Sérgio Domingos, professor e investigador no Departamento de Física da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), está a estudar a evolução da energia de ionização e das preferências de encaixe molecular com o crescimento gradual de aglomerados de moléculas quirais.
Esta
investigação, publicada na revista Nature Communications, teve como
objetivo estudar a formação de clusters (agregados) moleculares da molécula
tetraheliceno (quatro anéis de benzeno fundidos num arranjo em forma de
hélice), que pertence a uma classe muito relevante no domínio da astrofísica
molecular (astroquímica), os Polycyclic Aromatic Hydrocarbons (PAHs).
Os
PAHs são considerados moléculas de interesse no âmbito de investigações sobre a
composição química no meio interestelar, pelas evidências da sua presença
encontradas em espectros de absorção de gases interestelares perto de objetos
astronómicos.
«O
tetraheliceno é particularmente interessante dentro desta classe de moléculas,
porque introduz uma nova dimensão a este problema, por ser uma molécula quiral,
um trato que moléculas fundamentais na biologia humana partilham, como
aminoácidos, proteínas e o ADN», revela o Sérgio Domingos, acrescentando que,
«no caso do tetraheliceno, que tal como o nome indica, tem uma geometria em
forma de hélice, pode existir em duas formas, designadas por P e M, dependendo
do sentido da curvatura da hélice».
Como
explica o físico, este tipo de moléculas existe tipicamente em duas formas
(enantiómeros) que são a imagem no espelho uma da outra, tal como as nossas
mãos.
«Da
mesma forma que temos encaixes “perfeitos” de mão esquerda, luva esquerda, a
nível molecular, esse encaixe de duas ou mais moléculas quirais pode gerar
preferências na abundância relativa desses tipos quirais à escala de pequenas
partículas, o que, por sua vez, pode ter tido impacto na maneira como a matéria
orgânica evoluiu desde os primórdios da evolução da vida na Terra», elucida.
Neste
trabalho, que decorreu nas instalações do SOLEIL, em Paris, os investigadores
conduziram medições de espectroscopia de fotoeletrões com o objetivo de estudar
a amostra de tetraheliceno na forma gasosa, dentro de uma câmara de alto vácuo.
«Com
esta técnica, detetámos agregados de iões de tetraheliceno até ao heptamero,
isto é, sete moléculas ligadas através de ligações não-covalentes. Assim, foi
possível concluir que a energia necessária para ionizar o agregado é cada vez
menor com o crescimento do mesmo, ou seja, é necessário menos energia para
ionizar o cluster de sete moléculas, do que para ionizar a molécula sozinha»,
conta.
De
acordo com o investigador da FCTUC, esta observação despoletou um trabalho de
análise e modelação computacional que envolveu cientistas de vários países
(Alemanha, Espanha, França e Portugal), permitindo obter modelos estruturais
teóricos que confirmam essa tendência observada na energia de ionização e
desvendando uma tendência clara para a formação de agregados com moléculas do
mesmo tipo quiral (com o mesmo enantiómero). Estes resultados têm implicações
fundamentais na maneira como se olha para a formação de clusters no meio
interestelar, à escala de pequenos grãos.
«As
condições experimentais em que medimos estas propriedades moleculares
assemelham-se ao ambiente encontrado nalgumas regiões interestelares de
interesse, e por isso, os resultados deste estudo permitem-nos, cuidadosamente,
começar a especular sobre se esta tendência a formar agregados de uma só
quiralidade à escala de pequenas partículas no espaço pode ter catapultado uma
preferência na quiralidade da matéria biológica no nosso planeta», conclui. Universidade
de Coimbra - Portugal
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