A WindCredible, uma startup portuguesa, vai iniciar em setembro uma fase piloto das suas eólicas para autoconsumo junto de grandes empresas, como a Nestlé e a Galp
A Windcredible vai pôr a girar, num
edifício da Nestlé em Portugal, uma eólica diferente: é mais pequena e
destina-se especificamente ao autoconsumo. Até ao final do ano, outras dez
estarão a girar em várias empresas, a testar diferentes desenhos, para perceber
qual é o melhor modelo para escalar. O objetivo é produzir 50 turbinas em 2025.
Foi
nas oficinas da Guarda Nacional Republicana, na Pontinha, que começaram a ser
desenvolvidas as eólicas para autoconsumo que agora vão ser testadas na Nestlé,
mas também, em breve, em empresas como a EDP, Galp e Prio.
O
fundador da WindCredible, Filipe Reina Fernandes, capitão na unidade de
intervenção da GNR, tinha como função reduzir os custos da eletricidade da sua
unidade. Em parceria com António Santos, cabo especializado em eletrónica e
transmissões, começou a experimentar ao fim de semana a construção de turbinas
“muito arcaicas”, descreve, com material reaproveitado.
Entre
experiências, foram apresentados àquele que veio a tornar-se seu sócio, Nelson
Batista, especialista em aerodinâmica. “Juntou-se a nós e aportou muito
conhecimento”, afirma Reina Fernandes que, apesar de não ter formação em
engenharia, se considera um “engenheiro por solidariedade”. Sempre conviveu com
esta realidade através do pai, que ensinava metalomecânica numa escola
secundária do norte do país. Marvim Fernandes, o pai de Filipe Reina, acabou
por também se juntar ao projeto. Depois de várias experiências, que decorriam
desde o verão de 2022, em 2023 a empresa abriu atividade.
“A
nossa proposta de valor é um produto com muita tecnologia, que seja robusto,
com pouca manutenção, com uma componente de software que permita boa gestão do
equipamento, permitindo perceber realmente o que está a ser produzido”, explica
o fundador, em declarações ao ECO/Capital Verde.
Apesar
de estar a trabalhar três segmentos de negócio em simultâneo, a “aposta
principal” da WindCredible é mesmo o modelo “urban” [urbano], vocacionado para
o autoconsumo. São eólicas de 1 a 3 quilowatts de capacidade, com cerca de 2
metros e meio de altura e 125 quilos. Assim, apesar de o objetivo ser instalar
estas eólicas em ambiente urbano ou empresarial, “não é qualquer telhado que
aguenta”, explica o fundador. Têm de ser feitos estudos de engenharia para o
assegurar. Se os telhados não forem robustos o suficiente, podem ser
“plantadas” no solo, com uma pequena fundação e um poste a suportarem as pás.
As
pás são muito diferentes do habitual “moinho” que se avista no alto dos parques
eólicos tradicionais. Formam uma espécie de espiral, fabricada em fibra de
vidro em Vila Franca de Xira, na Xiraplás. Contêm ainda componentes metálicos,
oriundos da Póvoa do Varzim, enquanto a parte elétrica é importada da China.
“Queremos ter um fornecedor mais próximo ou vir a desenvolvê-las”, partilha o
gestor.
O
caminho, acredita a WindCredible, é usar estas eólicas em complementaridade com
o autoconsumo solar. A empresa calcula que seja possível uma poupança de 350
euros anuais unicamente com a instalação destas turbinas, sem contar com o
eventual complemento da solução solar. Neste momento, o retorno para o
investimento por parte do cliente está estimado entre os cinco e os 11 anos,
mas o objetivo é baixar o intervalo para entre os três e os sete anos. As
cidades do litoral são aquelas onde se esperam melhores resultados.
Para
já, a empresa está a avançar com três versões diferentes do modelo urbano, que
deverão ser trabalhadas ao longo dos próximos meses, enquanto decorrem os
respetivos testes piloto. Os empreendedores querem identificar a melhor
morfologia, os melhores componentes e ainda otimizar a cadeia de produção. A
Nestlé é a primeira empresa a receber um protótipo, e em setembro a instalação
deverá estar concluída. A turbina vai erguer-se na cobertura do restaurante.
Foi feito um estudo para aferir a resistência do local e criada uma base de
apoio onde serão instalados o poste e a turbina.
As
restantes nove eólicas que serão testadas deverão ser distribuídas até ao final
do ano por clientes tão diferentes como a Galp, EDP, Prio, Allprocare e Porto
de Lisboa. A duração prevista para os testes é de um ano, para perceber o
desempenho ao longo das diferentes estações. “Algumas destas empresas têm
projetos de inovação colaborativa, procuram trabalhar com startups. O objetivo
é apresentar a inovação e procurar um caminho conjunto”, explica Filipe Reina,
garantindo que “em Portugal não há outra empresa a produzir turbinas desta
escala”.
Já
no panorama europeu avistam-se potenciais concorrentes. “Existem outras
empresas que estão a desenvolver este tipo de tecnologia. Não há nenhuma com
repercussão mundial, mas é uma questão de tempo. Se nós não conseguirmos
entregar, alguém o irá fazer. Tem de se desenvolver isto com alguma celeridade
e colocá-la no mercado o quanto antes”, assevera.
A
comercialização está planeada para 2025, à escala de 50 turbinas. Nessa fase, a
WindCredible espera contar com distribuidores de soluções de autoconsumo que
integrem estas turbinas nas respetivas soluções, permitindo que parte das 50
novas turbinas cheguem às casas dos portugueses. Mas está tudo dependente dos
resultados dos pilotos.
Para
completar a próxima etapa, o fundador espera angariar um financiamento de 2
milhões de euros, junto de entidades focadas em capital de risco, uma quantia
que se junta aos 300.000
euros que sustentaram, até agora, o projeto. Até agora, a lista de investidores
é composta pelo investidor-anjo Simão Calado, a Portugal Ventures e a
Techstars. O modelo urbano de eólica deverá absorver um terço do novo
financiamento, cabendo outro terço a um modelo mais potente, o farm,
enquanto o restante destina-se aos recursos humanos. A equipa para já conta com
cinco pessoas, mas quer acrescentar perfis técnicos especializados em áreas com
o a eletrónica de potência, estruturas, mecânica e aeroespacial.
Das caravanas aos parques eólicos offshore
A
empresa quer avançar em três frentes: o já falado segmento urbano, mas também o
“nano” e o “farm”. O modelo urbano é de dimensão intermédia,
enquanto o nano fica abaixo desta fasquia, servindo consumos tão
pequenos como os de uma caravana ou pequenas casas modulares – tem uma potência
de 500 watts. Há um cliente, precisamente fabricante de casas modulares, já
interessado em receber esta tecnologia. Mas este segmento “não é o foco de
momento”. Já foram produzidas três turbinas e também vão iniciar-se os testes,
“mas em segundo plano”, comparativamente ao desenvolvimento do modelo urbano.
“Quanto mais pequeno o equipamento mais difícil o breakeven, a escala é
fundamental”, explica Filipe Reina.
Sobre
o modelo “farm”, que tem maior capacidade e adequa-se mais à
implementação em parques eólicos, numa lógica de complementaridade com as
eólicas tradicionais, afastados das cidades. E são turbinas que podem chegar a
“plantar-se” nos parques eólicos offshore. Mas este tipo de aplicação vai
exigir mais estudos, esclarece o fundador. A ideia é alimentar unidades de
aquacultura, culturas de algas marinhas ou carregamento de embarcações
elétricas, anexos à produção de energia eólica offshore.
As
eólicas farm deverão ter cerca de 50 metros de altura, bastante menos –
cerca de um terço – da altura das eólicas de maior capacidade existentes no
mercado. “São uns monstros comparados com as nossas”, afirma o fundador da
Windcredible. Uma vez que as turbinas da startup conseguem produzir energia com
vento que sopre a velocidades inferiores, podem ser um bom complemento às
tradicionais. E têm outras vantagens: a produção de menos ruído e menos
necessidade de manutenção, já que dispensam algumas das componentes das turbinas
tradicionais. Deverão por isso ter menos impacto em termos ambientais, em
particular na fauna.
Neste
segmento, adianta Filipe Reina, os maiores concorrentes são empresas dos países
nórdicos, que já estão a trabalhar com o mesmo tipo de tecnologia. Este
segmento é, contudo, o que está menos avançado, ainda em fase de
desenvolvimento. Ana Oliveira – Portugal in “Eco”
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