Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

segunda-feira, 3 de junho de 2024

Portugal - Tecnologia permite contar os passageiros na ferrovia

Tecnologia desenvolvida em Portugal permite perceber, em tempo real, viagem a viagem, qual é a taxa de ocupação dos comboios suburbanos. Empresa que criou solução bate o pé a fabricantes de material ferroviário


São seis e pouco da manhã. Numa manhã de segunda-feira, a linha que marca um comboio suburbano entre Sintra e Lisboa-Oriente vai mudando de cor ao longo da viagem. À saída de Sintra, a cor é azul, mostrando que a taxa de ocupação do comboio é relativamente baixa. A viagem segue por Algueirão, Mercês, Rio de Mouro, Monte Abraão e Queluz e o tom começa a mudar um pouco, para o amarelo. Sabemos que está a entrar cada vez mais gente no comboio duplo, com duas automotoras acopladas para maximizar a ocupação no mesmo trajeto. 

O amarelo transforma-se num laranja-escuro quando o comboio sai da Amadora. São seis horas e 30 minutos e há muita gente a ir para o trabalho. Reboleira, Damaia e Benfica. Mais três estações e a linha da viagem já está vermelha. O comboio segue bastante lotado e assim vai ficar por mais uns minutos. Os utentes só começam a sair verdadeiramente do comboio nas três estações seguintes: Sete Rios, Entrecampos e Roma-Areeiro, onde têm acesso às linhas do Metro de Lisboa, aos comboios da Fertagus para a margem sul do Tejo e ainda têm mais autocarros da Carris, na versão municipal ou Metropolitana, se precisarem de seguir para fora do município de Lisboa.

Vemos esta informação a partir de um computador em Guifões, a cerca de 300 quilómetros da Linha de Sintra. Na última segunda-feira, este foi o comboio com maior taxa de ocupação, tendo atingido os 134% de peso sobre a tara. A solução foi desenvolvida em Portugal pela Nomad Tech, empresa criada em dezembro de 2013 por dois quadros do universo CP, Augusto Costa Franco e Nuno Freitas. Ambos são sócios e diretores-gerais da companhia tecnológica.

A solução para a Linha de Sintra nasceu a partir de uma iniciativa para os comboios suburbanos do Porto. “A CP necessitava de uma informação para fazer estudos de mercado e antecipar mudanças na procura, conforme a abertura ou fecho de fábricas e escolas”, recorda ao Dinheiro Vivo o engenheiro Augusto Costa Franco. Mesmo com uma margem de erro de 10%, a informação era mais do que suficiente para as previsões.

Os dados também podem ser incorporados, por exemplo, numa futura aplicação móvel da CP, para o que passageiro possa saber, em tempo real, se o comboio que vai apanhar segue muito cheio ou se ainda sobra bastante espaço. Conjugando os dados do peso com a informação visual das câmaras do interior das carruagens, também é possível redistribuir a ocupação das composições ao longo da viagem, evitando a concentração dos passageiros junto às portas. Os dados foram ainda particularmente úteis na altura da pandemia, quando foram impostos limites de ocupação, primeiro, de 50%, e, mais tarde, a dois terços.

Bater o pé aos gigantes ferroviários

Voltamos ao interior dos comboios da Linha de Sintra. Nos carris há pouco mais de 30 anos, têm sido rejuvenescidos graças à tecnologia portuguesa. O processo começou há pouco mais de uma década, quando os conversores de tração de origem foram descontinuados. Os conversores são uma “caixa de velocidade eletrónica”, permitindo que a energia elétrica recebida pelo pantógrafo chegue aos motores do comboio. Os conversores também permitem o funcionamento de sistemas auxiliares, como o ar condicionado no interior das composições.

Na época da troika, não havia dinheiro para comprar peças novas ao fabricante e foi aí que se começaram a canibalizar as automotoras desta linha suburbana. Houve oito automotoras que ficaram encostadas nas oficinas de Campolide por quase uma década. Só foram recuperadas nos últimos quatro anos pela própria CP.

O cenário teria sido ainda pior não fosse a solução criada por Augusto Costa Franco e Nuno Freitas: em vez de trocar de conversor, bastava trocar os módulos, isto é, “em vez de fazer um transplante de coração, apenas se trocaram as válvulas. A engenhosa opção resultou em cheio e a economia circular foi posta em ação: trocamos as válvulas num dia, em vez de se deitar material ao lixo e de obrigar o comboio a ficar parado durante um mês”.

O conversor modernizado “prolonga a vida aos comboios por mais 20 ou 25 anos”, com menos 10% de consumo de energia e um equipamento que deixa de emitir gases com efeito de estufa.

Entretanto, a solução para a CP chegou, por exemplo, aos alemães da Deutsche Bahn, que também têm os conversores de tração recuperados instalados nas locomotivas Traxx, usadas na unidade de transporte de mercadorias.

A transformação dos conversores de tração contribuiu para o nascimento da Nomad Tech enquanto empresa, a partir da unidade de inovação da antiga EMEF, do universo CP, e de pessoas que vieram da unidade de manutenção de alta velocidade, responsável pelo material do Alfa Pendular. A ideia era reduzir a dependência tecnológica portuguesa face aos fornecedores estrangeiros.

Graças à origem na CP, a Nomad Tech tem conseguido conquistar clientes em países como Espanha, Suíça, Suécia, Noruega, Estados Unidos e Austrália, trabalhando com empresas ferroviárias como a Renfe, SBB, Mantena, VY, Amtrak e o Metro de Melbourne. Em Portugal, a empresa tecnológica tem clientes como a Fertagus e os metros de Lisboa e do Porto.

Com a perspetiva de faturar 8,5 milhões de euros neste ano e dando emprego a 60 empresas nas instalações de Guifões, Amadora e Berlim, a empresa tecnológica portuguesa também desenvolveu um sistema para baixar os consumos de energia, através de uma condução mais eficiente dos comboios. No fim do dia, a poupança chega a atingir os 10%.

A empresa também trabalha com os operadores ferroviários na manutenção preditiva do material circulante, ao saber, em tempo real, se há algum problema. No limite, a reparação pode ser feita remotamente, evitando as avarias das composições. Um comboio suprimido depois leva a que as composições corram o risco de ficarem sobrelotadas nas viagens seguintes. Como na Linha de Sintra. Diogo Nunes – Portugal in dinheiro vivo


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