Tecnologia desenvolvida em Portugal permite perceber, em tempo real, viagem a viagem, qual é a taxa de ocupação dos comboios suburbanos. Empresa que criou solução bate o pé a fabricantes de material ferroviário
São
seis e pouco da manhã. Numa manhã de segunda-feira, a linha que marca um
comboio suburbano entre Sintra e Lisboa-Oriente vai mudando de cor ao longo da
viagem. À saída de Sintra, a cor é azul, mostrando que a taxa de ocupação do
comboio é relativamente baixa. A viagem segue por Algueirão, Mercês, Rio de
Mouro, Monte Abraão e Queluz e o tom começa a mudar um pouco, para o amarelo.
Sabemos que está a entrar cada vez mais gente no comboio duplo, com duas
automotoras acopladas para maximizar a ocupação no mesmo trajeto.
O
amarelo transforma-se num laranja-escuro quando o comboio sai da Amadora. São
seis horas e 30 minutos e há muita gente a ir para o trabalho. Reboleira,
Damaia e Benfica. Mais três estações e a linha da viagem já está vermelha. O
comboio segue bastante lotado e assim vai ficar por mais uns minutos. Os
utentes só começam a sair verdadeiramente do comboio nas três estações
seguintes: Sete Rios, Entrecampos e Roma-Areeiro, onde têm acesso às linhas do
Metro de Lisboa, aos comboios da Fertagus para a margem sul do Tejo e ainda têm
mais autocarros da Carris, na versão municipal ou Metropolitana, se precisarem
de seguir para fora do município de Lisboa.
Vemos
esta informação a partir de um computador em Guifões, a cerca de 300
quilómetros da Linha de Sintra. Na última segunda-feira, este foi o comboio com
maior taxa de ocupação, tendo atingido os 134% de peso sobre a tara. A solução
foi desenvolvida em Portugal pela Nomad Tech,
empresa criada em dezembro de 2013 por dois quadros do universo CP, Augusto
Costa Franco e Nuno Freitas. Ambos são sócios e diretores-gerais da companhia
tecnológica.
A
solução para a Linha de Sintra nasceu a partir de uma iniciativa para os
comboios suburbanos do Porto. “A CP necessitava de uma informação para fazer
estudos de mercado e antecipar mudanças na procura, conforme a abertura ou
fecho de fábricas e escolas”, recorda ao Dinheiro Vivo o engenheiro Augusto
Costa Franco. Mesmo com uma margem de erro de 10%, a informação era mais do que
suficiente para as previsões.
Os
dados também podem ser incorporados, por exemplo, numa futura aplicação móvel
da CP, para o que passageiro possa saber, em tempo real, se o comboio que vai
apanhar segue muito cheio ou se ainda sobra bastante espaço. Conjugando os
dados do peso com a informação visual das câmaras do interior das carruagens,
também é possível redistribuir a ocupação das composições ao longo da viagem,
evitando a concentração dos passageiros junto às portas. Os dados foram ainda
particularmente úteis na altura da pandemia, quando foram impostos limites de
ocupação, primeiro, de 50%, e, mais tarde, a dois terços.
Bater o pé aos gigantes ferroviários
Voltamos
ao interior dos comboios da Linha de Sintra. Nos carris há pouco mais de 30
anos, têm sido rejuvenescidos graças à tecnologia portuguesa. O processo
começou há pouco mais de uma década, quando os conversores de tração de origem
foram descontinuados. Os conversores são uma “caixa de velocidade eletrónica”,
permitindo que a energia elétrica recebida pelo pantógrafo chegue aos motores
do comboio. Os conversores também permitem o funcionamento de sistemas
auxiliares, como o ar condicionado no interior das composições.
Na
época da troika, não havia dinheiro para comprar peças novas ao fabricante e
foi aí que se começaram a canibalizar as automotoras desta linha suburbana.
Houve oito automotoras que ficaram encostadas nas oficinas de Campolide por
quase uma década. Só foram recuperadas nos últimos quatro anos pela própria CP.
O
cenário teria sido ainda pior não fosse a solução criada por Augusto Costa
Franco e Nuno Freitas: em vez de trocar de conversor, bastava trocar os
módulos, isto é, “em vez de fazer um transplante de coração, apenas se trocaram
as válvulas. A engenhosa opção resultou em cheio e a economia circular foi
posta em ação: trocamos as válvulas num dia, em vez de se deitar material ao
lixo e de obrigar o comboio a ficar parado durante um mês”.
O
conversor modernizado “prolonga a vida aos comboios por mais 20 ou 25 anos”,
com menos 10% de consumo de energia e um equipamento que deixa de emitir gases
com efeito de estufa.
Entretanto,
a solução para a CP chegou, por exemplo, aos alemães da Deutsche Bahn, que
também têm os conversores de tração recuperados instalados nas locomotivas
Traxx, usadas na unidade de transporte de mercadorias.
A
transformação dos conversores de tração contribuiu para o nascimento da Nomad
Tech enquanto empresa, a partir da unidade de inovação da antiga EMEF, do
universo CP, e de pessoas que vieram da unidade de manutenção de alta
velocidade, responsável pelo material do Alfa Pendular. A ideia era reduzir a
dependência tecnológica portuguesa face aos fornecedores estrangeiros.
Graças
à origem na CP, a Nomad Tech tem conseguido conquistar clientes em países como
Espanha, Suíça, Suécia, Noruega, Estados Unidos e Austrália, trabalhando com
empresas ferroviárias como a Renfe, SBB, Mantena, VY, Amtrak e o Metro de
Melbourne. Em Portugal, a empresa tecnológica tem clientes como a Fertagus e os
metros de Lisboa e do Porto.
Com
a perspetiva de faturar 8,5 milhões de euros neste ano e dando emprego a 60
empresas nas instalações de Guifões, Amadora e Berlim, a empresa tecnológica
portuguesa também desenvolveu um sistema para baixar os consumos de energia,
através de uma condução mais eficiente dos comboios. No fim do dia, a poupança
chega a atingir os 10%.
A
empresa também trabalha com os operadores ferroviários na manutenção preditiva
do material circulante, ao saber, em tempo real, se há algum problema. No
limite, a reparação pode ser feita remotamente, evitando as avarias das
composições. Um comboio suprimido depois leva a que as composições corram o
risco de ficarem sobrelotadas nas viagens seguintes. Como na Linha de Sintra. Diogo
Nunes – Portugal in “dinheiro vivo”
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