Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Éluard, o poeta do amor e da liberdade

Tradução de livro de 1929 traz versos do mais lido e conhecido dos surrealistas franceses

                                                                     

                                                          I

Estabelecida em Natal, no Rio Grande do Norte, a Sol Negro Edições, uma das raras editoras brasileiras de fora do eixo Rio-São Paulo e que se tem tornado conhecida por editar livros artesanais em pequenas tiragens com boa qualidade literária e gráfica, acaba de lançar O amor a poesia (L´Amour la poésie), obra de 1929, do poeta francês Paul Éluard (1895-1952), em edição bilíngue, com tradução de Eclair Antônio Almeida Filho e Márcio Simões e ilustrações de Zoé Parisot.

Um dos mais conhecidos poetas do Surrealismo, vanguarda artística europeia que surgiu em Paris no começo do século XX, mais especificamente no período entre as duas guerras mundiais (1919-1939), os chamados “anos loucos”, Éluard destacou-se por sua poesia que exaltava de maneira especial o amor e a liberdade, o que o levou a ser considerado o mais lírico e mais bem dotado dos poetas surrealistas franceses.

Foi depois de uma passagem pelo Dadaísmo, movimento de vanguarda que procurava contestar os modelos tradicionais e clássicos, que Éluard aderiu ao Surrealismo, do qual foi um dos grandes nomes, ao lado de André Breton (1896-1966), Louis Aragon (1897-1982) e Antonin Artaud (1896-1948). Ganhou fama principalmente depois que, em 1942, seus poemas em nome da liberdade circularam clandestinamente durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), à época da ocupação nazista, e inclusive foram lançados por aviões ingleses para incentivar as tropas da Resistência que lutavam pela libertação da França.

Por isso, ficou conhecido como “o poeta da Liberdade”. Em seguida, por seu inconformismo diante da má distribuição da renda e da voraz cobiça dos exploradores de sempre, optou por aderir ao Partido Comunista Francês, mas sua adesão durou pouco porque logo descobriu que, por trás da pregação ideológica em favor dos menos favorecidos, havia uma orientação totalitária, de que, à época, o stalinismo soviético seria o melhor exemplo.

Por isso, além de uma poesia engajada e libertária, optou por se dedicar com afinco em exaltar o amor espiritual e carnal, como se pode comprovar nos versos no poema XIII que faz parte de O amor a poesia:

“Apaixonada com o segredo atrás de teu sorriso / Toda nua as palavras de amor / Descobrem teus seios e teu colo / E tuas ancas e tuas pálpebras / Descobrem todas as carícias / Para que os beijos em teus olhos / Mostrem apenas a ti toda inteira”. (pág. 41).

 

                                                          II

Como observa no texto de apresentação da obra o poeta Floriano Martins, o maior estudioso brasileiro do Surrealismo, Éluard “sempre foi o mais autêntico reflexo de sua poesia”, pois “era possível ler os seus poemas como se na página com os versos mirasse a si mesmo diante de um espelho”. Segundo Martins, Éluard, em seus poemas, “nos traz de volta à poesia, o amor, a liberdade, sempre que estejamos com a casa inteiramente aberta ao sabor de sua poesia intensa”.

Em outras palavras: o poeta manuseia ideias em lugar de imagens, sem se preocupar com os recursos métricos, tratando de passar a emoção, que, afinal, constitui a razão principal do fenômeno poético. Eis um bom exemplo do fazer poético de Éluard que a tradução para o português não deixa perder:

Saio das cavernas da angústia / Das curvas lentas do medo / Caio em um poço de plumas / Papoulas ao reencontro / Sem pensar / Num espelho fechado / Sois tão belas como frutos / E tão pesadas ó meus mestres / Que precisais de asas para viver / Ou de meus sonhos.  / A infância fica em sua casa / A corar com seus deveres / A merecer a vida / Com seus jogos de todas as cores / Seus cadernos tosados seus estojos ácidos / Uma mão se fecha pousa / As mãos da criança / Como rãs (...) (pág. 153).

 

                                                         III

Nascido em Saint Denis, numa família burguesa, Paul Éluard teve uma infância feliz, mas, aos 16 anos, contraiu tuberculose, o que o levou a interromper os estudos. Foi para um sanatório em Davos, na Suíça, onde conviveu com o poeta brasileiro Manuel Bandeira (1886-1968), que lá estava também a tratar da mesma doença. Lá conheceu uma jovem russa, Elena Diakonova (1894-1982), a quem passou a chamar de Gala, com quem se casou em 1917 e teve a filha Cecile (1918-2016). 

Dono de vasta obra, começou a publicar livros em parceria. Com Benjamin Péret (1899-1959), escreveu 152 poèmes. Com André Breton, No defeito do silêncio e Imaculada Concepção. Com Breton e René Char (1907-1988), Trabalhos. Publicou ainda Capital da dor (1926). Em 1928, novamente doente, retorna para o sanatório com Gala, onde ela reencontra o pintor Salvador Dali (1904-1989), um dos ícones do Surrealismo, com quem já tivera um affair e passa a viver. Por sua vez, Éluard conhece Maria Benz, uma artista da Alsácia conhecida como Nusch, com quem viveu até 1935.

Depois de expulso do Partido Comunista Francês, Éluard, em 1936, segue para a Espanha disposto a combater o movimento direitista do ditador Francisco Franco (1892-1975). À época, escreve o famoso poema “A vitória de Guernica”, em homenagem àquela cidade que fora bombardeada. Nessa época, passa a ter amizade com o pintor Pablo Picasso (1881-1973). Em 1940, retorna com Nusch para Paris. Em 1943, com o poeta francês Jean Lescure (1912-2005), reúne textos de poetas da Resistência e publica A honra dos poetas.

Com a morte de Nusch, em 1946, buscou forças para continuar a viver e publicou Do horizonte de um homem ao horizonte de todos. Em abril de 1948, Éluard e Picasso são convidados a participar do Congresso para a Paz em Wroclaw, na Polônia. Em junho, Éluard publica Poemas políticos.

Em 1949, vai para Budapeste assistir às festas comemorativas do centenário da morte do poeta húngaro Sándor Petófi (1823-1849), onde se encontra com o poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973). Em setembro, participa de mais um Congresso da Paz, no México, onde conhece a jornalista Dominique Lemort (1914-2000), com quem se casaria em 1951. Neste mesmo ano, publicou Le Phénix. Em novembro de 1952, morre, em sua residência, em consequência de um ataque cardíaco. Adelto Gonçalves – Brasil

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O amor a poesia (L´amour la poésie), de Paul Éluard, edição bilíngue, com tradução de Eclair Antônio Almeida Filho e Márcio Simões, ilustrações de Zoé Parisot e introdução por Floriano Martins. Natal-RN, Sol Negro Edições, 212 páginas, 2024. Site: solnegroeditora.blogspot.com E-mail: edsolnegro@hotmail.com 

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Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; Publisher Brasil, 2002), Bocage – o perfil perdido (Lisboa, Editorial Caminho, 2003; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia Brasileira de Letras, 2012),  Direito e Justiça em terras d´el-rei na São Paulo Colonial (Imesp, 2015), Os vira-latas da madrugada (José Olympio Editora, 1981; Letra Selvagem, 2015) e O reino, a colônia e o poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo 1788-1797 (Imesp, 2019), entre outros. Escreveu prefácio para o livro Kenneth Maxwell on Global Trends (Londres, Robbin Laird, editor, 2024), lançado na Inglaterra. E-mail: marilizadelto@uol.com.br


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