Investigação
interna da ONU sobre acusações contra envolvidos nos ataques do 7 de outubro no
sul de Israel concluiu pela demissão de nove funcionários da UNRWA, Agência de
assistência a palestinos no Oriente Médio, em Gaza. A notícia foi distribuída
pelo porta-voz do secretário-geral da ONU, António Guterres.
Enviada
para os emails de todos os correspondentes na ONU de Nova Iorque e Genebra,
essa comunicação pode servir de exemplo aos estudantes de jornalismo sobre a
linguagem diplomática onusiana, sempre cuidadosa e contornando a objetividade
fria de um comunicado final, deixando sempre a possibilidade de um recurso ou
de uma rediscussão da questão.
Esse
comunicado divulgado sob a responsabilidade de Farhan Haq, porta-voz adjunto do
secretário-geral da ONU, António Guterres, reúne três tipos de conclusões de
investigações: não havia provas, as provas eram insuficientes e poderiam ter se
envolvido.
Mas
é preciso, antes, retornar às razões que determinaram a abertura das
investigações. No começo deste ano, ainda sob o impacto dos ataques terroristas
da organização islâmica palestina Hamas a Israel, no 7 de outubro, no qual
também foram mortos muitos civis com certa crueldade, surgiram versões do
envolvimento de funcionários da Agência da ONU para os Refugiados Palestinos,
UNRWA.
Diante
disso, as autoridades israelenses acusaram doze e depois mais sete, num total
de dezenove funcionários do UNRWA, de terem participado ativamente do pogrom,
no qual foram mortos cerca de 1200 israelenses. Ora, o UNRWA é a principal
agência de ajuda humanitária da ONU e as suspeitas levantadas desfecharam uma
crise contra sua manutenção, provocando a suspensão de importantes
financiamentos feitos por numerosos países. A esse respeito publicamos aqui no
Observatório da Imprensa o texto Agência da ONU protege o Hamas?
Assustado
com o risco do UNRWA não ter mais recursos financeiros para atender à população
da Faixa de Gaza, sujeita a constante bombardeios em represália aos ataques do
Hamas, o secretário-geral da ONU, António Guterres, determinou a abertura de um
inquérito pelo Escritório de Serviços de Supervisão Interna da ONU.
O
diretor do UNRWA, o suíço Philippe Lazzarini, envolvido pela crise, negou a
participação do pessoal de sua Agência onusiana por incompatibilidade de
função. O pessoal do UNRWA, disse ele, é obrigado a respeitar os princípios da
ONU "dentro e fora do trabalho", citando o que denominou de
"neutralidade humanitária".
António
Guterres também criou uma comissão independente encarregada de avaliar a
neutralidade da agência, presidida pela ex-ministra francesa das Relações
Exteriores, Catherine Colonna. A conclusão foi de "haver persistentes
problemas de neutralidade" dentro do UNRWA, seguida de recomendações para
melhorar seu funcionamento, que não se sabe ainda se a ONU colocará em prática.
Com
o passar dos meses e diante da situação de catástrofe humanitária em que vivem
os palestinos de Gaza, muitos países e organizações restabeleceram seus
financiamentos e doações. Entretanto, a decisão do Escritório de Serviços de
Supervisão Interna da ONU confirma parte das acusações de Israel e coloca em má
situação o dirigente do UNRWA, Philippe Lazzarini.
Agora,
retornando à conclusão do inquérito instaurado a pedido de António Guterres
(que reproduzimos abaixo na íntegra) não havia provas contra um funcionário;
não havia provas suficientes para incriminar nove funcionários mas, na
linguagem onusiana, "no que diz respeito aos restantes nove casos, as
provas obtidas pelo Escritório de Serviços de Supervisão Interna da ONU
indicaram que os membros do pessoal da UNRWA podem ter estado envolvidos nos
ataques armados de 7 de outubro de 2023. O emprego destes indivíduos será
rescindido no interesse da Agência".
Note-se
a nuança "podem ter estado envolvidos" e não "poderiam ter
estado envolvidos"! Se havia dúvida quanto à culpabilidade desses nove
funcionários, ela desaparece diante da decisão de que serão demitidos -
"O
emprego destes indivíduos será rescindido no interesse da Agência." Não se
demitem inocentes!
Feita
essa leitura, fica mais fácil se entender a leitura da decisão anterior:
"em outros nove casos, as provas obtidas pelo Escritório foram
insuficientes para apoiar o envolvimento dos funcionários". Ou seja, foram
insuficientes, mas não inexistentes, houve poucas provas, mas houve. Isso terá
provavelmente uma sequência.
Qual
a conclusão? A de que tinham fundamento as acusações de que funcionários da
Agência da ONU de assistência aos palestinos participaram ativamente dos
ataques armados do Hamas do 7 de outubro a Israel.
Comunicado
da ONU, 5 de agosto 18h20
Note to correspondents – on
the OIOS investigation of UNRWA
"O
Escritório dos Serviços de Supervisão Interna da ONU (OIOS, em inglês) concluiu
a sua investigação sobre 19 funcionários de área da Agência das Nações Unidas
de Assistência e Obras para os Refugiados da Palestina no Médio Oriente
(UNRWA), relativamente a alegações do seu envolvimento nos ataques armados de 7
de Outubro de 2023 ao sul de Israel.
O
OIOS fez conclusões em relação a cada um dos 19 funcionários da UNRWA
alegadamente envolvidos nos ataques.
Num
caso, nenhuma prova foi obtida pela OIOS para apoiar as alegações do
envolvimento do funcionário, enquanto em outros nove casos, as provas obtidas
pela OIOS foram insuficientes para apoiar o envolvimento dos funcionários. No
que diz respeito a estes dez casos, serão tomadas medidas apropriadas
oportunamente, em conformidade com os Regulamentos e Regras da UNRWA.
No
que diz respeito aos restantes nove casos, as provas obtidas pela OIOS
indicaram que os membros do pessoal da UNRWA podem ter estado envolvidos nos
ataques armados de 7 de outubro de 2023. O emprego destes indivíduos será
rescindido no interesse da Agência". Rui Martins – Suíça
______________
Rui Martins é
jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador
do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas,
que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos
emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da
corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto
Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do
Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de
Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de
Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso
de Lisboa, Correio do Brasil e RFI
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