Depois de em dezembro do ano passado ter acolhido o primeiro Festival Lusófono, Goa poderá vir a ser o elo de ligação entre a Índia e todos os países lusófonos. Uma oportunidade para a Índia, atualmente na presidência do G20, reforçar os laços com África e a América Latina, onde se situam alguns destes países
A Índia,
em dezembro de 2022, deu um passo estratégico para fortalecer os laços com os
países lusófonos, ao acolher o seu primeiro Festival Lusófono em Goa. O
festival, de cariz maioritariamente cultural, teve também alguns momentos
sérios de diálogo entre os países lusófonos, que analisaram sobretudo as
possibilidades de laços económicos com a Índia. Mas o que tornou tudo
interessante foi a escolha de Goa para acolher este festival, já que o estado
foi colónia portuguesa durante 450 anos, até 1961, e muitas vezes foi visto
como o elo de ligação entre a Índia e Portugal. Depois do festival lusófono,
Goa poderá vir a ser o elo de ligação entre a Índia e todos os países
lusófonos.
Para
a Índia, que detém atualmente a presidência do G20, os países lusófonos são um
agrupamento geopolítico com o qual não se envolveu anteriormente e que podem
levar a laços mais fortes em África e na América Latina, onde se situam alguns
destes países. A Índia está bem ciente disso.
A
ministra dos Negócios Estrangeiros indiana, Meenkashi Lekhi, falando na
inauguração do evento, disse que o Festival Lusófono assume mais importância
uma vez que a Índia partilha relações profundas com os países de língua
portuguesa. "Na primeira fase da globalização, como a história lembra, a
língua portuguesa tornou-se uma língua global naquele momento e no século XVI
os portugueses descobriram a rota marítima para a Índia e começaram a trabalhar
e negociar com a Índia. A fusão de culturas pela qual a Índia é conhecida
tornou-se um produto que vemos em Goa."
Acrescentando
a isto, Pramod Sawant, ministro-chefe de Goa, afirmou: "Goa é um excelente
exemplo do impacto que a globalização e o comércio tiveram na população
indiana." E acrescentou que o comércio era o esteio da Região de Konkan
antes mesmo de os portugueses chegarem a Goa. Salientou que foram os
portugueses que introduziram o caju e a malagueta no subcontinente no século
XVI e que hoje Goa obteve a etiqueta de Identificação Geográfica (IG) do caju
feni, a bebida local feita a partir da castanha de caju.
Mas
isso é história e hoje, segundo disse a ministra Lekhi, existem cerca de 10 000
pessoas na Índia que falam português, que como parte das famílias da Comunidade
dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) continuam empenhadas na promoção do
idioma e através das quais os países lusófonos têm muito com que trabalhar com
a Índia. É um número pequeno quando comparado com o facto de existem 265
milhões de falantes de português em todo o mundo, abrindo as portas a um vasto
potencial de relações comerciais e económicas entre a Índia e os países da
CPLP. E é isso que a Índia pretende atingir - as economias em crescimento nos
países lusófonos.
Para
a Índia, os países lusófonos abrem áreas na América do Sul e em África para
cooperação económica. Não é que atualmente não existam tais laços económicos.
As empresas indianas têm escritórios e fábricas em alguns países lusófonos,
levando os indianos mais jovens a aprender a língua portuguesa, pois isso
oferece-lhes uma vantagem no mercado de trabalho em África ou na América
Latina.
Tomemos
o exemplo de Dinesh Reddy, que vem do Estado de Andhra Pradesh e trabalhou numa
empresa indiana de bebidas em Angola e Moçambique, onde aprendeu português. No
seu regresso à Índia decidiu melhorar o seu conhecimento da língua e assim veio
para a Universidade de Goa para dominar o idioma.
"Antes
de ir para África eu não sabia português, mas era minha paixão trabalhar num
desses países de língua portuguesa. O meu interesse pela cultura portuguesa
existe há muito tempo, desde que visitei Goa pela primeira vez", disse
Reddy. No seu regresso de África, trabalhou para empresas na Índia,
principalmente aquelas envolvidas em terceirização de processamento de negócios
(business process outsourcing) onde é exigido o conhecimento da língua
portuguesa. "O conhecimento da língua que eu tinha era suficiente para
conseguir emprego na Índia, mas eu queria melhorar as minhas qualificações em
português, então larguei o meu emprego e vim para cá", disse Reddy.
Curiosamente,
a Universidade de Goa é o único instituto de Ensino Superior no subcontinente
indiano que oferece a licenciatura e mestrado em Português e, portanto, atrai
um grande número de jovens de toda a Índia.
Como
Reddy, temos Simran Kumari, uma jovem que vem do Estado de Bihar e que tem
parentes que aprenderam várias línguas estrangeiras. Ela decidiu que aprenderia
português. "Eu estava muito interessada em aprender algo novo. A língua
portuguesa é uma língua próxima e tem boas perspetivas de carreira, além disso,
eu adoro esta língua". Kumari tem planos para conseguir um emprego depois
de se formar e, posteriormente, concluir o seu mestrado em Língua Portuguesa,
pelo que talvez volte para a Universidade de Goa.
A
língua portuguesa ainda não é um grande atrativo na Índia, mas está a crescer.
Se o atual lote de estudantes conseguir posições lucrativas em empresas
multinacionais, sempre há a possibilidade de que mais estudantes de toda a
Índia, e talvez de fora do país, possam vir a Goa para aprender o idioma.
O
Festival Lusófono foi uma oportunidade para os indianos à procura de emprego
nos países da CPLP terem uma ideia de que indústria poderiam almejar. Uma mesa-redonda
organizada pela Universidade de Goa em duas partes - India"s Outreach to
the Global South: Exploring Convergence with CPLP e India-Lusophone Historical
and Cultural Linkage: Retrospect and Prospects - reuniu palestrantes de vários
países lusófonos.
Além
de funcionários do Ministério das Relações Exteriores da Índia e do ICCR,
estiveram presentes os embaixadores de Portugal e Espanha na Índia, o
vice-cônsul do Brasil, o ministro conselheiro de Moçambique e Angola, o cônsul
honorário de Cabo Verde, além de representantes do Centro de Assistência Social
e Progresso económico e o Instituto de Defesa Manohar Parrikar. Com cinco dos
oito países lusófonos localizados em África, o primeiro painel de discussão foi
sobre como a lusofonia pode ser um elo entre a Índia e os países da África. A
Índia tem boas relações com Portugal e Brasil.
As
áreas estratégicas onde a Índia e os países lusófonos podem conectar-se incluem
a economia azul, energias renováveis, defesa, conectividade, mobilidade e
comércio - todas são também áreas em que a economia indiana se está a
concentrar. A Índia, por outro lado, oferece cooperação em infraestruturas e
energia (incluindo bioenergia, energia solar e outras renováveis). Portugal,
por exemplo, é atualmente um líder em energia renovável, enquanto a Índia está
a ficar para trás. Uma cooperação mais estreita aqui poderia beneficiar os dois
países.
O
segundo painel de discussão foi composto em grande parte por personalidades que
vieram do campo cultural. Contou com representantes do Ministério dos Negócios
Estrangeiros, um professor visitante português da Universidade de Goa,
Camões-Centro de Língua Portuguesa, Goa, Fundação Oriente - Delegação em Goa,
Sociedade Lusófona de Goa e outros.
A
discussão girou em torno da importância do português como língua e como a
língua pode ser um elo entre a Índia e os países lusófonos. "Dado o facto
de que haverá 300 milhões de pessoas falantes de português até 2030, isso torna
o idioma muito importante", afirmou a professora Aparjita Gangopadhay, da
Universidade de Goa. "É preciso olhar para a perspectiva histórica, bem
como olhar para a cooperação mais contemporânea", sublinhou.
Dada
a localização de Goa e os laços históricos com o mundo lusófono, esta foi a
primeira vez que houve tal discussão no estado. A história de Goa faz dela um
ponto nodal para o avanço das relações com os países lusófonos, e onde o
Departamento de Estudos Portugueses e Lusófonos da Universidade de Goa pode
desempenhar um papel importante.
Como
disse o professor assistente do departamento, Dhruv Usgaonkar: "Existem
muitas oportunidades se esperarmos", é apenas a falta de consciência que
pode estar a impedir muitos mais de ingressar no curso.
Mas
em Goa, que tem a língua portuguesa como disciplina opcional a partir do ensino
médio, há um olhar diferente para o estudo desta língua.
Amanda
D’Costa, aluna de mestrado em Português na Universidade de Goa, estudou
português por um ano em Portugal, após a sua licenciatura em Inglês com matéria
secundária em Português e depois voltou para Goa para continuar os seus
estudos.
"Passar
um ano em Portugal, despertou o meu interesse na língua e cultura. As pessoas
eram incríveis, a cultura era incrível", contou D’Costa. Mas não tem
certeza do que vem a seguir no seu futuro. "De momento, estou a fazer isto
porque estou a gostar de aprender, mas ainda não planeei o que vou fazer com o
diploma", acrescentou.
Assim
como D’Costa também temos Srushti Prabhudesai, aluna de Português da
Universidade que fez um intercâmbio estudantil de um ano em Portugal e já havia
estudado o idioma como disciplina desde os tempos de colégio. "Aprendi
muito sobre a cultura, que provavelmente não teria descoberto aqui em Goa, foi
uma experiência muito boa", recordou Prabhudesai sobre o ano que passou em
Portugal. O que é interessante nesta jovem é que também canta fado, talento que
adquiriu ao frequentar um workshop dirigido por Sonia Shirsat, fadista de Goa.
Nem
todos, no entanto, estão à procura de emprego em multinacionais. Prabhudesai,
por exemplo, está a pensar em ensinar Português. "Ainda não decidi com
certeza, mas acho que gostaria de dar aulas de português", disse ela.
As
oportunidades de cooperação entre a Índia e os países lusófonos, portanto, são
muitas. Tudo o que é necessário é o desejo de que esses países levem os seus
laços históricos a outro nível no mundo moderno, aproveitando o potencial
inexplorado existente. O potencial para uma formação triangular entre Índia,
Brasil e Portugal existe no estabelecimento de projetos colaborativos,
especialmente porque a Índia e o Brasil também fazem parte dos BRICS (Brasil,
Rússia, Índia, China, África do Sul) que promovem a cooperação económica entre
esses cinco países. No momento, essas são possibilidades que podem se
transformar em ações, basta querer agir. Moniz Barbosa – Goa in “Diário de Notícias”
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