Inovação obtém informações de substâncias pouco conhecidas e estabelece referências para drogas ainda não detectadas
A batalha
contra o rápido surgimento e popularização de Novas Substâncias Psicoativas
(NPS, do inglês novel psychoactive substances) – projetadas para driblar
a legislação ao imitar efeitos das tradicionais em fórmulas químicas diferentes
– ganha um aliado que usa tecnologia de ponta. Equipe do Departamento de
Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP)
da USP anuncia ter criado uma ferramenta capaz de analisar substâncias químicas
e reconhecer as novas drogas utilizando química computacional e aprendizagem de
máquina (do inglês machine learning).
Responsável
pelo estudo que deu origem à inovação, o pesquisador Christiano dos Santos
desenvolveu algoritmos a partir de informações de espectros de infravermelho
(tecnologia que identifica composição de uma amostra) de 75 substâncias de
cinco categorias de NPS. Com os dados, aplicou aprendizado de máquina por meio
de um software que classifica os espectros e prevê a substância contida na
amostra.
Os
resultados dos testes com a nova ferramenta, publicados na edição de maio da Psychoatives, mostraram
“excelente desempenho, com precisão, especificidade e sensibilidade acima de
90%, permitindo um melhor entendimento e previsão das propriedades de moléculas
e materiais”, informa Santos.
Para
a orientadora da pesquisa, a professora Aline Thais Bruni, os profissionais da
área têm agora em mãos uma ferramenta poderosa na identificação e análise de
substâncias químicas, podendo enfrentar o desafio relacionado ao surgimento
acelerado das NPS. Segundo ela, será possível implementar procedimentos de
monitoramento que ajudem a desvendar casos complexos relacionados ao tráfico de
drogas e a entender melhor as substâncias envolvidas.
A
ideia também é que os dados espectroscópicos coletados pelo estudo sejam
disponibilizados em uma biblioteca aos profissionais – forenses e outros – que
trabalham com análises dessas substâncias químicas. “Essa pode ser uma
orientação crucial na tomada de decisão sobre as análises, permitindo
identificar com maior confiabilidade a estrutura química que está sendo
investigada”, acrescenta Aline Bruni.
Ferramenta é treinada para identificar padrões nos dados
A
equipe utilizou métodos computacionais (ou in silico) para obter o
espectro infravermelho das substâncias presentes nos cinco grupos estudados,
dentre eles as anfetaminas e os canabinoides. Foram obtidos dados de
espectroscopia de infravermelho utilizando a Teoria do Funcional da Densidade
(DFT, do inglês Density Functional Theory), técnica usada para entender
a estrutura dos átomos e moléculas usando a densidade dos elétrons. Os métodos,
diz a professora Aline Bruni, representam uma alternativa para conseguir
informações de espectros de substâncias pouco conhecidas e “podem, inclusive,
auxiliar a criar referências para potenciais drogas, que ainda não foram
detectadas.”
Já
o treinamento da ferramenta contou com uso de duas aproximações de machine
learning: aprendizagem não supervisionada, em que os algoritmos identificam
padrões nos dados, e supervisionada, na qual há treinamentos por meio de
conjuntos conhecidos de amostras. Assim, “os modelos classificatórios gerados
pela aprendizagem de máquina podem fornecer um diagnóstico inicial sobre a que
grupo pertencem esses compostos”, informa a professora.
NPS
e política contra drogas
Segundo
Santos, com a política de guerra às drogas e os esforços internacionais na
repressão do tráfico e do consumo dessas substâncias, surgem as NPS para burlar
a legislação e dificultar o trabalho investigativo e pericial. As NPS imitam as
drogas ilícitas tradicionais, como cocaína e MDMA (ecstasy), mas com
estruturas químicas diferentes para evitar a fiscalização. A popularização
desses novos compostos químicos representa “um desafio para os métodos de
análise forense”, acrescenta o pesquisador Christiano dos Santos.
São
compostos, na maioria sintéticos, que fogem do controle internacional por não
constarem das listagens da Convenção Única de Entorpecentes (1961) e da
Convenção sobre Substâncias Psicoativas (1971). De acordo com o Escritório das
Nações Unidas para Drogas e Crimes (UNODC), entre 2010 e 2021, o total de NPS
identificadas no mercado de drogas saltou de 162 para 618. Somente em 2021,
foram descobertas 87 novas NPS, dentre elas “há diversos grupos entre
alucinógenos, estimulantes, canabinoides e opioides sintéticos, e outros tipos
de NPS”, conta a professora Aline.
Além
de fugir da legislação, questões regulatórias também influenciam o
desenvolvimento de métodos experimentais, já que as NPS são frequentemente
detectadas por meio de operações policiais. Para os pesquisadores, compreender
o comportamento dessas substâncias é crucial para auxiliar os procedimentos de
investigação e controle do tráfico.
Os
resultados desse estudo integram o trabalho de doutorado Métodos
Computacionais e Machine Learning aplicados ao estudo de propriedades
espectroscópicas de Novas Substâncias Psicoativas desenvolvido por Santos
sob orientação de Aline Bruni e apresentado à FFCLRP em 1º de março de 2024.
Mais
informações pelos e-mails: aline.bruni@ffclrp.usp.br, com Aline Bruni;
christiano.sts@gmail.com, com Christiano dos Santos. Felipe Faustino –
Brasil in “Jornal USP”
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