Uma história que tem com um som legal, fala de gente legal e cerveja barata e começou lá pelos anos 1990 ouvindo uma música da banda Júpiter Maçã
Esse
pode ser um breve resumo do livro de banda desenhada de Thiago Krening, que tem o título “Um Lugar do
Caralho”, emprestado da música de Flávio Basso, do Júpiter Maçã.
A
trama toda se passa na região do Sul do Brasil, em Santa Maria, bem distante
das capitais Rio e São Paulo (como diz a letra de outra banda gaúcha) e
ambientada, principalmente na Boate do DCE, da Universidade Federal de Santa
Maria, que marcou a vida de gerações de estudantes da década de 1970 até 2010,
quando fechou suas portas.
E
nesta entrevista para a série “Sociedade brasileira de escritoras e escritores
vivos”, Krening, dono de estilo próprio, com uma obra criativa e aclamada por
mais de 13 mil seguidores do Instagram, nos conta um pouco do processo de
produção da HQ “Um lugar do Caralho”.
Entre
um hesitante projeto de financiamento coletivo pelo sítio Catarse ao lançamento
de Um Lugar do Caralho, foram dias de apreensão e de surpresas. No
final, com as metas batidas antecipadamente e quase duplicada, foram impressos
mais de 750 exemplares. Com isso, o designer e ilustrador pode investir e
melhorar a qualidade da HQ que ganhou capa com lombada quadrada dura e
colorida. O sucesso alertou a Editora Hipotética e a HQ se tornou o primeiro
lançamento do grupo.
Um Lugar do Caralho, Uma história sobre descobertas, paixões, músicas e principalmente amizades, que ultrapassa a fronteira do Rio Grande do Sul e torna-se universal, podendo ter acontecido (ou ainda estar acontecendo) na USC, na UDC ou qualquer universidade pelo mundo.
Acompanhe
os melhores momentos do bate-papo com Thiago Krening:
Por favor, explique aos leitores galegos e de toda a
lusofonia a razão do título ser “Um lugar do caralho”. Caralho é uma palavra
que ocupa o vocabulário das falantes da Língua Portuguesa, com diferentes
sentidos em cada local, contexto e até entonação.
Vou
explicar o sentido da expressão que usamos aqui no Brasil.
Até
onde sei, a palavra originalmente designa aquele “cesto” que fica em cima do
mastro de navios, onde os tripulantes subiam para ter uma visão melhor à
distância.
Aqui
no Brasil a palavra ganhou, de certa forma, dois usos.
Primeiro,
uma (das tantas) expressões para o órgão sexual masculino.
A
segunda é quase como uma interjeição. É uma maneira de dizer que uma coisa é
muito boa, muito legal. O título “Um Lugar do Caralho” diz respeito a um lugar
muito divertido, muito legal.
Além
disso, é o título de uma música bastante conhecida aqui no Rio Grande do Sul,
de um artista de Rock chamado Júpiter Maçã, falecido em 2015.
Por
causa dessa característica da expressão e também por conta da música, a boate
que é retratada na HQ era conhecida por muitos de seus frequentadores como “Um
Lugar do Caralho”.
Como foi contar a história da Boate do DCE?
Há
anos eu queria contar uma história que se passasse na Boate do DCE da UFSM
(Boate do Diretório Central dos Estudantes da Universidade de Santa Maria), em
Santa Maria no Rio Grande do Sul.
Foi
um lugar que marcou muito não só a mim (na época da faculdade especialmente),
mas a gerações de pessoas que passaram pela cidade.
Eu
passei anos maturando as ideias, juntando histórias e organizando tudo até
finalmente conseguir estruturar um roteiro e trabalhar na HQ.
Desde
o início do processo, eu quis que a história abordasse a nostalgia, de várias
formas. Tanto pela ambientação como algo relacionado aos personagens em si.
Foi
um processo longo mas que resultou em um trabalho que tem tido bastante
identificação não só de pessoas que frequentaram a boate como de outras tantas
que veem ali um pouco dessa época das suas vidas. Acho que em certa medida,
consegui tornar a história um pouco mais universal, não dependendo somente da
identificação direta com o local retratado.
E o sucesso do financiamento coletivo pelo Catarse? Nos
explique como foi passar do medo inicial de lançar o projeto até o sucesso
absoluto, com muita gente participando e ultrapassando todas as expectativas.
Eu
penso que, por mais que se tenha uma certa base de seguidores, leitores e
apoiadores, é impossível prever com certeza se um projeto de financiamento
coletivo vai dar realmente certo.
Acredito
que uma insegurança e ansiedade iniciais são bem naturais e senti muito disso
nos momentos que antecederam a criação do projeto no Catarse.
Tanto
pelo fato de ser um tema muito querido por muitas pessoas como também por ter
investido bastante energia na organização e divulgação do projeto, as metas
iniciais de arrecadação foram rapidamente alcançadas, pra minha grata surpresa.
Com
tantos apoiadores comprando a ideia, o projeto acabou batendo quase o dobro do
valor inicial e, com isso, foi possível investir mais na publicação. A HQ
acabou saindo em capa dura, com papel melhor e uma série de extras.
Isso
foi algo muito gratificante pra mim.
Como a crítica e demais quadrinistas/artistas comentaram
sobre o livro?
Tenho
tido críticas bem positivas no geral.
Duas
coisas que me alegraram bastante com esse projeto foram o fato de muitas
pessoas que não costumam ler HQs terem lido, por causa da identificação com o
tema, e também que tanta gente que não conhece o lugar tenha encontrado alguma
familiaridade na história.
Recebi
muitas mensagens de pessoas que leram e gostaram muito, inclusive muitos
dizendo que choraram com a história. Isso pra mim faz valer todo o caminho até
aqui.
Ler uma HQ (Banda desenhada nos demais países lusófonos)
com trilha sonora é uma experiência muito prazerosa. Como surgiu a ideia de
colocar as canções para acompanhar o texto?
A
ambientação da Boate do DCE era algo impossível de ser feito sem música, na
minha opinião.
Desde
as primeiras ideias para a HQ a música sempre foi uma questão central.
O
que acabou tomando um certo tempo foi justamente achar uma maneira de
materializar apenas em imagem aquelas músicas.
A
solução que encontrei foi utilizar as letras de uma forma quase ilustrativa,
preenchendo as cenas assim como as músicas preenchiam o ambiente.
Existe plano de “Um lugar do Caralho 2”, ou seja,
continuar a contar a trajetória das personagens? Por favor, fale sobre seus
projetos futuros.
Vou
mentir se disser que não me passou pela cabeça fazer algum tipo de continuação.
Mas
essa não é uma prioridade pra mim no momento.
Tenho
outros projetos em desenvolvimento para os próximos meses e tenho focado a
atenção neles.
O
próximo é uma série de tirinhas de humor com personagens originais chamada
Edifício Celeste. Espero começar a postá-las nas minhas redes sociais muito em
breve.
Você já tem alguma HQ lançada no exterior? Existe algum
convite ou possibilidade de lançar no mercado europeu ou estadunidense?
O mais próximo que tive de quadrinhos lançados no exterior foi quando, há vários anos, fiz a arte final para algumas edições de uma HQ que um colega desenhava para uma pequena editora dos Estados Unidos. Estou aberto a convites de todos os países. Seria um sonho publicar material de minha autoria no exterior, e isso até é um plano, mas um pouco distante. Carlos da Silva – Brasil in “Portal Galego da Língua”
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Thiago Krening -
É formado em Desenho Industrial pela UFSM. Já trabalhou com ilustrações
editoriais, artes para games, animações e design gráfico para clientes
nacionais e internacionais.
Publica
histórias em quadrinhos de forma independente desde 2015, quando começou a
série chamada Historietas Randômicas. Nos anos seguintes, lançou os fanzines
Essência e Tellus, uma primeira coletânea de suas tirinhas e também duas HQ em
colaboração com outros artistas: O Barão do Anhangá e seus Hipsters
Maravilhosos e Ciclo. Em 2018 publicou o primeiro quadrinho por uma editora,
Abandonados pelos deuses: Sigrid, e ilustrou a adaptação para livro infantil
das tirinhas Sofia e Otto, criadas por Pedro Leite. Em 2020, publicou Caçadora
de Fãs: Uma Aventura Acadêmica, com roteiro de Fabio Mesmo, baseado na tese de
mestrado de Larissa Becko.
Thiago é especialista em cinema pela UFN e mestre em Design pela UFRGS, pesquisando quadrinhos digitais. Já ministrou disciplinas em graduações da UFSM, da UFN e em especialização da UFRGS.
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José Carlos da Silva - Desde 2008, José Carlos da Silva é correspondente do
PGL no Brasil. Residente em Campinas (São Paulo), acredita que para a Galiza
"Não existe paixão fora do Reintegracionismo." É periodista, produtor
de conteúdo e revisor. Escreve contos, poemas e divagações, mas ainda não
publicou livros.
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