Uma
colaboração internacional denominada XENON, que tem a participação de quatro
cientistas do LIBPhys da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de
Coimbra (FCTUC), anunciou hoje à comunidade científica os primeiros resultados
obtidos pelo XENONnT, um sistema com um nível de sensibilidade na deteção de
matéria escura sem precedentes.
Há
dois anos, a colaboração XENON anunciou a observação de um excesso de eventos
inesperados, o que poderia indicar a descoberta de novas partículas, com o seu
sistema em operação na altura, o XENON1T. O entusiasmo criado por este facto
levou a uma forte vaga de publicações científicas. Seria necessário dispor de
um sistema mais sensível para esclarecer a natureza destes eventos.
O
XENONnT foi então construído, tal como o seu predecessor (XENON1T), no
laboratório subterrâneo de Gran Sasso, em Itália, debaixo de 1300 metros de
rocha. A fase final da sua construção e a sua certificação decorreram já
durante a pandemia. Os resultados hoje publicados resultam de 97 dias de medidas
efetuadas entre julho e novembro de 2021.
Este
novo sistema usa como alvo seis toneladas de xénon ultra-purificado. «Uma
radiação ao passar pelo alvo pode gerar, em geral, sinais ínfimos de luz e
carga. A esmagadora maioria destes sinais (mais de 99,9%) devem-se a radiações
de origem conhecida, o que permite aos cientistas calcular com grande precisão
o número de eventos esperados», diz José Matias-Lopes, coordenador da equipa
portuguesa e investigador do Laboratório de Instrumentação, Engenharia
Biomédica e Física da Radiação (LIBPhys) da FCTUC.
Para
medir eventos tão raros como os da matéria escura, o requisito mais importante
é que o alvo tenha o nível mais baixo possível de radiação (radiação de fundo),
para que possa distinguir o que se pretende medir, «é muito mais difícil do que
“encontrar uma agulha não num, mas em mil palheiros”», ilustra José
Matias-Lopes.
O
investigador explica que, para conseguir alcançar tal meta tecnicamente tão
exigente, todos os tipos de fontes de radiação contam: «a presente no próprio
alvo de xénon e a que provém dos materiais de que é construído o XENONnT. Para
lidar com a mais difícil de todas, a primeira, a colaboração XENON conseguiu
reduzir o nível de contaminação com o elemento radão para níveis sem
precedentes, graças a uma coluna de destilação com 5,5 metros de altura
especialmente desenvolvida para o efeito. Todos os materiais usados no XENONnT
foram cuidadosamente selecionados (até o mais pequeno dos parafusos) para terem
o mais baixo nível possível de radiação».
Com
todos estes esforços conseguiu-se, com o XENONnT, reduzir para um quinto o
nível da radiação de fundo em relação ao já extraordinário valor do seu
antecessor XENON1T. O alvo do XENONnT é o local do planeta Terra com a menor
radiação de fundo de toda a história, permitindo levar a cabo estudos de um
grande número de fenómenos particularmente raros, tais como a interação de
axiões solares, de neutrinos com momento magnético anómalo, de partículas
análogas aos axiões, etc.
Os
primeiros resultados agora tornados públicos focam-se nas interações da matéria
escura com os eletrões dos átomos de xénon do alvo, a fim de verificar o
resultado obtido em 2020 e a natureza do excesso de eventos. «Conclui-se que
tal não corresponde à descoberta de novas partículas, mas a um nível ínfimo de
átomos de trítio, uma das hipóteses então aventadas», explica coordenador da
equipa portuguesa, frisando que, com os presentes resultados, «estabelecem-se
novos recordes de sensibilidade nestes novos campos de estudo da física de
astropartículas. Avizinham-se, por isso, tempos de grandes avanços e de
descobertas que levam a largos passos em frente no conhecimento da Humanidade
nestes aspetos fundamentais da composição do Universo».
Os
mesmos dados e os que têm sido adquiridos desde então (novembro de 2021) estão,
entretanto, a ser analisados em relação à interação de partículas massivas de
muito fraca interação (WIMPs em inglês), um dos mais promissores candidatos
para a esquiva matéria escura.
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