Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quinta-feira, 7 de julho de 2022

Macau - Revisitar o trilho percorrido pelos invasores holandeses há 400 anos

Um documentário narrado pela historiadora Beatriz Basto da Silva e produzido por José Basto da Silva encontra-se já disponível ‘online’ no sentido de comemorar o aniversário dos 400 anos da vitória de Macau sobre os holandeses. Tendo identificado o mais fielmente possível qual o trilho que os invasores holandeses percorreram, tornou-se possível reconstruir as memórias e revisitar a verdadeira história. O projecto pretende, através de uma apresentação audiovisual, lembrar à comunidade local e às novas gerações a relevância desta efeméride histórica


Este ano marca o quadricentenário de Macau ter conseguido derrotar a Holanda e conquistar uma vitória milagrosa. Para assinalar este dia de grande valor histórico, um pequeno documentário intitulado ‘Interpelando a História: O ataque holandês a Macau há 400 anos’, narrado pela historiadora e investigadora Beatriz Basto da Silva e produzido pelo seu filho, José Basto da Silva, deveria ter sido apresentado a 23 de Junho no âmbito do evento ‘Serões com Histórias’, organizado pela Fundação Rui Cunha e pela Associação dos Antigos Alunos da Escola Comercial Pedro Nolasco (AAAEC). No entanto, o lançamento da curta-metragem sofreu uma baixa de última hora devido ao surgimento da nova ronda de crise de saúde pública no território.

O realizador da obra, José Basto da Silva, revelou ao Ponto Final que teve a intenção de criar um documentário “diferente do que tem sido feito até agora”, que “é muito baseado em fotografias ou desenhos, pouco visual e, sobretudo, sem uma compreensão física, sensorial, do que os intervenientes, na altura, terão vivenciado,” referiu o actual presidente da AAAEC. “Para já não conseguimos viajar no tempo, não é possível mostrar o que se passou de facto, mas tentei simular os acontecimentos e mostrar, em filme, o melhor possível, embora com todas as limitações,” acrescentou.

Recorrendo à produção de um documentário de 11 minutos, o realizador macaense tentou abrir a possibilidade de reconstruir as memórias e revisitar a verdadeira história da batalha de Macau de Junho de 1622. “Procurei identificar o mais fielmente possível qual o trilho que percorreram, o que terão visto e sentido, as circunstâncias em que tudo se desenrolou, de modo a perceber melhor a situação,” referiu.

Na semana anterior à data da efeméride, Basto da Silva fez algumas das filmagens e seguiu o percurso a pé durante duas horas, sob um intenso calor. Para o realizador, este trabalho preparatório é considerado significativo já que “só assim se percebem as distâncias, o porquê do caminho percorrido, ou a razão que levou os holandeses a irem à fonte da Flora”, mesmo sabendo que o pano da fortaleza do Monte não estava muito longe, mas a uma distância “ameaçadora”.

Porém, mesmo os melhores planos nem sempre funcionam conforme pretendido. O evento “Serões com Histórias” que estava programado para o dia 23 de Junho, data do primeiro ataque há quatro séculos, acabou por ser cancelado num momento derradeiro.

Segundo afirmou o coorganizador, a sessão tinha três momentos planeados: O Antes; O Durante; e O Depois. O documentário era suposto ser apresentado na parte do “Durante”. Infelizmente, Macau foi atingida de surpresa com um surto da Covid-19 menos de uma semana antes da ocasião, e a Fundação Rui Cunha viu-se obrigada a adiar a sessão.

Com o passar de quase duas semanas, a situação epidemiológica em Macau não parece recuperar, e Basto da Silva decidiu lançar nas redes sociais esta obra audiovisual. “Não prevíamos que isto durasse tanto tempo e, receando que o documentário perdesse o ‘momentum’, decidimos lançar agora. Avançaremos mais tarde, assim que estiverem reunidas as condições. Nessa altura, o vídeo será passado, acompanhado de comentários da minha mãe, e meus também”, lamentou o filho da investigadora da História de Macau.

Macau teria tido uma história muito diferente

No que diz respeito ao ataque dos holandeses a Macau no ano de 1622, Basto da Silva considera que foi “um erro crasso” e “uma vergonha indelével” para os holandeses “gananciosos” e “imprudentes” que, em quase todas as outras investidas nesta região geográfica, tiveram sucesso. “Os holandeses fizeram muito mal aos portugueses e a outros povos nesta região. Tanto quanto sei, não deixaram saudades em nenhuma das ex-colónias, ao contrário dos portugueses. Veja-se, por exemplo, o caso de Malaca”, comentou.

Apesar de tudo, o presidente da AAAEC ressalvou a importância histórica desta batalha para Macau na medida em que os chineses passaram a olhar para os portugueses como aliados, com maior confiança e proximidade. A própria China foi beneficiada com a amizade que se forjou, por exemplo, tirando proveito do poder bélico português em confronto com os Tártaros.

A nossa história define quem somos. “Creio que se a Holanda tivesse sido bem-sucedida, Macau colonial teria tido uma história muito diferente e não se teria desenvolvido uma comunidade e cultura híbrida tão rica como a macaense. Seria, porventura, uma cidade protestante com alguns monumentos históricos em ruínas, e pouco mais”, comentou Basto da Silva, dizendo acreditar mesmo que a própria China seria outra se a invasão dos “corsários” tivesse tido outro desfecho, tendo em conta “os holandeses, ao contrário dos portugueses, conquistavam por via da força, não do comércio nem da diplomacia”.

Importância ainda válida

Ao ser questionado sobre a relevância de assinalar o dia 24 de Julho nos dias de hoje, Basto da Silva argumentou que: “Faz todo o sentido celebrar a efeméride, não só para portugueses ou macaenses, mas eu diria também para os chineses, pela singularidade que esta terra é, não só na China, mas em todo o mundo”, defendendo que esta data não só simboliza o aniversário da cidade, o Dia de São João (padroeiro de Macau), mas também a amizade e coexistência secular entre dois povos.

Na observação do macaense, as novas gerações, entretanto, tendem a desvalorizar esta data especial onde os macaenses sentem e celebram as suas raízes, fruto de vários factores, nomeadamente porque deixou de ser feriado após a transferência de soberania de Macau de Portugal para a República Popular da China. “É de apontar que, infelizmente, o Governo local não tem dado a devida relevância que, na minha opinião, esta data merecia”, criticou.

Basto da Silva frisou que é importante continuar a comemorar este momento da história, não só como uma festa gastronómica ou religiosa, mas também para lembrar à comunidade chinesa e às novas gerações em Macau e lá fora. “Não nos podemos esquecer dos jovens macaenses espalhados pela diáspora e fornecer-lhes bases históricas consistentes”, salientou. Dinis Chan – Macau in “Ponto Final”


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