Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sábado, 15 de maio de 2021

Estados Unidos da América - Eduardo Mayone Dias: uma vida dedicada à escrita sobre a Diáspora

No dia 24 de abril, com a bonita idade de 94 anos faleceu em Los Angeles um dos nomes mais conhecidos na Diáspora portuguesa em terras americanas: Eduardo Mayone Dias. O académico português na Califórnia que dedicou uma vida à nossa comunidade, a pesquisar e a contar as nossas histórias. Se hoje temos alguma história da presença portuguesa neste estado devemo-la, em grande parte a Eduardo Mayone Dias. A sua dedicação às vivências portuguesas, e de uma forma particular açorianas, no mundo académico californiano, é única. Teremos para sempre uma grande divida para com este intelectual, que sempre esteve com a nossa diáspora.

Co-autor de um dos primeiros manuais para o ensino da língua portuguesa nos Estados Unidos, especialmente para o ensino superior, embora também utilizado ao nível do ensino secundário, este á acima de tudo um compendio que fulgura pelo contexto cultural que apresenta aos alunos: quer ao nível de Portugal, quer ao nível das comunidades. Portugal: Língua e Cultura, cuja primeira edição data de 1974 pela extinta editora The Cabrillo Press, e com segunda edição em 1995 pela Língua Text, foi um dos livros mais utilizados nos estabelecimentos onde se ensina a língua portuguesa. Este manual deu lugar a uma edição posterior dedicada ao ensino do português do Brasil, o qual teve co-autoria de Eduardo Mauone Dias—Brasil: Língua e Cultura. 

Foi a partir de 1977, e depois de ter publicado em 1975 a tese Menéndez Pelayo e a Literatura Portuguesa, com a chancela da Biblos de Coimbra, que este distinto catedrático, lançou uma série de livros sobre as nossas comunidades portuguesas e que merecem não só ser lidos pelos dados históricos que fornecem a cada leitor, mas ainda pela prosa escorreita, o estilo subtil e delicado com que o Professor trata cada um dos detalhes que nos conta. As suas crónicas, os seus ensaios, são mais do que simples relatos de ocorrências ou de pessoas.  Cada frase é trabalhada e cada crónica ou ensaio é uma obra de arte.  A arte de bem contar. Miguel Torga disse algures que “descrever é fácil, escrever é difícil”. A obra do Dr. Mayone Dias é, toda ela, um exercício de belíssima escrita que nos deixa mais ricos e ao fim e ao cabo é dessa riqueza humana que se faz a humanidade.

A biografia, em 1977, Crónicas das Américas em 1981; Cantares de Além-Mar em 1982; Coisas da L(USA)lândia em 1983; A literatura Portuguesa na Califórnia (separata da revista Arquipélago da Universidade dos Açores) em 1983; Cem Anos de Poesia Portuguesa na Califórnia (co-autor com o Professor Doutor Donald Warrin) em 1986; Novas Crónicas da Américas em 1986; Portugueses na América do Norte em 1987; Falares Emigreses, uma abordagem ao seu estudo em 1989; Crónicas da Diáspora em 1992; Escritas de Além-Atlântico em 1993; O Meu Portugal Antigo e Distante em 1997; Misclânea Lusalandesa em 1997;  Portugal’s Secret Jews, The End of an Era em 1999; Criptojudeus Portugueses, o fim de uma Era (edição bilingue) em 1999; Portugueses na Guerra do Vietname (co-autor com Adalino Cabral) em 2000 e A Presença Portuguesa na Califórnia, que foi lançado na cidade de Tulare, num dos últimos Filamentos da Herança Atlântica.  As últimas obras publicadas foram Crónicas Americanas, da coleção Rio Atlântico, coordenada por Onésimo Teotónio Almeida, e em 2017, a biografia ficcionada, como lhe chamou Francisco Cota Fagundes, que escreveu o prefácio, publica com o nome de Eduardo Alberto De Oliveira Rocha, e com a chancela da Portuguese Heritage Publications of California, Memórias de um Burocrata Invisível.

Uma vasta obra que reflete a dedicação que o Professor Doutor Eduardo Mayone Dias tem tido pelas comunidades e pelas ligações Portugal/Diáspora. Tal como afirmou o Professor Doutor Onésimo Teotónio Almeida, catedrático da prestigiosa Universidade Brown, numa alocução feita no sul da Califórnia a propósito de uma homenagem feita ao Professor Mayone Dias em 1985 e mais tarde publicada no livro L(USA)lândia a décima ilha: “a obra de Eduardo Dias é uma excelente prova de que, afinal, a cultura é algo vivo. É de que, se é passado, é também presente, pois as duas dimensões não se excluem.” Em todos os livros de Eduardo Mayone Dias encontra-se retratado o seu empenho em dignificar as vivências portuguesas em terras americanas. Ele que no meio da cosmopolita cidade de Los Angeles, leccionando e investigando num das mais prestigiosas universidades públicas dos Estados Unidos, não se fechou numa redoma, pelo contrário, viajou pela Califórnia lés-a-lés recolhendo dados sobre as nossas comunidades.  Tal como foi escrito no livro “Abraço Verbal a Eduardo Mayone Dias” inserido no livro que já referimos de Onésimo Teotónio Almeida “...na comunidade portuguesa, Eduardo Dias é um homem simultaneamente dela e da Universidade.  Ele mantém sempre escancaradas as portas que vão de um mundo ao outro...da minha parte, não conheço na história da comunidade portuguesa nos Estados Unidos professor universitário nenhum que tanto e tão bom tenha feito por essa comunidade. A sua obra está aí a desafiar quem por mera hipótese queira verificar empiricamente esta minha afirmação.”

São muitos os seus companheiros do ensino e da escrita que admiram a obra deste académico.  Não há, nos Estados Unidos, quem no campo universitário não conheça o nome e o trabalho que este distinto professor desempenhou em prol das gentes portuguesas na Califórnia. É impressionante notar o seu compromisso perante as vivências dos portugueses, e seus rebentos, em terras do Eldorado, assim como extraordinária admiração que as comunidades, desde o político ao vaqueiro, do professor ao empregado fabril, lhe dedicavam. É que tal como afirmou o critico literário Vamberto Freitas no prefácio para o livro Miscelânea Lusalandesa: “A esta quase incrível persistência e dedicação à história e registo da atualidade dos portugueses na Califórnia, junta-se qualidade como uma natural capacidade de empatia que Mayone Dias sempre demonstrou pelo grupo e, ao mesmo tempo, a ausência de qualquer condescendência ante o que ele entende ser defeitos ou meras fraquezas coletivas nossas.” 

Um dos seus últimos livros foi, A Presença Portuguesa na Califórnia, publicado pela Peregrinação de José Brites. Trata-se, essencialmente, do primeiro livro da história dos portugueses na Califórnia.  Mais do que uma coletânea de crónicas, que do professor Dias seriam uma delícia, este livro dá-nos, em 124 páginas, a história das gentes portuguesas no gigantesco estado da Califórnia.  Começando com um trabalho intitulado “Os primeiros tempos: presenças fugazes” onde percorremos os primórdios da nossa presença desde João Rodrigues Cabrilho a Sebastião Rodrigues Sermenho, passando para “Os primeiros emigrantes” no qual encontramos a história de António José Rocha e a sua vinda em 1814 até ao baleeiro jorgense Joseph Miller (José de Sousa Neves) que à Califórnia chegou por volta de 1836, ao ensaio “A emigração em massa” que nos relata em prosa de quem sabe penetrar os labirintos da escrita, as sucessivas ondas de emigração para este estado do pacífico.

A leitura deste pequeno/grande livro de história, nem que os livros se medissem aos palmos ou ao peso, encontramos a nossa experiência e o nosso contributo nas indústrias dos laticínios, da caça à baleia, à pesca do atum.  Há um capítulo dedicado às festas sociais da nossa comunidade, desde o Espírito Santo ao Carnaval, passando pelo fenómeno recente (das últimas décadas) das touradas, de praça e à corda, que mobilizam milhares de pessoas em todo o Vale de San Joaquim e no sul da Califórnia, mais concretamente nas cidades limítrofes de Los Angeles: Artesia e Chino. O movimento fraternal que ainda movimenta milhões de dólares de poupanças e investimentos da comunidade e que continua a ser uma importante parcela da nossa vida social.

Um dos capítulos mais aprazíveis é o que o Professor dedicou ao fenómeno da mistura dos dois idiomas no linguajar das nossas comunidades.  O “portinglês” é um ensaio que explicita as razões destes vocábulos e a riqueza dos mesmos.  Vistos em tempos idos como algo depreciativo, tratados em Portugal e nos Açores pejorativamente, foi Eduardo Mayone Dias que sempre lutou, com todo o rigor académico, e patenteou perante os puristas de todos os “Terreiros do Paço” que a utilização destes vocábulos no discurso quotidiano das nossas gentes era, e é, indicador do poder de adaptação dos emigrantes.

Dedicando um longo capítulo à “comunicação social de expressão portuguesa” o autor mostra-nos, ainda mais esta vez, a tal empatia que Vamberto Freitas nos falava.  Um estudioso da nossa comunicação social e um colaborador fiel da mesma, Mayone Dias sempre colaborou nos jornais, nas rádios e nas televisões das nossas comunidades. Muitos dos seus artigos, dos seus ensaios, colecionados em vários dos seus livros, viram primeiro a luz do dia em jornais da Califórnia, da Costa Leste, do Canadá e claro também de Portugal continental e dos Açores. Nos momentos de pujança e de contratempo as crónicas do Professor sempre brilharam nas páginas da nossa imprensa. Nos 16 anos que fiz rádio, nunca me recusou uma entrevista, um comentário, uma conversa.  E foi ainda o responsável pelo guião que conduziu a produção videográfica que  David Martins realizou: “Os Portugueses na Califórnia.”  Daí que o seu capítulo sobre a comunicação social seja um dos mais enriquecedores desta história dos Portugueses na Califórnia. 

Outro capítulo deslumbrante é o que dedica à nossa literatura de expressão portuguesa neste estado. Não tivesse sido ele um dos responsáveis pelo seu estudo durante tantos anos! Desde a literatura de cariz popular aos escritos mais eruditos, Mayone Dias, dá-nos um retrato fidelíssimo das narrativas dos portugueses nesta parcela norte-americana. E termina, muito ao seu estilo de observador eminente: “E o futuro? É evidente que esta literatura oferece um carácter intrínseco e de considerável efemeridade, já que é produzida por e para o núcleo transplantado. A ser interrompido o fluxo migratório, ficará inexoravelmente condenada a tornar-se peça de museu.”

Já na parte final deste livro há “Um Balanço Geral” em que o escritor e estudioso das nossas comunidades e da vida, disserta sobre o que fomos e somos. São três páginas de prosa empolgante convidando os leitores a refletirem as vivências e o futuro, a curto e longo prazo, da nossa presença neste estado, e a tal metamorfose que todos, aqueles vivem e se interessam pelas nossas comunidades, andámos a falar já lá vão muitos anos. E é nesta prosa sadia que termina, afirmando: “Será difícil prever por que trajetória enveredará a emigração portuguesa para a Califórnia. Nas últimas décadas as chegadas diminuíram substancialmente. A manter-se este decréscimo será, pois, de conceber um envelhecimento da comunidade e um progressivo domínio da vida social por uma geração de luso-descendentes. Não é, porém, de crer que com facilidade desapareça a tradição cultural que os portugueses trouxeram a essa região e que tão vigorosamente tem marcado a sua presença por mais de 180 anos.” 

As últimas páginas de A Presença Portuguesa na Califórnia são de uma riqueza prodigiosa para a nossa história de comunidades portuguesas neste estado banhado pelo pacífico. Primeiro apresenta uma cronologia (1542 a 1999) da nossa presença com os principais acontecimentos que marcaram as nossas comunidades, segundo, as bibliografias (especial e geral) são documentos riquíssimos para os arquivos comunitários.

Daí que se recomende a leitura deste livro em português ou na tradução para inglês por Kathie Baker, com a qual colaborei. A sua presença em língua portuguesa é importantíssima para uma geração que ainda consegue ler em português, para os estudos das nossas comunidades nas universidades americanas e portuguesas, para as bibliotecas em Portugal onde devem estar as obras de quem nas comunidades, corajosamente, ainda escreve em português para que a nossa língua sobreviva mais algum tempo, para registar, com todo o rigor, os nossos feitos em terras americanas e estabelecer a tal ponte que todos queremos entre a terra de origem e a diáspora. Em português ainda, porque tal como outras obras da nossa emigração, este livro deveria ser leitura obrigatória pelos políticos portugueses antes de visitarem as nossas comunidades. E em inglês, na tradução publicada pela Portuguese Heritage Publications of California, porque sem ser maçador, este pequeno/grande livro traça a história dos portugueses na Califórnia. A história, que muitos luso-descendentes, desconhecem e estão apetitosos para conhecê-la.

Os contributos do Professor Doutor Eduardo Mayone Dias às comunidades portuguesas da Califórnia, à história do povo português que tal como escreveu um dia Miguel Torga, tem por “sina não caber no berço,” são inúmeros. A sua dedicação nunca será esquecida. Aliás, a melhor forma de o homenagearmos é lendo os seus livros e reeditando muitos livros que estão esgotados. Há vários anos em casa, e com saúde debilitada, Eduardo Mayone Dias, foi uma das vozes mais significativas sobre a presença portuguesa em terras americanas. Foi ainda um amigo e um mentor de muitos homens e mulheres, particularmente da minha geração. Aprendi muito com ele. A diáspora portuguesa, e a açoriana, está de luto. É que apesar de não ser destas ilhas, foi um verdadeiro açoriano em terras americanas. Diniz Borges – Estados Unidos in “Portuguese Times”        

 

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