I
Nascido
em Carangola, o poeta Anderson Braga Horta, filho de poetas, ainda criança,
acompanhando a família, trocou o interior de Minas Gerais pelo interior de
Goiás, mais especificamente pela tradicional Vila Boa de Goiás, ou Goiás Velho,
onde fez o curso primário em duas “escolinhas domésticas”. Depois,
transferiu-se para Goiânia, jovem capital àquela época, onde fez o curso de
admissão ao ginásio para ingressar no Ateneu Salesiano Dom Bosco. Mas, aos 12
anos, retornou para Minas, onde ficou na casa dos avós, em Manhumirim, e
concluiu o ginásio. Depois, foi para Leopoldina, ainda em Minas Gerais, e fez o
curso clássico.
Tempos depois seguiu para o Rio de Janeiro,
onde, em 1959, formou-se pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade do
Brasil. Advogado, mudou-se para Brasília, onde desempenhou o cargo de diretor
legislativo da Câmara dos Deputados. Ao mesmo tempo, cumpriu uma vitoriosa
carreira nas letras, publicando extensa obra que inclui títulos de poesia, crítica
literária e ensaística.
Para rememorar a primeira parte dessa longa jornada de vida, reuniu em Iniciações (Brasília, Tagore Editora, 2023) poemas breves e textos em prosa poética que ajudam a reconstituir aquela trajetória. Seriam, segundo o próprio autor, “crônicas pela matéria, poemas pela forma, crônicas-poemas ou poemas-crônicas”, ou ainda mininarrativas carregadas de poesia, mas o importante, independentemente da hierarquização conceitual, como diz no posfácio o escritor Ronaldo Cagiano, “é a matéria estética aqui enfeixada, com toda sua carga semântica e plenitude comunicativa”.
São
breves peças literárias que revelam o cotidiano do autor quando menino e
adolescente cujos detalhes ainda permanecem vívidos em sua memória, como se
pode ver neste poema que dá título ao livro e, de certa maneira, abrange todo o
conteúdo da obra: “A menininha / rindo / me agarrou pelas mãos / estendeu os
meus braços em cruz / me empurrou contra a parede / e disse Agora / você vai
pregar ni mim. / Alheio ao que fazer / desvencilhei-me / e lépido fugi: / Nû
preguei, eco, eco! / Inocente adiava /
minha iniciação”.
As recordações de Braga Horta emergem com
força e, às vezes, retratam ações que, no cotidiano de hoje marcado pelas novas
tecnologias de comunicação com as massas, mesmo nos confins do Brasil, já não
se reproduzem com tanta inocência. E, como observa o editor Victor Tagore no
texto de apresentação, acabam por nos conduzir “por uma experiência quase
lúdica, onde a inocência da juventude é posta à prova em um gesto tão simples
quanto uma brincadeira de criança, que reflete os ritos de passagem que todos
nós vivenciamos”.
II
Num
poema mais longo, “Amburana”, o poeta evoca a existência de uma árvore cerejeira
nativa do Cerrado e do sertão nordestino, onde é conhecida também como
cumaru-das-caatingas e mesmo como imburana-de-cheiro, cujas sementes são
utilizadas na perfumaria e sua madeira na carpintaria. Na praça em frente à
casa da família do menino, em meio a cajazeiras, a amburana dominava imponente
“pela graça olorosa das sâmaras voadoras”. Rememora o poeta: (...) eu e o
mano imediato / brincávamos de passar uns pelos outros / com a menininha loura.
/ Ensaios de namoro...” Ao final do poema, evoca: Anos mais tarde a
minha alma chorou / vendo nos jornais arrancada pelo vento / a vetusta amburana
/ de pernas para o ar na praça eventrada. / Foi como se a minha infância
morresse / definitivamente.
Mais
adiante, no poema “Música”, rememora os sons que ouvia vindos da casa do
vizinho em Goiás, canções em vozes suaves, agradáveis aos ouvidos: A canção
desabava em catadupa / do alto muro do vizinho da direita: / – A tua voz estou
a ouvir – vinha na voz dominadora de Vicente Celestino. / E o contracanto não
tardava / nos melodiosos trinados de Gilda de Abreu. / (...) Até onde me lembro
foi assim/ em Goiás / a minha primeira iniciação musical.
Depois,
recorda, já em Manhumirim, as vozes que vinham através do então potente
aparelho de rádio Zenith de seu avô: (...) e pelas parcimoniosas execuções
pianísticas / de minha mãe e tias. / Ou pelo som que emanava da estação
ferroviária.
Como
se vê, os versos de Iniciações são confidências de um autêntico homem de
letras, de quem garimpou na memória suas vivências goianas e mineiras,
“culminando num delicado repositório de um imaginário pessoal, doméstico,
social e familiar”, como bem observa Ronaldo Cagiano no posfácio.
III
Hoje,
funcionário público aposentado, Anderson Braga Horta (1934) dedica-se em tempo
integral à literatura. É cofundador da Associação Nacional de Escritores (ANE)
e membro da Academia de Letras do Brasil (ALB), de Brasília. Começou a
exercitar o caminho das letras por volta dos 14 anos. Datam de 1949 seus
primeiros escritos, mas apenas no ano seguinte sentiu-se capaz de produzir um
texto que pudesse ser submetido à análise dos outros. Eram versos. Os contos
começariam em 1954, um deles, inclusive, foi recolhido em Pulso Instantâneo (Brasília,
Editora Thesaurus, 2008).
O
contista estreou em livro antes do poeta, a não ser pela participação em obras
coletivas: O Horizonte e as Setas, em parceria com Joanyr de
Oliveira, Elza Caravana e Izidoro Soler Guelman. Alguns dos contos que integram
Pulso Instantâneo faziam parte de Contos Passageiros, livro nunca
editado, embora tenha conquistado o Prêmio Machado de Assis, do antigo Estado
da Guanabara, em 1966.
Predominam
em sua obra títulos de poesia, como Altiplano e Outros Poemas (1971),
seguido de Marvário, Incomunicação, Exercícios de Homem, O Pássaro no
Aquário, reunidos, com inéditos, em Fragmentos da Paixão (São Paulo,
Massao Ono, 2000), que obteve o Prêmio Jabuti de 2001, mais Pulso (São
Paulo, Barcarola, 2000), Quarteto Arcaico (Jaboatão dos Guararapes,
2000), 50 Poemas escolhidos pelo autor (Rio de Janeiro, Galo Branco,
2003), Soneto Antigo (Brasília, Editora Thesaurus, 2009); Lua da Fonte/Elegia
de Varna, seleção, prólogo e tradução para o búlgaro de Rumen Stoyanov (Sofia,
2009), De uma janela em Minas Gerais – 200 sonetos (miniedição em
quatro volumes, 2011), Signo, antologia metapoética (Brasília,
2010), De Viva Voz (Brasília, 2012), Quarenta Sonetos (Jaboatão
dos Guararapes, 2015), Tiempo del Hombre
(Lima, Maribelina, Casa del Poeta Peruano, 2015), e 50 Poemas (50
Gedichte), com tradução de Curt Meyer-Clason (1910-2012) e textos em
português e alemão, entre outros.
Na
linha da crítica e da ensaística, publicou pela Editora Thesaurus, de Brasília,
o opúsculo Erotismo e Poesia (1994), Aventura Espiritual de Álvares
de Azevedo: estudo e antologia (2002), Sob o Signo da Poesia:
literatura em Brasília (2003), Traduzir Poesia (2004), Testemunho
& Participação: ensaio e crítica literária (2007) e Criadores de Mantra:
ensaios e conferências (2007).
Com
Fernando Mendes Vianna e José Jeronymo Rivera, assina as traduções de Poetas
do Século de Ouro Espanhol (2000); Victor Hugo: Dois Séculos de Poesia
(Editora Thesaurus, 2002), O Sátiro e Outros Poemas de Victor Hugo (Galo
Branco, 2002), Antologia Poética Ibero-americana, organização de Gustavo
Pavel Égüez (Cuiabá, 2006); e Contos de Tenetz, do búlgaro Yordan
Raditchkov, com Rumen Stoyanov (Editora Thesaurus,
2004).
Ganhou
mais de 15 prêmios literários, entre os quais o Jabuti, da Câmara Brasileira do
Livro, São Paulo (2001); Joaquim Norberto (tradução de poesia, partilhado), da
União Brasileira de Escritores (UBE), Rio de Janeiro, 2001); Hors concours
no Prêmio Centenário de Carminha Gouthier, das Academias Feminina Mineira de
Letras e Municipalista de Letras de Minas Gerais (2003); Prêmio Internacional
de Literatura Brasil-América Hispânica, da Academia Feminina Mineira de Letras,
por Fragmentos da Paixão, em 2007; e Prêmio Yvone Simoens Botkay,
da UBE-RJ, em 2008, por Criadores de Mantras. Adelto
Gonçalves - Brasil
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Iniciações –
Poesia,
de Anderson Braga Horta. Brasília, Tagore Editora, 78 páginas, 2023. E-mails: bragahorta@gmail.com contato@tagoreeditora.com.br
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Adelto Gonçalves, jornalista, é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage, o Perfil Perdido (Lisboa, Editorial Caminho, 2003; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo - Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (São Paulo, Imesp/Academia Brasileira de Letras, 2012), Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial – 1709-1822 (São Paulo, Imesp, 2015), Os Vira-latas da Madrugada (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981; Taubaté-SP, Letra Selvagem, 2015) e O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo - 1788-1797 (São Paulo, Imesp, 2019), entre outros.
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