Desde
que se tornou independente, em 1822, o Brasil passou por muitas mudanças,
especialmente em aspectos políticos, com a criação de constituições, por
exemplo. Essas mudanças trouxeram impactos para muitas outras áreas, como as
artes. Assim mostra a pesquisa Teatro para os trópicos: o governo imperial
brasileiro e a questão teatral (1822-1889), realizada por Charles Roberto Silva
em 2017 na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, em São Paulo.
Além
de analisar documentos oficiais, produzidos pelos poderes Legislativo e
Executivo da época, o estudo se dedicou a investigar a atuação da imprensa brasileira,
além das influências portuguesas e francesas na cena teatral que se formava.
Cinco anos após a entrega da tese, Silva falou ao Ciclo22 sobre as heranças do
período no atual contexto do teatro no Brasil.
Influência lusa
Uma
das primeiras e principais formas de financiamento estatal do teatro no Brasil
Imperial foi o repasse de verba vinda das loterias, demonstra o estudo. A
política foi adotada antes da independência por d. João VI após a chegada da
família real ao Brasil, em 1808, e mantida pelos governos imperiais de d. Pedro
I (1798-1834) e d. Pedro II (1825-1891).
Esse
financiamento, com influência do Estado, se iniciou na França com o reinado de
Luís XIV (1638-1715), explica a pesquisa. Mas para o pesquisador, é importante
olhar também para o papel de Marquês de Pombal (1699-1782), secretário de
Estado durante o reinado de d. José I em Portugal, entre 1750 e 1777, no
processo que se configurou no Brasil.
“Essa
influência é muito importante. Foi ele [Marquês de Pombal] que criou o primeiro
estatuto dos teatros, que é de 1761, e ali se estabeleceu que para ter
atividade teatral é preciso de uma concessão real”, explicou o pesquisador.
A
pesquisa mostra que, além dos espetáculos, o espaço do teatro era também usado
para comemorações e outros eventos oficiais. Um exemplo foi o chamado “Dia do
Fico”, em 9 de janeiro de 1822. Na ocasião, d. Pedro I decidiu permanecer no
território brasileiro, contrariando as ordens da corte portuguesa, que exigiam
a volta dele a Portugal. A decisão foi comemorada no Theatro de São João, hoje
Teatro João Caetano, localizado no Rio de Janeiro.
Teatro, imprensa e censura
A
imprensa brasileira teve papel importante na relação entre o governo imperial e
o teatro, especialmente durante o governo de d. Pedro II. Autores como José de
Alencar e Martins Pena, por exemplo, teceram críticas em periódicos sobre o
incentivo estatal que deveria ser feito na área.
“Essa
geração atuou na imprensa desejando um projeto de construção que não se limita
meramente a autores, mas a construção de um teatro nacional, de uma dramaturgia
nacional, com a existência de uma escola para formação de atores”, disse Silva.
Outra
maneira de incentivo do Estado foi a criação do chamado Conservatório Dramático
Brasileiro, em 1843. “Ele nasce como uma instituição de ideia literária, como
academia francesa na qual a gente vai cultivar os grandes gênios. Mas o que
acontece, na verdade, é que há uma ligação entre o Conservatório Dramático e
instituições policiais, então ele passa a ser um conservatório de censura”,
ressaltou o pesquisador.
A
instituição, conforme explicou Silva, aplicava uma série de regras que
avaliavam quais peças poderiam ser apresentadas. “Caso isso não fosse obedecido
a peça era tirada de cena, autores eram presos, o teatro era fechado”, afirmou.
O
incentivo estatal é algo que permanece importante no atual contexto do teatro
no Brasil, segundo o pesquisador. Mas assim como no período imperial, há
conflitos intensos nessa relação.
“A
Lei Rouanet, para mim, demonstra essas incongruências. O Estado está abrindo
mão do seu dividendo, que é o imposto, para uma empresa, por exemplo. Essa
empresa só contrata ‘globais’, porque isso traz likes e lucros para os
produtos dela. Mas isso vira um problema porque às vezes tem alguém em uma
região de absoluta carência que precisa de um fomento e talvez não consiga”,
opinou Silva.
Para
ele, outro exemplo da importância que essa relação mantém é a permanência de
escolas de formação de atores mantidas pelo Estado, como a Escola de Arte
Dramática (EAD) da USP, em São Paulo. “Especialmente nos primeiros anos do
século 20, cresce essa ideia do Estado fomentando as artes. Hoje todos os
cursos de artes cênicas no Brasil possuem um núcleo que passa por esses
ideais”, disse Silva.
O pesquisador e a pesquisa
Charles
Roberto Silva é educador e pesquisador. Sua tese de doutorado contou com bolsa
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para
formação junto à Université Paris Ouest Nanterre La Défense, na França, onde
morou por seis meses. O período foi essencial para entender a influência
europeia na relação entre o governo imperial e o teatro no Brasil, conforme
relatou.
“No
Brasil, eu levantei muitas coisas na Câmara dos Deputados, no Senado. Consegui
muitos documentos na Torre do Tombo [arquivo central de Portugal], também
coisas preciosas que tive acesso sobre a produção do teatro francês. Então para
mim foi essencial”, afirmou ao Jornal da USP. Crisley Santana – Brasil in “Mundo
Lusíada” com “Jornal USP”
Mais
do projeto Ciclo22 da USP no sítio: https://ciclo22.usp.br/
Sem comentários:
Enviar um comentário