O sonho de estudar no estrangeiro levou a jovem angolana Maria Pongue ao Brasil, mas foi a sua chegada à presidência de uma incubadora das Nações Unidas que lhe deu ânimo para continuar no país, cujo racismo a marcou
As
telenovelas brasileiras, com a presença de muitos negros no pequeno ecrã,
fizeram Maria acreditar que a sua experiência em solo brasileiro se aproximaria
desse cenário. Mas a realidade foi mais dura do que a ficção, e a chegada de
Maria ao sul do Brasil, em 2013, foi acompanhada por um sentimento de
discriminação.
"Enfrentei
alguns entraves. Foi complicado, nunca antes tinha visto tantos brancos de uma
só vez, principalmente como aconteceu no sul do Brasil. Achava que seria como
aquilo que vemos na televisão, com pretos misturados com brancos, mas, na minha
turma, eu era a única negra. Foi muito difícil", admitiu a jovem de 27
anos à agência Lusa.
"Teve
ainda a questão do sotaque. Tenho um sotaque mais inclinado para o português de
Portugal e havia algumas palavras consideradas pejorativas para o povo
brasileiro, mas que para mim eram bem normais. Isso complicou muito
também", lamentou.
Os
episódios de racismo foram-se sucedendo ao longo dos anos, quer por ser uma
mulher negra, quer por ser estrangeira.
"Como
negra, sinto que tenho de dar sempre mais do que é pedido e quando erro, tudo
aquilo que fiz de bom é esquecido. Ao invés de realçarem a incompetência
daquele ato, colocam tudo na pessoa, e eu vivi isso. Também passei pela
situação de entrar num autocarro, sentar-me ao lado de alguém, e a pessoa
simplesmente levantar-se e ir para o outro lado", contou.
Na
escola não foi diferente e sentiu, em muitas ocasiões, que não tinha amigos.
"Olhava
para essas situações e achava que não era normal, mas quando fui ler e entender
a estrutura social do local onde eu vivia, soube que era tudo racismo",
relatou a jovem, que vive em Florianópolis, capital estadual de Santa Catarina,
no sul do Brasil, região que concentrou muitos imigrantes europeus e onde,
atualmente, quase 74% da população se considera branca.
Ao
preconceito juntou-se a morte do pai, e Maria Pongue foi sentindo-se cada vez
mais desmotivada a permanecer no país, até que um líder religioso a incentivou
a participar em eventos da Câmara Júnior Internacional (JCI, na sigla em
inglês), uma organização não-governamental presente em mais de 120 países e
parceira da Organização das Nações Unidas (ONU), Fundo das Nações Unidas para a
Infância (Unicef), Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a
cultura (Unesco), entre outras instituições internacionais.
A
jovem angolana juntou-se assim à JCI-Florinópolis como voluntária, em 2018,
para no ano seguinte ser cotada para presidente, cargo que assumiu em 2020,
numa trajetória ascendente que a encheu de garra e orgulho.
Sobre
o trabalho que a JCI desenvolve, Maria Pongue frisou que o foco é
"transformar um jovem comum num cidadão ativo, e depois num líder".
"Trabalhamos
com liderança de jovens, ou seja, trabalhamos com projetos que visem melhorar
uma certa comunidade, voltado para o empreendedorismo social, educação ambiental,
igualdade de género e tudo o que tenha a ver com os Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável da ONU. Olhamos para uma certa comunidade, vemos as
suas dificuldades e montamos uma solução. Procuramos jovens voluntários que
queiram trabalhar para se desenvolver", disse.
Favelas,
escolas públicas, cadeias e igrejas são alguns dos locais apoiados pela JCI,
através de doações, capacitações, projetos sociais, vocacionais e ambientais.
O
facto de ter integrado esta organização e de rapidamente ter ascendido de cargo
fez a angolana de 27 anos deixar de lado a ideia de sair do Brasil e apostar
nessa progressão de carreira que já a levou a ser convidada para várias
conferências e projetos da ONU.
"Sempre
levo amor, que para mim é tudo. O lema da JCI é: 'servir a humanidade é a
melhor obra de uma vida' e eu quero servir mais e levar esse ideal a outras
pessoas, porque nos próximos tempos as coisas não serão fáceis", afirmou a
jovem, que deixou o cargo de presidente da JCI-Florinópolis em março deste ano
para ocupar a assessoria legar da organização.
Contudo,
apesar de permanecer no Brasil, Maria deseja que a visão dos brasileiros mude e
que se eduquem melhor, de forma a expandirem os seus conhecimentos sobre a
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), organização que acredita ser
praticamente desconhecida no país sul-americano.
"Acho
que há muita ignorância. Às vezes perguntava-me se aqui, no Brasil, se estudava
geografia. Em Angola aprendemos que há vários países que falam português, e eu
perguntava-me o que é que os brasileiros estudam na escola a nível de geografia
e história sobre a colonização em si", indicou.
"Existem
doutorados que não sabem que em Angola se fala português, que não sabem que se
fala português em mais de um país, desconhecem essa conexão da CPLP. Então,
acho que se precisa de intensificar esse conhecimento, desde crianças até
jovens e adultos", concluiu Maria Pongue, em entrevista à Lusa. In “Angola
24 Horas” – Angola com “Lusa”
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