Em França, cerca de 80 mil judeus foram deportados para os campos de concentração nazis com a colaboração da administração francesa, e mais de oito mil partiram de Pithiviers, entre eles três mil crianças que não sobreviveram a Auschwitz
A
estação de comboios reabre agora, a 18 de julho, como lugar de memória,
testemunho das deportações, dos milhares de pessoas que daqui foram enviadas
para os campos de extermínio, no âmbito da Solução Final nazi, porque “esta
memória tem de ser perene”, como disse uma sobrevivente, durante a apresentação
do projeto à imprensa.
“A
SNCF [empresa de caminhos de ferro francesa] ia vender algumas das suas gares,
entre elas a de Pithiviers, e pedimos-lhe se podíamos ser nós a renovar esta
estação. Os campos já não existem, portanto esta gare é o único vestígio desse
período. É um lugar de memória de tudo o que se passou aqui, porque foi aqui
que as pessoas chegaram em 1941 e 1942, e foi daqui que as pessoas partiram
para os campos de concentração”, afirmou o diretor do Memorial da Shoah,
Jacques Fredj, em declarações aos jornalistas.
Alguns
dias antes da abertura oficial ao público, que acontece na próxima
segunda-feira, o Memorial da Shoah, fundação em França que preserva a memória
do Holocausto, abriu pela primeira vez esta gare aos jornalistas, numa visita
acompanhada pelos sobreviventes do campo de Pithiviers e de Beaune le Rolande,
na região Centro do país, a cerca de uma hora e meia de Paris.
Em
1941, os campos destas duas pequenas cidades acolheram cerca de 4000 homens da
Rusga do Bilhete Verde, em Paris, e, em 1942, as suas mulheres e os seus filhos
na Rusga do Vel d’Hiv, que assinala em 2022 o seu 80.º aniversário.
Aos
poucos, desta gare partiram, no espaço de um ano, mais de oito mil judeus em
direção a Auschwitz.
Nenhuma
das crianças que entrou nos comboios em direção à Polónia sobreviveu.
“A
partir do momento que as pessoas que estavam internadas nestes campos metem os
pés nos vagões que as levaram para Auschwitz-Birkenau, estamos perante um
genocídio europeu. E é isso que se passa em 1942. As decisões são tomadas pelos
nazis, mas são postas em prática pela administração francesa, especialmente a
polícia, mas também os meios de transporte”, precisou Jacques Fredj.
Pithiviers
é também o símbolo da aceleração da Solução Final de Adolf Hitler, e como a
administração francesa de Pétain contribuiu para o extermínio de judeus,
incluindo judeus franceses, como era o caso de muitas das crianças enviadas
para os campos de concentração.
“O
meu pai dizia, antes da Rusga do Bilhete Verde: ‘Os meus filhos são franceses,
eu bati-me pela França, nada nos vai acontecer’. Ele acreditou que era só uma
verificação da identidade. Foi uma armadilha”, descreveu Arlette Testyler, uma
sobrevivente das deportações.
O
pai de Arlette Testyler, Abraham Reiman, foi deportado para Auschwitz a partir
de Pithiviers, no início de 1942 e tanto ela, como a irmã e a mãe vieram para o
mesmo campo alguns meses mais tarde, conseguindo escapar à deportação por terem
‘ateliers’ de costura em Paris. Hoje com 89 anos, e deslocando-se de cadeira de
rodas, Arlette Testyler quis entrar de pé nesta gare.
“Eu
quis entrar de pé, o meu pai sempre entrou de pé em todo o lado, porque tinha
orgulho de viver em França e ter filhos franceses. Quando penso hoje que ele
morreu com 37 anos… Ele era um jovem. É um luto que não acaba”, comoveu-se.
Renovada
“sobriamente”, esta gare conta com uma pequena exposição permanente onde se
conta a história deste local e vai servir daqui para a frente para acolher
principalmente grupos escolares que estejam a estudar o Holocausto e as suas
consequências em França.
“Com
o aumento do antissemitismo, do racismo, das tentativas de falsificação da
história a que temos assistido na campanha eleitoral, a explosão de teorias da
conspiração nos últimos anos, na paisagem política francesa e internacional,
temos muito trabalho a fazer. Com os adultos, claro, mas principalmente com as
crianças”, sublinhou Jacques Fredj.
Todos
os sobreviventes da Rusga do Vel d’Hiv que acompanharam esta visita, que hoje
têm mais de 80 anos, multiplicam-se em testemunhos nas escolas, em conferências
e encontros organizados pelo Memorial da Shoah, para contarem o que viveram e
lembrar os seus entes queridos mortos pelo regime nazi.
“Há
quem continue a negar que foram mortos judeus nos campos de concentração. Eu
tenho o certificado de óbito do meu pai. Ele foi gaseado, sei o dia em que ele
morreu. Esta memória tem de ser perene. Eu sou o ‘dinossauro’ da Shoah. Depois
de nós, tal como nos dizia a Simone Veil, não há nada”, concluiu Arlette
Testyler.
Os
restantes judeus deportados a partir de França partiram de Drancy, uma cidade
perto de Paris, onde também existiu um grande campo de deportação.
Para
assinalar este lugar, há um memorial, com um museu e um vagão similar aos
utilizados para as deportações para o território alemão, com uma parte dos
campos a ter sido renovada no pós-guerra, e a servir ainda hoje de alojamento
social. In “Bom dia Europa” - Luxemburgo
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