A língua indonésia ‘bahasa’ é cada vez mais comum nos portos de pesca portugueses, misturando sotaques e experiências de um sector que resiste graças à mão-de-obra estrangeira
“Sei
dizer melhor os palavrões que as outras palavras em português”, disse,
sorrindo, Ortono, uma das centenas de indonésios que servem nas embarcações
pesqueiras portuguesas.
Mas
se a língua portuguesa “é difícil de falar”, as artes da pesca são uma
linguagem universal, contou à Lusa Zeham, 24 anos, que chegou a Portugal em
2021 para trabalhar no setor, logo depois de terminar a sua formação
profissional, na sua terra, Pangandaran, na ilha de Java.
“Precisei
de aprender os nomes [dos objetos e utensílios]. Mas mar é mar e pescar é
parecido”, referiu Zeham, minimizando as dificuldades da adaptação, com elogios
aos patrões e companheiros portugueses. “Eles respeitam muito a nossa religião,
não bebemos álcool. Somos bem tratados”, explicou Zeham, que interrompeu o
almoço que estava a fazer junto ao porto de Peniche para falar com a Lusa.
A
grande maioria dos pescadores indonésios (mas também filipinos e malaios) chega
a Portugal com formação profissional específica para a pesca e os empregadores
suportam custos da viagem, estadia e alimentação, a que se junta pelo menos o
salário mínimo. “No mar somos todos iguais. Não há nacionalidades e eles [os
imigrantes] são muitos bons”, afirmou Nuno Pacheco, mestre da embarcação de
pesca de cerco Avô Varela, do porto de Peniche.
Ao
contrário de muitos portugueses, com os quais “não conseguimos contar”, porque
“estão sempre a falhar”, estes “senhores vêm para aqui para trabalhar, estão
aqui disponíveis para o horário que nós praticamos” e “têm muito boa formação”
no seu país de origem. Com os imigrantes “podemos contar, é gente que não
falha”, resumiu Nuno Pacheco.
De
Zeham, Nuno Pacheco só ouve elogios, até no processo de regularização. “O
patrão tratou de tudo, está tudo legal”. Mas o patrão, filho de pescador e
sócio com o irmão na gestão de duas embarcações, admitiu que os problemas
burocráticos são um dos principais obstáculos.
O
recrutamento é feito por uma agência na Indonésia, que permite avaliar a
qualidade e as qualificações dos candidatos. Contudo, “as coisas tornam-se
difíceis quando chegam”, explicou, dando o exemplo de um dos funcionários mais
recentes que começou a trabalhar em janeiro deste ano e, mesmo “com contrato de
trabalho, certificações e papeis todos em ordem”, só obteve título de
residência em julho, poucos meses antes de terminar o prazo sazonal de
contratação.
Sem
isso, não é possível registá-los na capitania e não podem ir para o mar como
elemento do quadro de pessoal marítimo. “Era fundamental ajustar a legislação à
nossa realidade”, considerou Nuno Pacheco.
Apesar
de todos estes problemas, o empresário disse que só se mantém a trabalhar
porque tem estes quadros, que já representam 40% da tripulação. “Sem eles já
tinha desistido, vendia os barcos e saía disto”.
O
trabalho da faina continua para lá do mar, nos preparativos que se fazem em
terra. No cais do porto, junto ao Avô Varela, portugueses e indonésios
juntam-se para preparar as cordas, coser redes, reparar danos ou limpar
equipamentos, num ambiente de camaradagem e sem hierarquia.
Os
indonésios “têm muito boa formação técnica, são competentes e trabalhamos lado
a lado” no mar e em terra. “Respeitamo-nos muito, damos-lhes condições para
estarem cá e cada um faz o seu trabalho. Eles não falam connosco, nós não
falamos com eles”, mas “entendemo-nos quando é preciso”, resumiu, admitindo que
a língua é o único problema no relacionamento “com pessoas como nós”.
Apesar
disso, as tripulações têm no futebol um tema universal e a convivência também
se faz pela barriga. “Há um prato particular que eu gosto muito e eles acham
piada. Uma espécie de patanisca só de vegetais. Mas aquilo é mesmo bom e quando
eles fazem vou sempre lá roubar um pouco”, disse, sorrindo, o capitão do Avô
Varela. “No ano passado tínhamos três [indonésios] que foram à terra, mas um
quis ficar cá. Não gostámos de o ver aqui sozinho e ele passou o Natal na nossa
casa”, recordou Nuno Pacheco.
Num
tempo em que cresce o discurso anti-imigrantes, Nuno Varela constatou que a
pesca portuguesa não sobreviveria sem estrangeiros.
Apesar
de “poderem existir abusos nalgumas áreas” da sociedade, “tenho pena que haja
quem pense assim, porque nós somos um país que fomos bem recebidos nos outros
países e acho que temos uma obrigação cultural de receber bem” quem é
imigrante.
Indiferente
a estas questões, Zeham gosta de Portugal e confessou que não se importa de
permanecer, embora o regresso à sua Pangandaran esteja sempre no horizonte.
“Tenho um contrato, vou cumprir e depois posso voltar ou ir para outro lado”,
explicou, em inglês rudimentar. Mas a Indonésia está sempre no seu coração.
“Quero voltar claro, não sei é quando”. Ao seu lado, divertido, Ortono disse
porque gosta de Portugal: “Recebemos em euros. É bom”. In “Ponto
Final” – Macau com “Lusa”
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