As celebrações do Ano Novo Chinês estendem-se dos bairros de Lisboa onde se concentra a maior parte da comunidade chinesa às casas espalhadas por todo o país onde famílias chinesas ou com ligações à China assinalam a data
Os
supermercados, lojas e restaurantes chineses do Martim Moniz e da Avenida
Almirante Reis, do Parque das Nações e de outras geografias lisboetas vestem-se
de gala para receber o Ano do Coelho já este domingo. Os maiores centros de
abastecimento de produtos chineses estão na longa avenida que atravessa a
capital portuguesa e liga a praça do Martim Moniz ao Areeiro, e é exactamente
aí que Kelly Guo e a família compram a cada mês todos os alimentos de que
necessitam para continuar a cozinhar quase como se nunca tivessem saído de
Hebei, província vizinha de Pequim de onde são naturais.
Poucos
dias antes da grande festa de Ano Novo Chinês, a casa dos Guo em Rio de Mouro,
a poucos quilómetros de Sintra e da costa, tem a mesa posta e as tradicionais
decorações em ordem. “Costumamos fazer todas as decorações antes do Natal e só
as retiramos após o Ano Novo Chinês”, conta esta mãe solteira de 42 anos que
tem a filha a estudar Design de Moda em Milão e vive desde 2014 em Portugal com
os pais já reformados.
Kelly
Guo trabalhava em Pequim com imigração e investimento – e ainda mantém uma
empresa na capital chinesa. Há nove anos veio a Portugal pela primeira vez em
trabalho, visitou também a Grécia e o Chipre, mas preferiu esta ponta da Europa.
“Da segunda vez vim com alguns amigos e com a minha mãe, de férias, e ela
também gostou muito. Dessa vez procurámos uma casa para comprar e conseguir a
residência através do Visto Gold. Sou divorciada, então para mim é muito
importante estar com os meus pais e a minha filha. O programa de vistos
permitia incluir toda a família e mudarmo-nos para cá, foi por isso que comprei
casa aqui e comecei uma nova vida.”
Nesta
manhã fria de Janeiro, Kelly Guo veste um casaco branco e vermelho tradicional
e usa uns brincos em forma de leque quando recebe o Ponto Final em sua casa. A
vivenda, situada numa encosta e rodeada de casario, tem uma piscina e uma
pequena horta cuidada exclusivamente pelo senhor Guo, um sexagenário muito
activo que faz as compras da família no comércio local mesmo sem falar
português e inglês, apenas com gestos e astúcia, e que cultiva um bem precioso
para a mais importante das iguarias nesta época festival: o cebolinho utilizado
para apaladar os jiaozi 饺子,
suculentos dumpings que nunca faltam no Ano Novo Chinês. Muitas famílias amigas
tentam que os Guo lhes cedam alguma desta verdura mas Kelly garante que é
impossível satisfazer todos os pedidos, estando à vista que há um nicho de
negócio por ocupar.
Na
família Guo ninguém fala português fluente: a filha estudou numa escola
internacional e nunca apreciou o idioma, Kelly nunca estudou e o senhor Guo é
mesmo o único que arrisca algumas palavras. Isso não impede que se sintam bem
integrados e gostem de viver em Rio de Mouro.
Comida chinesa, vinho português
No
Ano Novo Chinês, como acontecia na China, os Guo reúnem-se e celebram em
família, mas não apenas uma vez. Desde 15 de Janeiro, o 23º dia de Dezembro do
calendário lunar, que se repetem almoços e jantares. “Na semana passada, por
exemplo, tive um almoço com os meus vizinhos e os anteriores donos da minha
casa, que também ficaram nossos amigos”, conta Kelly.
Conversamos
à mesa, decorada e coberta por frutas, um conjunto de chá e pequenos aperitivos
chineses como os 稻香村 dao xiang cun, bolinhos
feitos com pasta de tâmara-chinesa; ou os 黑芝麻饼 hei zhi ma bing,
snacks de tonalidade escura cobertos de sementes de sésamo. Mas a grande noite
não será passada aqui. “Este ano vamos celebrar na casa de uma amiga, somos
três famílias grandes e vamos passar o ano juntas”, elucida Kelly.
As
famílias juntam-se a partir da hora de almoço do último dia do ano que acaba (三十儿)
para assistirem à Chunwan 央视春晚, a Gala de Ano Novo da televisão estatal chinesa CCTV.
Depois de almoço, cozinham dumplings toda a tarde – amassam e tendem a massa,
preparam os diferentes recheios e, com uma precisão de dedos de pianista,
preparam os pequenos jiaozi que depois podem ser cozinhados ao vapor em cestos
de bambu, em simples água a ferver ou na frigideira. A acompanhar a comida,
bebe-se chá, 白酒 bai jiu, o vinho de arroz chinês, e também vinho tinto
português, que os Guo apreciam bastante desde que aqui se instalaram. “Outra
grande alteração de hábitos alimentares para o meu pai é que na China nunca
bebia café, nunca. Agora bebe sempre dois cafés longos, depois do
pequeno-almoço e da parte da tarde”, ri-se Kelly.
Enquanto
as horas passam e se espera pelo primeiro dia do novo ano (初一),
joga-se mahjong e cartas, conversa-se e é também habitual oferecerem-se
presentes aos familiares mais velhos, por exemplo comida ou roupas. Aos mais
novos dá-se o pequeno envelope vermelho com mais ou menos dinheiro, hong bao 红包 em mandarim. Canções tradicionais de ano novo não fazem
parte do programa de festas dos Guo, mas haverá sempre uma máquina de karoke à
mão para quem quiser afinar a garganta. Quando as doze badaladas soam na China,
esta e outras famílias radicadas em Portugal celebram num fuso-horário
diferente a entrada do povo chinês num novo ciclo.
A sorte dos animais
Kelly
Guo nasceu no ano do Galo e não tem grandes esperanças agora que chega a vez do
Coelho. “Para este ano, o meu animal não é lá muito bom.” Seja como for,
compram sempre algumas coisas que dão sorte para colocar na casa, como
imitações de antigas moedas chinesas ou enfeites para portas e janelas com o
caracter 福 fu, que representa fortuna ou boa sorte. “Pomos este
caracter nas portas e nas janelas porque dizemos sempre que ‘a fortuna virá’.”
Kelly acredita que este ano que agora arranca será melhor para as pessoas que
nasceram nos anos do Cavalo e da Cabra. “A minha esperança é pedir pela saúde
dos meus pais e depois pelos meus negócios, porque sou a única pessoa que faz
dinheiro na nossa família, por isso preciso que corram bem”. Com os parentes e
os amigos que estão longe, os Guo fazem chamadas de vídeo e trocam mensagens,
mas não apenas nos dias de ano novo. “Todas as manhãs os meus pais estão
ocupados a conversar com os seus amigos na China”, garante Kelly, que conta
festejar até ao quinto dia do novo ano lunar, quando se volta a fazer e a comer
dumplings como manda a tradição.
Hot pot para dias gelados
Os
restaurantes de hot pot ainda estão longe de ser comuns em Portugal mas, em
Lisboa, aqueles que existem têm-se tornado cada vez mais populares. No
restaurante Sweet Olives, em Chelas, a senhora Ma Enle escusou-se a preparar
quaisquer decorações especiais para o Ano Novo Chinês, mas sabe que terá a casa
bem composta. “Nesta altura o negócio corre um pouco melhor do que nos dias
normais”, diz ao Ponto Final, apontando que a maioria dos clientes é chinesa.
“Apenas uns poucos estrangeiros [sic] sabem o que é ou gostam de hot pot, a
maioria não faz ideia.”
Natural
de Chengdu, na província de Sichuan, Ma Enle espera celebrar a entrada no ano
do Coelho em família, com um grande repasto. “Os pratos mais importantes que
serviremos são os guisados de galinha, o pato e o peixe, todos pratos que
representam que o último ano foi bom e que desejam um novo ano auspicioso. No
final do jantar distribuiremos os envelopes vermelhos [com dinheiro] pelos mais
novos, para desejar-lhes um bom ano novo em termos de finanças, trabalho e vida
pessoal”. Nascida no ano da Cabra, a senhora Ma Enle é contida nos desejos para
o novo ano: apenas saúde para poder continuar a apresentar o hot pot de Sichuan
aos clientes do seu restaurante em Lisboa.
Museu do Oriente com programação especial de ano novo
O
Museu do Oriente, em Lisboa, preparou uma programação especial para dar as
boas-vindas ao Ano do Coelho. O programa de festas tem vindo a decorrer ao
longo de Janeiro e estende-se até 5 de Fevereiro, mostrando vários aspectos e
tradições associadas a esta festividade. No domingo, 22 de janeiro e primeiro
dia do novo ano, a entrada no museu é gratuita; e já amanhã, 21 de janeiro,
pelas 10h30 de Lisboa, tem lugar o workshop “Dumplings”, que ensina a preparar
este prato tradicional chinês presente em todas as mesas de ano novo e que,
simbolicamente, representa a necessidade de rechear os jiaozi (e a vida, já
agora) de todas as coisas boas. Hoje mesmo, às 18h, realiza-se uma visita
orientada às exposições em torno da temática do ano lunar. A participação é
gratuita, mediante inscrição. No domingo que marca a entrada no Ano do Coelho,
o auditório do Museu do Oriente recebe um concerto com entrada gratuita, que
junta a Lisbon Chamber Ensemble e Orquestra Metropolitana de Lisboa com os
solistas Bin Chao (violino) e Zeming Wu (piano). Para 4 de Fevereiro está
agendado o workshop “Feng Shui para 2023 – Ano do Coelho”, e no dia seguinte há
uma sessão aberta de Tai Chi Chuan. Finalmente, a 5 de Fevereiro o museu recebe
uma oficina de lanternas chinesas. Hélder Beja – Portugal in “Ponto
Final”
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