Depois de uma manhã com chuva forte, como costuma acontecer este ano com frequência na Europa, certificando a existência de uma mudança climática, não houve nenhum temporal e nem dilúvio na quarta;feira, na Piazza Grande, em Locarno, na Suíça ticinesa, para a abertura do Festival Internacional de Cinema e estreia da coprodução franco italiana O Dilúvio no telão de 140m2 ao ar livre e céu aberto, diante de oito mil espectadores.
Por
que o cineasta Gianlucca Jodice deu o título de "Dilúvio" para seu
filme histórico contando os últimos anos da queda da monarquia francesa e
destituição do rei Louis XVI e de sua esposa austríaca, a rainha Maria
Antonieta? Não seria, por certo, por fidelidade à chuva que teria caído na
manhã da execução na guilhotina do ex-rei, depois de despejado do Castelo de
Versalhes e ter ficado algum tempo, com a família na Torre do Templo em meio a
humilhações.
Em
suas entrevistas, o realizador Gianlucca Jodice usa também a palavra
apocalipse, para definir as transições políticas pelas quais passava a França
provocadas pela revolução popular de 1789. Mas usar dilúvio ou apocalipse não é
exagero. As consequências da Revolução Francesa se fizeram sentir em toda
Europa e mesmo nas Américas, assinalando também a ruptura entre Estado e
Igreja, a laicidade vigente na maioria dos países ocidentais e o primeiro
reconhecimento oficial dos direitos humanos, entre outras tantas coisas.
Porém,
explica o realizador, o emprego do termo dilúvio é metafórico e está também
ligado a uma frase de outro rei, Luís XV: "É claro que a palavra dilúvio é
metafórica, mesmo porque realmente choveu no dia da decapitação do rei na
guilhotina, não fui que inventei... mas, na verdade deriva da frase de Luís XV,
avô de Luís XVI , que disse a Pompadour: 'après moi, le déluge' ('depois de
mim, o dilúvio')"
E
o filme? Procura mostrar a desmoralização da família real obrigada a dormir no
chão e ficar mesmo sem talheres para comer. E o ex-rei reduzido à condição de
homem comum, se mostra fraco, sem reações, se apoiando apenas na crença
católica. Pouco resta da figura real de Maria Antonieta, considerada frívola e
infiel, tão citada por ter mandado o povo comer bolo na falta de pão.
E
o cineasta acentua: "é um filme de quedas: de poder, de aparências, de
máscaras públicas, que levam ao apocalipse pessoal. O que resta quando alguém
se despoja do seu papel social, político, burguês ou não-burguês, dependendo do
período? Diz-se na Antropologia que se o homem cresceu intelectualmente,
emocionalmente ele é idêntico a 3000 anos atrás". Rui Martins – Suíça
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Rui Martins, de Locarno, convidado pelo Festival.
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