Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sábado, 23 de julho de 2022

Moçambique - Breves palavras ou as primeiras impressões sobre a obra O Velho Solitário

O Velho Solitário, obra com que Huwana Rubi se faz anunciar no sagrado pórtico da Literatura Moçambicana, é uma empolgante experiência estética. Trata-se da sua obra de estreia, uma obra cuja desenvoltura deixa desde logo antever ou mesmo vaticinar-lhe um brilhante percurso nas lides literárias.

Em O Velho Solitário, Huwana Rubi, relata-nos uma história que se estrutura à volta de Rungo, um idoso cujas vicissitudes da vida o tornam uma pessoa amargurada. Todavia, as peripécias que caracterizam a desafortunada vida de Rungo conhecem um desenlace absolutamente inesperado.

Ora, a história que Huwana Rubi nos apresenta é aparentemente trivial, aparente porque, efectivamente, o tema de infortúnio é apenas um ponto de partida, a partir do qual a intriga se vai desdobrar em várias outras temáticas de pendor social, histórico, cultural e até político.

Com efeito, parece-nos bastante notável a desenvoltura com que o narrador desta intriga, sem prejudicar a tão essencial unidade estrutural, consegue harmonizar vários temas e criar um universo ficcional de interesse.

A propósito do narrador, gostávamos de lhe assinalar a transparência e a singeleza do discurso, evitando excessos esteticistas optando efectivamente por uma linguagem, um ritmo e um tom tão cristalinos cuja textura nos remete à oralidade.

A tradição oral africana é uma marca constante em quase toda esta obra, representada, entre outros elementos, pelos mitos e provérbios.

Com a permissão da Huwana e obviamente sem levantar o “véu da noiva” ou seja sem revelar o desfecho da história, gostávamos de acrescentar que a sorte que a história reserva à personagem Rungo pode encontrar um paralelismo com o final que costuma caber às personagens principais ou protagonistas das histórias/contos da tradição oral. Efectiva e frequentemente o desfecho daquelas narrativas assume uma dimensão moralizante, procurando exaltar valores tais como a honestidade ou a bondade.

O modelo da tradição oral pode ser também aplicado na análise à modelação, percurso e destino final das outras personagens d`O Velho Solitário, tais como o Matapa, o vilão da história.

A nosso ver, o ritmo poético bem como as estratégias técnico-narrativas que Huwana adopta, pelo menos n`O Velho Solitário sua obra de estreia, põem-na a dialogar, explícita ou implicitamente, com vários outros escritores moçambicanos, de que a Paulina Chiziane é o exemplo mais flagrante.

Como todos devemos estar lembrados, em arte não existem obras adâmicas. Em arte, nada vem do nada, as obras comunicam umas com as outras. Portanto, faz bem a Huwana em apropriar-se antropofagicamente do que há de bom em sua volta em termos de literatura.

Da profusão de recursos estilísticos que compõem a grandiosidade desta obra, há que destacar o ecletismo, por via do qual a Huwana vai buscar às mais áreas de conhecimento apontamentos para reflexão, trabalhando-os e reconfigurando-os e dai resultado um belíssimo efeito estético. Ao longo das páginas de d`O Velho Solitário cruzamo-nos com filosofia, psicologia, teoria de arte, conhecimento popular bem como algumas alusões ao movimento feminista.

Há, entretanto, que ressaltar a antítese que resulta deste recurso ao ecletismo, pois se por um lado ela reconhece a importância de um saber mais cosmopolita, por outro ela, através do seu narrador, instaura um debate sobre a relação, dialéctica, entre a cultura universal e a cultura africana, um debate que é, aliás, apanágio da literatura moçambicana.

Ora, O Velho Solitário é uma estreia notável e, como já referimos, abre uma boa perspectiva em relação à mais nova escritora moçambicana, Huwana Rubi! Estamos convictos que o tempo tratará de o confirmar o mais urgentemente possível.

Ainda bem que assim é, pois julgamos que esta opção, consciente ou irreflectida, pela continuidade literária, pelo dialogismo enriquece o fazer literário.

Em surdina, gostávamos de referir que às imprecisões, havendo-as, próprias de um livro de estreia, sobrepõe-se a força, a coragem, a criatividade e a originalidade da poética da Huwana.

Por fim, gostava de desejar uma óptima leitura e que dela resultem muitos e bons debates. Que depois d`O Velho Solitário venham muitos mais livros da Huwana. Fernando Manhiça – Moçambique in “O País”

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Huwana Rubí nasceu a 20 de Setembro de 1989, na província de Inhambane. É artista plástica, poetisa e decoradora de interiores. Aprendeu a arte de pintar quando decidiu dar cor a sua poesia, tendo inicialmente desenvolvido a técnica de desenho, com os artistas plásticos Chana de Sá e Azevedo Manhaua, na casa provincial da Cultura de Inhambane, em 2008. Doravante dentro da sua contemporaneidade a nível nacional tem tido como os seus principais mentores M. Idasse Tembe, Newton Johaneth, A.m.Costa, Jorge Dias e artista plástico Butcheca, e é por meio destes que vem consolidando a sua pintura. Já conta com 4 exposições individuais e dezenas de exposições coletivas.

As representações de figuras humanas e objectos, formas geométricas, linhas e planos, cores puras e complementares, obter desta, composições que nos trazem o discurso da representatividade simbólica e abstrata. Huwana Rubí vai ao encontro do cubismo de Braque, do abstracionismo de Kandinsky, do Fauvismo de Matisse procurando sempre caminhos alternativos que carregam consigo sua identidade cultural. “O velho solitário” - Alcance Editores 2022.

 

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