A história deste moçambicano que à noite junta todas as esposas para as rezas e planos familiares. Vivem todos num punhado de palhotas pegadas, no meio do nada
Pedro
Faricai, 71 anos, diz que continua a espalhar romance por 13 esposas com quem
partilha um punhado de habitações precárias em Mpandeia, aldeia encalhada na
cordilheira que separa Moçambique e Zimbabué.
Algumas
delas estão grávidas e Pedro já tem também 53 netos. Uma enorme família num
país em que a poligamia não está legalizada, mas não é crime.
Casou-se
já tarde com a primeira mulher, em 1978, com 27 anos. No ano seguinte passou a
partilhar teto e cama com uma segunda esposa, antes de partir para o Zimbabué
com as duas, fugindo da guerra civil que durou 16 anos no seu país.
Regressou
em 1987 já com cinco mulheres e as outras três diz que as “fisgou” num campo de
deslocados no Zimbabué, refugiadas moçambicanas a quem prometeu “muito amor” no
regresso à terra natal.
“Cheguei
a ter 17 esposas. Duas faleceram, divorciei-me de outras duas e neste momento
tenho aqui 13 mulheres”, refere num tom orgulhoso e sereno, rodeado de nove
delas, enquanto outras quatro estão a trabalhar nos campos de cultivo.
Em
Moçambique, a poligamia não está legalizada, mas não constitui crime. Consoante
o contexto, até é uma tradição com alguma aceitação, uma tradição que teima em
destinar as mulheres à pobreza, sobretudo nas zonas rurais, alertam
organizações que estudam o tema.
Os
debates sucedem-se, mas na sociedade moçambicana não há consenso. Crente da
seita John Marange, um grupo conhecido por proibir a medicina convencional e
promover a poligamia, Pedro Faricai diz à Lusa que continua a
"arrasar" nos lugares de culto, onde conquistou a maioria das suas
esposas, quase todas fiéis do culto.
Primeira mulher ajudou às conquistas
“Agora
tenho vontade de casar com outras, mas já não quero, chega”, diz, num tom
indeciso, com um sorriso envergonhado por entre uma longa barba, cabeça rapada
e a brilhar, imagem típica e obrigatória para os homens da seita.
O
concorrente mais próximo de Pedro Faricai na aldeia de Mpandeia tem três
esposas e oito filhos. Na região, a maioria dos homens pararam na segunda
esposa.
Neste
momento, com 44 filhos, algumas mulheres grávidas e 53 netos, segundo a
recontagem feita em junho, Pedro Faricai explica que entrou para a poligamia –
uma prática hereditária na família – porque não queria envelhecer
"desgraçado e solitário".
“Sentei-me
com a minha esposa e disse: ‘quero acrescentar mulheres', ela perguntou porquê,
eu disse 'nós estamos a crescer, então, quando chegarmos à velhice como será?
Os filhos vão crescer e sair para o casamento, então como vamos viver?’ E ela
aceitou”.
A
primeira mulher até o ajudou a conquistar outras, conta à Lusa o homem de corpo
robusto e olhar determinado, sem aparentar 71 anos de idade.
“Isto
deixa-me muito satisfeito porque a qualquer momento que eu queira, estão sempre
aqui”, remata.
O
polígamo aproveita também a fama de ser um dos melhores produtores de tomate em
Manica, fornecedor das províncias do centro do país, para ser fonte de
rendimento, sustento familiar e, assim, conquistar mais mulheres.
Como ele gere a enorme família
A
família do camponês está estruturada: as ordens da casa partem sempre dele e
são raras as ocasiões em que alguma decisão é delegada noutra mulher - exceto
assuntos de governação familiar, onde a organização assume certa complexidade:
tais assuntos devem envolver a primeira esposa, mais duas outras escolhidas
caso a caso e dois filhos, seus herdeiros.
“Quando
chega a noite, junto todas as esposas e fazemos rezas, como é de costume” e é
nestas ocasiões, prosseguiu, que são delineados os planos de casa, apresentados
os problemas e anunciadas as novidades.
Nesta
reunião, as mulheres estão proibidas de apresentar as suas necessidades
pessoais, que devem ser faladas em surdina sempre que o homem visitar a casa de
cada uma delas na noite agendada.
“Eu
ajudei-o a ter mais esposas. Ao todo conquistei três mulheres para o meu
marido”, diz, orgulhosa, à Lusa Mivisse Jeque, a primeira do polígamo.
A casa do amor
Pedro
Faricai tem a sua própria casa, a única com um televisor, que é como se fosse
um centro do poder.
É
ali que vive e onde recebe as mulheres que escolhe para passar a noite, nos
dias em que decide não ir às palhotas delas, distribuídas pelo amplo quintal,
no meio do nada.
As
províncias de Manica e Tete, no centro de Moçambique, bem como a província de
Gaza, no Sul, continuam a ser as que apresentam mais casos de poligamia, uma
tradição que prevalece entrincheirada nas zonas mais remotas, imune a debates.
A
poligamia é um dos temas recorrentes na obra de Paulina Chiziane, escritora
moçambicana que em 2021, aos 66 anos, foi vencedora do Prémio Camões, elegendo
a luta pela emancipação da mulher como um dos fios condutores do seu trabalho.
Uma
realidade que passa ao lado de Pedro Faricai. Garante que se tivesse tido êxito
em todas as ocasiões em que “espalhou o amor”, o número atual de esposas seria
superior.
“Muitos
pais recusaram-se a dar-me as suas filhas em casamento”, lembra, seguido de uma
gargalhada característica, mas que desta vez tenta esconder o orgulho ferido
nas situações que não conseguiu fisgar mais uma mulher.
Combate à poligamia
Um
movimento feminista, liderado pela WLSA Moçambique, o ramo moçambicano da ONG
Women and Law in Southern Africa Research and Education Trust, tem combatido
ferozmente a poligamia desde que alguns deputados admitiram incluí-la num
anteprojeto da Lei da Família, em 2003.
A
ideia não avançou, mas os debates continuam acesos, com diversas organizações a
lançar outros alertas: com a alta prevalência do vírus HIV na África Austral, a
poligamia em Moçambique é classificada como "arma fértil" para
propagação da sida. In “Contacto” – Luxemburgo com “Lusa”
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