1ª edição; 2008 2ª edição, Lisboa, Editorial Caminho) e O
País de Akendenguê (2011, Lisboa, Editorial Caminho). Em 2015, publicou Quando
Florirem Salambás no Tecto do Pico (edição de autor, São Tomé e Príncipe).
Em
2025, a antologia em inglês No Gods Live Here (“Aqui Não Moram Deuses”)
foi distinguida com o prémio Northern California Book Award (44.ª edição) na
categoria de poesia traduzida. A distinção com o Northern California Book Award
destaca-a internacionalmente e sublinha a tradução da sua obra para o inglês.
É
considerada “o nome mais traduzido da literatura são-tomense”, com traduções da
sua obra para o alemão, o árabe, espanhol, francês, inglês, italiano, turco,
servo-croata e shona.
Em 2021, foi nomeada
coordenadora nacional para São Tomé e Príncipe do World Poetry Movement e é
membro-fundadora da União Nacional dos Escritores e Artistas São Tomenses
(UNEAS), que reafirmam o seu papel institucional no contexto cultural de São
Tomé e Príncipe. Baía da Lusofonia
Sem comentários:
Enviar um comentário