Um documentário narrado pela historiadora Beatriz Basto da Silva e produzido por José Basto da Silva encontra-se já disponível ‘online’ no sentido de comemorar o aniversário dos 400 anos da vitória de Macau sobre os holandeses. Tendo identificado o mais fielmente possível qual o trilho que os invasores holandeses percorreram, tornou-se possível reconstruir as memórias e revisitar a verdadeira história. O projecto pretende, através de uma apresentação audiovisual, lembrar à comunidade local e às novas gerações a relevância desta efeméride histórica
Este
ano marca o quadricentenário de Macau ter conseguido derrotar a Holanda e
conquistar uma vitória milagrosa. Para assinalar este dia de grande valor
histórico, um pequeno documentário intitulado ‘Interpelando a História: O
ataque holandês a Macau há 400 anos’, narrado pela
historiadora e investigadora Beatriz Basto da Silva e produzido pelo seu filho,
José Basto da Silva, deveria ter sido apresentado a 23 de Junho no âmbito do
evento ‘Serões com Histórias’, organizado pela Fundação Rui Cunha e pela Associação
dos Antigos Alunos da Escola Comercial Pedro Nolasco (AAAEC). No entanto, o
lançamento da curta-metragem sofreu uma baixa de última hora devido ao
surgimento da nova ronda de crise de saúde pública no território.
O
realizador da obra, José Basto da Silva, revelou ao Ponto Final que teve a
intenção de criar um documentário “diferente do que tem sido feito até agora”,
que “é muito baseado em fotografias ou desenhos, pouco visual e, sobretudo, sem
uma compreensão física, sensorial, do que os intervenientes, na altura, terão
vivenciado,” referiu o actual presidente da AAAEC. “Para já não conseguimos
viajar no tempo, não é possível mostrar o que se passou de facto, mas tentei
simular os acontecimentos e mostrar, em filme, o melhor possível, embora com
todas as limitações,” acrescentou.
Recorrendo
à produção de um documentário de 11 minutos, o realizador macaense tentou abrir
a possibilidade de reconstruir as memórias e revisitar a verdadeira história da
batalha de Macau de Junho de 1622. “Procurei identificar o mais fielmente
possível qual o trilho que percorreram, o que terão visto e sentido, as
circunstâncias em que tudo se desenrolou, de modo a perceber melhor a
situação,” referiu.
Na
semana anterior à data da efeméride, Basto da Silva fez algumas das filmagens e
seguiu o percurso a pé durante duas horas, sob um intenso calor. Para o
realizador, este trabalho preparatório é considerado significativo já que “só
assim se percebem as distâncias, o porquê do caminho percorrido, ou a razão que
levou os holandeses a irem à fonte da Flora”, mesmo sabendo que o pano da
fortaleza do Monte não estava muito longe, mas a uma distância “ameaçadora”.
Porém,
mesmo os melhores planos nem sempre funcionam conforme pretendido. O evento
“Serões com Histórias” que estava programado para o dia 23 de Junho, data do
primeiro ataque há quatro séculos, acabou por ser cancelado num momento
derradeiro.
Segundo
afirmou o coorganizador, a sessão tinha três momentos planeados: O Antes; O
Durante; e O Depois. O documentário era suposto ser apresentado na parte do
“Durante”. Infelizmente, Macau foi atingida de surpresa com um surto da
Covid-19 menos de uma semana antes da ocasião, e a Fundação Rui Cunha viu-se
obrigada a adiar a sessão.
Com
o passar de quase duas semanas, a situação epidemiológica em Macau não parece
recuperar, e Basto da Silva decidiu lançar nas redes sociais esta obra
audiovisual. “Não prevíamos que isto durasse tanto tempo e, receando que o
documentário perdesse o ‘momentum’, decidimos lançar agora. Avançaremos mais tarde,
assim que estiverem reunidas as condições. Nessa altura, o vídeo será passado,
acompanhado de comentários da minha mãe, e meus também”, lamentou o filho da
investigadora da História de Macau.
Macau teria tido uma história muito diferente
No
que diz respeito ao ataque dos holandeses a Macau no ano de 1622, Basto da
Silva considera que foi “um erro crasso” e “uma vergonha indelével” para os
holandeses “gananciosos” e “imprudentes” que, em quase todas as outras
investidas nesta região geográfica, tiveram sucesso. “Os holandeses fizeram
muito mal aos portugueses e a outros povos nesta região. Tanto quanto sei, não
deixaram saudades em nenhuma das ex-colónias, ao contrário dos portugueses.
Veja-se, por exemplo, o caso de Malaca”, comentou.
Apesar
de tudo, o presidente da AAAEC ressalvou a importância histórica desta batalha
para Macau na medida em que os chineses passaram a olhar para os portugueses
como aliados, com maior confiança e proximidade. A própria China foi
beneficiada com a amizade que se forjou, por exemplo, tirando proveito do poder
bélico português em confronto com os Tártaros.
A
nossa história define quem somos. “Creio que se a Holanda tivesse sido
bem-sucedida, Macau colonial teria tido uma história muito diferente e não se
teria desenvolvido uma comunidade e cultura híbrida tão rica como a macaense.
Seria, porventura, uma cidade protestante com alguns monumentos históricos em
ruínas, e pouco mais”, comentou Basto da Silva, dizendo acreditar mesmo que a
própria China seria outra se a invasão dos “corsários” tivesse tido outro
desfecho, tendo em conta “os holandeses, ao contrário dos portugueses,
conquistavam por via da força, não do comércio nem da diplomacia”.
Importância ainda válida
Ao
ser questionado sobre a relevância de assinalar o dia 24 de Julho nos dias de
hoje, Basto da Silva argumentou que: “Faz todo o sentido celebrar a efeméride,
não só para portugueses ou macaenses, mas eu diria também para os chineses,
pela singularidade que esta terra é, não só na China, mas em todo o mundo”,
defendendo que esta data não só simboliza o aniversário da cidade, o Dia de São
João (padroeiro de Macau), mas também a amizade e coexistência secular entre
dois povos.
Na
observação do macaense, as novas gerações, entretanto, tendem a desvalorizar
esta data especial onde os macaenses sentem e celebram as suas raízes, fruto de
vários factores, nomeadamente porque deixou de ser feriado após a transferência
de soberania de Macau de Portugal para a República Popular da China. “É de
apontar que, infelizmente, o Governo local não tem dado a devida relevância
que, na minha opinião, esta data merecia”, criticou.
Basto
da Silva frisou que é importante continuar a comemorar este momento da
história, não só como uma festa gastronómica ou religiosa, mas também para
lembrar à comunidade chinesa e às novas gerações em Macau e lá fora. “Não nos
podemos esquecer dos jovens macaenses espalhados pela diáspora e fornecer-lhes
bases históricas consistentes”, salientou. Dinis Chan – Macau in “Ponto
Final”
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